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Além dos desafios enfrentados pelo mercado de fundos imobiliários nos últimos anos – restrições impostas pela pandemia da Covid-19, juros elevados, entre outros –, 2023 parece ter reservado mais um ponto de atenção para os FIIs: a saúde financeira dos inquilinos ligados ao setor de varejo.
Nas últimas semanas, vários fundos reportaram inadimplência parcial ou total no pagamento do aluguel devido por locatários como Tok&Stok, Marisa e Americanas – que pediu recuperação judicial com dívidas que superam R$ 47 bilhões.
Diante do calote, alguns FIIs tiveram de reduzir a distribuição de dividendos, enquanto outros já trabalham pela retomada dos imóveis. O cenário estimula dúvidas sobre o que esperar dos FIIs que locam imóveis para estas varejistas. Comprar, vender ou manter as cotas destas carteiras?
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De modo geral, especialistas ouvidos pelo InfoMoney avaliam que não há motivo para fugir desses fundos, especialmente se os imóveis presentes nos seus portfólios apresentarem boa qualidade. Eles reconhecem, porém, que a situação dos inquilinos exige atenção e dão sugestões para o investidor neste momento de maior desconfiança.
Comprar, vender ou manter?
Quarto maior fundo imobiliário do mercado em patrimônio líquido, com quase R$ 4 bilhões, o Kinea Renda Imobiliária (KNRI11) comunicou na semana passada que não recebeu da Marisa (AMAR3) o valor do aluguel de janeiro devido pela varejista.
Foi o segundo FII que reportou problemas com a locação de imóveis para a empresa este mês. O Brasil Varejo (BVAR11) já havia apontado a inadimplência da companhia.
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No caso do KNRI11, a Marisa ocupa o condomínio logístico CD Itaqua, localizado em Itaquaquecetuba, no interior de São Paulo. O imóvel conta com uma área bruta locável (ABL) de 30 mil metros quadrados e responde por 4% da receita do fundo.
Em nota, a varejista disse estar “em processo de aprimoramento do seu modelo de negócios e decidiu priorizar pagamentos e renegociação de contratos”. A empresa prometeu que, em breve, os pagamentos serão normalizados.
Independentemente da promessa, Marx Gonçalves, sócio e analista da Nord Research, lembra que, na prática, o investidor de FIIs compra indiretamente imóveis e não um contrato de locação. Por isso, o vínculo de locatários inadimplentes com o fundo não deve ser superestimado.
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“Por mais robusto e longo que seja, um contrato de locação vem e vai e, por isso, pode ser quebrado pelos mais variados motivos”, reflete. “O que fica no final do dia é o imóvel presente no portfólio do fundo e é isso que deve ser observado pelo investidor”, orienta.
Segundo Gonçalves, imóveis que apresentam boa localização, padrão elevado construtivo e inseridos em regiões com baixa vacância tendem a ter uma alta capacidade de reposicionamento – ou seja, facilidade na substituição do locatário.
“Se o imóvel do fundo tem esta boa capacidade de reposicionamento, então não vejo necessidade de fugir destes fundos apenas por conta da inadimplência de uma varejista ou da eventual saída de um dos locatários”, afirma.
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Constatada a qualidade do imóvel, a perda de valor do fundo na Bolsa pode até ser vista como uma oportunidade para o investidor que tem boas perspectivas para a carteira, avalia Gonçalves.
“Se por uma eventualidade o dividendo for pressionado no curtíssimo prazo – e a cotação do fundo começar a cair – pode até ser uma oportunidade de compra para o investidor que está ciente da qualidade do portfólio e das boas expectativas para este FII”, pontua.
A situação é mais delicada, afirma o analista, para fundos que não contam com imóveis com bom potencial de reposicionamento ou cujo portfólio esteja muito concentrado em apenas um locatário.
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“Se o fundo é muito dependente do contrato de locação ou a eventual saída do inquilino dificultará o reposicionamento do espaço, aí sim é um sinal de alerta”, chama a atenção.
Em casos como estes, Danilo Bastos, sócio-fundador da Ticker Research, sugere ao investidor observar o prêmio de risco oferecido pelos fundos.
“Se você entende que está correndo um risco maior, este fundo tem de entregar uma renda maior para compensar tal risco”, explica. “Se algo acontecer com um imóvel da carteira, você seguirá recebendo uma renda satisfatória com os demais imóveis do fundo”.
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Para quem acha complexo demais fazer a análise do portfólio de um FII e mesmo avaliar o risco de cada fundo, a alternativa pode ser uma velha e conhecida estratégia: a diversificação.
Em um exemplo hipotético, Bastos cita um investidor que tem apenas um fundo imobiliário, cuja receita caiu 10% por causa da inadimplência do inquilino. Neste cenário, detalha o especialista, o dividendo do investidor também será reduzido em aproximadamente 10%, calcula.
O exercício lembra o caso do Vinci Logística (VILG11), que iniciou uma ação de despejo contra a Estok Comércio e Representações – a rede de lojas de móveis e decoração Tok&Stok. A locatária não pagou o aluguel do condomínio logístico Extrema Business Park I, localizado no município de Extrema, em Minas Gerais.
O valor da locação – com vencimento em fevereiro – representa 14% das receitais totais do fundo. Já o imóvel locado para a Tok&Stok corresponde a 11% da área bruta locável (ABL) total do fundo.
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“Caso a pessoa tenha dez FIIs e um deles dá o mesmo problema do exemplo anterior, ela terá uma redução nos dividendos na ordem de 1%”, afirma Bastos, considerando uma situação em que cada fundo tenha o mesmo peso no portfólio. “Se este investidor tiver, além dos dez FIIs, ações de dividendos, Fiagros e outras aplicações, o impacto será quase imperceptível”, avalia.
Na opinião de Bastos, se o investidor fizer o dever de casa e “não colocar todos os ovos na mesma cesta”, episódios como o que envolve FIIs e varejistas não gerariam tanta preocupação.
“Se o investidor tiver dez ou 12 fundos no portfólio – sendo no máximo dois de cada segmento –, dificilmente ele terá um impacto relevante na renda”, afirma.
FIIs de logística e shoppings: importantes demais para ignorar
Em recuperação judicial e com dívidas de mais de R$ 47 bilhões, a Americanas (AMER3) inaugurou a série de calotes promovidos por varejistas nas últimas semanas. Um dos fundos que comunicaram problemas com a empresa foi o XP Log (XPLG11).
A B2W – que faz parte do grupo Americanas – ocupa um centro de distribuição do fundo localizado em Seropédica, no Rio de Janeiro. O espaço tem uma área construída de 82 mil metros quadrados, que representa 9% do portfólio da carteira.
Na semana passada, o fundo disse ter recebido da companhia apenas parte do aluguel – equivalente a 12 dias – do mês de janeiro e com vencimento previsto para fevereiro.
Além do XPLG11, pelo menos outros sete fundos – entre os que divulgam os nomes dos inquilinos – mantêm alguma relação com as Americanas e, parte deles também já sofre com a inadimplência da varejista.
Mesmo assim, Diogo Arantes, criador do canal FII Fácil, engrossa o discurso de que não dá para fugir dos fundos que locam imóveis para varejistas, especialmente os do segmento de logística – um dos principais do mercado de FIIs.
“É um segmento que não deve ser ignorado pelo investidor de fundos imobiliários”, confirma. “O setor logístico demonstrou resiliência durante a pandemia da Covid-19 e se desenvolveu fortemente com o e-commerce, que veio para ficar”.
A mesma análise vale para os fundos de shopping, afirma o especialista. Ele avalia que o setor tem um forte potencial de crescimento no Brasil e consegue se blindar de cenários mais desafiadores, como o enfrentado pelas varejistas atualmente.
“Os shoppings são muito estáveis e têm a receita pulverizada entre muitos locatários (lojistas). Sendo assim, o impacto de uma varejista inadimplente tende a ser reduzido”, detalha. “Tanto é que o impacto destas notícias na cotação dos FIIs de shopping foi muito menor”.
Arantes acende a luz amarela só para os fundos imobiliários que investem em ativos mais ligados ao varejo de rua. Para ele, este tipo de fundo tem situação mais desafiadora – dada a maior dificuldade de reposição.
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Luz (bem) amarela sobre as varejistas
Apesar das ponderações sobre a resiliência dos bons imóveis mesmo em cenários mais adversos, os especialistas ouvidos pelo InfoMoney reconhecem que o segmento varejista enfrenta um cenário desafiador atualmente.
Para Gonçalves, da Nord, o caso Americanas, por exemplo, parece ser um evento pontual, mas que pode dificultar a vida de outras varejistas, em uma espécie de efeito contágio.
“Talvez os bancos estejam mais reticentes em dar crédito para outras varejistas por conta deste evento da Americanas”, diz. “Isso acaba causando uma dificuldade financeira para outras empresas do segmento, que demanda bastante capital de giro para operar”.
Dada a característica do setor, Bastos reforça que a situação já não era das mais confortáveis para as varejistas diante da atual taxa básica de juros da economia nacional, a Selic, atualmente em 13,75% ao ano.
“[Com este nível de juros], fica muito mais caro tomar crédito e a empresa tem mais dificuldade de fechar as contas e pagar suas despesas, inclusive o aluguel”, explica.
Ele vê também dificuldades de analisar a situação financeira das empresas do setor uma vez que parte ainda tem capital fechado – não precisa divulgar demonstrações financeiras – e outras ainda oferecem inconsistências, como o caso da Americanas.
“A gente consegue ter uma noção da situação das varejistas com capital aberto, que são listadas na Bolsa e obrigadas a apresentar balanços e demonstração financeira, mas não detectamos a coisa na vírgula [com precisão]”, diz. “Na Americanas, por exemplo, há pontos que dificilmente um analista identificaria sozinho”.
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