Famílias com pelo menos R$ 1 milhão se mexem antes de imposto da herança mudar

Depois dos super-ricos, investidores com patrimônios menores vêm buscando aconselhamento sobre planejamento sucessório e doação de bens, antes de alterações no ITCMD ao redor do País

Bruna Furlani

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A confluência de uma série de mudanças promovidas pelo Governo e pelo Legislativo em um curto período de tempo para fechar brechas tributárias para investidores de grande porte, incluindo medidas propostas pela Reforma Tributária, fez os chamados super-ricos se moverem primeiro. Agora, um novo grupo parece buscar aconselhamento de escritórios de advocacia e privates de corretoras.

De olho em alterações no Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), conhecido como “imposto da herança”, famílias com patrimônios a partir de R$ 1 milhão passaram a olhar com mais atenção para temas como planejamento sucessório e antecipação da doação de parte do patrimônio, como bens e imóveis.

Renato Folino, head de wealth planning da XP Private, que trabalha na indústria há bastante tempo, afirma que a preocupação costumava ser típica de clientes com perfil mais de private, ou seja, com pelo menos R$ 10 milhões dentro da casa. “Esse era o foco. O que temos percebido é que famílias com R$ 1 milhão têm nos procurado para entender quanto vai custar a sucessão desse patrimônio, como seria a doação”, afirma o executivo.

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A mudança também é sentida dentro de casas como a Genial Wealth Management e de alguns escritórios de advocacia, como o VBSO Advogados. “O tíquete médio vem diminuindo. Antes, só procurava quem sabia que valia gastar com escritório. Hoje em dia, já é bem comum ver patrimônios menores sendo objeto de planejamento sucessório, com intuito de evitar desentendimentos com herdeiros”, conta Vinicius Caccavali, advogado tributarista na casa.

ITCMD

Uma parte da explicação para o aumento na demanda por esse tipo de aconselhamento está em mudanças feitas na lei das offshores e que alteraram também os fundos exclusivos, além da aprovação da Emenda Constitucional nº 132 no fim do ano passado, que trata da Reforma Tributária, considerada a mais impactante. A última transformou o ITCMD, conhecido como “imposto da herança”, em uma tributação progressiva, levando em conta o valor dos bens.

Segundo a EC132/2023, agora assembleias legislativas estaduais deverão discutir projetos de lei para mudar a forma de cobrança desse tipo de imposto. Nesse quesito, São Paulo saiu na frente com a tramitação do PL 7/2024. O texto prevê que a atual cobrança fixa de 4% de ITCMD seja substituída por alíquotas que podem variar de 2% a 8%, que é o teto definido pelo Senado em 1992. Se aprovada e convertida em lei ainda em 2024, as alterações propostas deverão valer apenas a partir do ano que vem, desde que decorrido o prazo de 90 dias contados a partir da sua publicação.

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Leia mais: Herança: possível mudança do ITCMD em SP faz “super-ricos” repensarem destino das fortunas

Claudio Massari, head da Genial Wealth Management, diz que, no geral, tem aconselhado a maior parte dos clientes a antecipar as doações para se beneficiar de uma alíquota menor de ITCMD. O profissional, porém, lembra que é preciso analisar bem a situação do patrimônio, o regime de bens e a relação familiar antes de tomar uma decisão. O ideal nesse caso, afirma, é buscar aconselhamento e ter cautela.

Imbróglio entre Legislativo e Judiciário

Mudanças mais recentes envolvendo a cobrança de ITCMD reforçaram o alerta de investidores: na última terça-feira (13), a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base da segunda etapa da regulamentação da Reforma Tributária, que tratou sobre as regras do comitê gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O documento também abordou a taxação de recursos depositados em planos de previdência privada transmitidos a beneficiários por meio de heranças. A medida ainda precisa passar pelo Senado e pode sofrer novas alterações, mas já foi tema de conversas entre famílias e escritórios.

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Segundo o texto atual, o ITCMD só será cobrado para aportes na previdência menores do que cinco anos, contados a partir do início da contribuição até a ocorrência do fato gerador. Embora não haja nenhuma determinação que permita a cobrança do “imposto da herança” em caso de morte do beneficiário, alguns Estados já realizavam esse tipo de taxação, o que levava constantemente contribuintes a entrar na Justiça para anular a cobrança, como explica Caccavali, do VBSO Advogados.

A discussão sobre o tema no Congresso, porém, poderá sofrer novas reviravoltas em breve. O Supremo Tribunal Federal (STF) poderá julgar, até o fim do mês, se o ITCMD poderá ser cobrado sobre planos de previdência PGBL e VGBL, em caso de falecimento do titular. Caccavali, do VSBO Advogados, afirma que uma das possibilidades é que o Judiciário entenda que esse tipo de cobrança é inconstitucional. Nesse caso, diz, a Constituição estaria acima de uma lei complementar em tramitação no Congresso.

Uma possibilidade, diz o advogado, é que os ministros deixem o texto da Reforma Tributária de fora da decisão, fazendo valer o entendimento dos parlamentares sobre o assunto, ou ainda que entendam que a cobrança não é inconstitucional. Diante de possíveis reviravoltas no caso, a recomendação de Caccavali é que as famílias procurem aconselhamento o quanto antes para verificar as melhores opções caso a caso.

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Folino, da XP Private, vai na mesma linha e diz que aguarda o desenrolar dos fatos sobre a cobrança ou não de ITCMD em planos de previdência, que eram bastante utilizados por famílias mais endinheiradas. “A grande preocupação que temos hoje é a questão da previdência. Como vai ser resolvida? Será pelo Supremo ou pelo Congresso? Temos que esperar para ver”, observa.

Como funciona o planejamento sucessório?

Em caso de dúvidas, a sugestão de especialistas é que o investidor procure um escritório de advocacia ou o private que já conhece para entender como se planejar melhor para a sucessão. Ao buscar o aconselhamento, Massari, da Genial, diz que o primeiro passo dentro da casa envolve a análise do patrimônio, assim como o entendimento de qual é o regime de bens de quem deseja doar e de como se dá a relação familiar. “É uma decisão que a pessoa deve levar tempo para tomar e que deve ser discutida em família. Entendemos que não é apenas uma questão financeira que deve ser levada em conta. Tem que pensar e maturar”, diz.

William Heuseler, sócio e head global de Wealth Planning do Itaú Private Bank, afirma que também é importante a família ter o acompanhamento do seu advogado e contador de confiança durante o processo, já que as casas não podem dar uma opinião legal. Segundo ele, a maioria dos investidores está aguardando o desenrolar dos fatos para doar parte do patrimônio e apenas poucas optaram por antecipar a transação.