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SÃO PAULO – O desconforto dos agentes financeiros sobre a contrapartida que o governo federal vai apresentar de fato para pagar a parte do Auxílio Brasil (novo programa de transferência de renda) que excede os R$ 300 já previstos, provocou forte movimento de aversão ao risco nos mercados.
A piora não afeta apenas a Bolsa, como também os juros futuros e as taxas oferecidas pelos títulos públicos negociados no Tesouro Direto, com investidores pedindo prêmios mais elevados para emprestar dinheiro ao governo. O destaque está nos papéis prefixados, que viram os retornos avançarem até 115 pontos-base entre a tarde de segunda-feira (18) e a manhã desta quinta-feira (21).
Na abertura das negociações de hoje, por exemplo, o Tesouro Prefixado com vencimento em 2024 oferecia retorno de 11,36% ao ano, frente aos 10,21% vistos na tarde de segunda. O juro pago por esse título também era o maior já registrado desde que passou a ser oferecido aos investidores, em fevereiro deste ano.
A situação, no entanto, não era exclusiva dos papéis prefixados, apesar de a alta ter sido mais significativa entre eles. Os papéis atrelados à inflação também viram as remunerações oferecidas por algumas opções subirem até 52 pontos-base entre segunda e o começo desta quinta-feira, como é o caso do Tesouro IPCA+ com vencimento em 2026.
Diante desse cenário de forte ataque ao teto de gastos e sem definições muito claras de contrapartidas do governo, algumas gestoras de patrimônio e escritórios de agentes autônomos procurados pelo InfoMoney afirmam que o momento é oportuno para comprar alguns papéis do Tesouro, já que “travar retornos” com esses níveis de juros parece interessante.
Se o investidor optar por proteger o patrimônio e tiver a opção de carregar o investimento até o vencimento, especialistas pontuam que as melhores oportunidades estão em papéis atrelados à inflação, com vencimentos a partir de quatro anos. Já entre os papéis prefixados, a preferência é pelos títulos com prazo de investimento entre 2024 e 2026.
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“Pico do estresse”
A razão, explica Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo, é que as taxas de juros parecerem estar no “pico do estresse”. “No pior momento da pandemia, não tivemos curvas de juros tão estressadas. Acredito que para ir além disso, apenas se houver uma quebra de fato do teto de gastos”.
Os analistas avaliam que a principal âncora fiscal do país está sob ameaça. Isso porque ontem à noite, Paulo Guedes, ministro da Economia, afirmou que o governo estuda pedir uma “licença” para um gasto de cerca de R$ 30 bilhões acima do teto. O objetivo é financiar o Auxílio Brasil, novo programa de transferência de renda do governo, no valor médio de R$ 400.
Em relatório divulgado nesta quinta-feira (21), os analistas da Levante Research, por exemplo, destacaram que “estamos vivendo o que talvez seja a derrota definitiva da proposta de austeridade com que este governo foi eleito”.
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“Como esse gasto não cabe no orçamento, na prática a ‘licença’ pedida por Guedes significa que o governo resolveu cair na tentação de gastar. E, no Brasil, flertar com o gasto público é tão arriscado quanto flertar com a inflação”, completam os especialistas da Levante.
Outro ponto que chama a atenção, segundo Franchini, é que faltam informações sobre a contrapartida do governo para bancar o benefício. Ele pontua que João Roma, ministro da Cidadania, disse na tarde de quarta-feira que o governo não deve abrir nenhum crédito extraordinário para financiar o Auxílio Brasil. Mas não deu mais detalhes, aponta o executivo da Monte Bravo.
Em um cenário em que o estresse parece estar próximo dos níveis mais altos, Franchini diz que vê boas oportunidades para alocar em títulos prefixados, com prazo entre três e quatro anos.
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Segundo o executivo da Monte Bravo, ainda que os juros avancem para patamares ainda mais altos no ano que vem, o retorno oferecido pelos prefixados já está alto suficiente para valer o risco. “Se o cenário for pior e os juros forem para 13% ao ano, eu já fechei um retorno de cerca de 1% ao mês. Ou seja, é alto. O risco está compensando a alocação em prefixados”.
A visão é compartilhada por Gustavo Taborda, economista e assessor de investimentos da Phi Investimentos, que também vê oportunidade em títulos prefixados de prazo mais curto.
O motivo, explica Taborda, é que as projeções do mercado vêm apontando que os juros devem voltar para perto da meta a partir de 2023 e ficar em um patamar próximo de 6,5% ao ano entre 2023 e 2024. Ele sugere que o ideal é o investidor comprar os títulos públicos aos poucos, fazendo um preço médio, para não sofrer tentando acertar o “topo ou fugir do fundo”.
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Na prática, se o investidor tentar vender o título antes do prazo, estará sujeito às taxas e preços que o mercado atribui ao papel naquele determinado momento, no que é chamado de marcação a mercado. O preço pode ser maior do que o valor pago pelo investidor na hora da compra – mas também pode ser menor.
Se não tiver objetivos claros, o investidor pode se ver obrigado a vender o papel em um momento em que a taxa está alta e que o preço do papel, por consequência, está mais baixo.
Oportunidades em pós-fixados
Embora alguns especialistas vejam oportunidades nos títulos prefixados, há quem acredite que os riscos ainda são muito altos. Tomás Awad, sócio-fundador da 3r Investimentos, afirma que agora não é hora de fazer esse tipo de aposta.
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“Nós olhamos a assimetria e achamos que o cenário pode piorar, sim. Mas não há como saber”, diz. “Se a pessoa já tiver um pouco de prefixado, fica nele. Agora, eu não aumentaria. Não é hora”, ressalta o gestor.
Ele pondera que a sua maior preocupação nem é o teto, mas sim o rombo no Orçamento. Awad explica que há grandes pressões por gastos vindas do Centrão e do Executivo, e que os dados de arrecadação estão vindo muito bem.
No entanto, o gestor acredita que a situação pode piorar nos próximos meses, o que pode sobrecarregar ainda mais o fechamento das contas públicas. Isso sem contar, diz, que 2022 é ano de eleições, o que deve adicionar ainda maior incerteza ao cenário doméstico.
Apesar de estar mais cético com as oportunidades de investimento entre os títulos prefixados, o executivo da 3r Investimentos diz que vê os títulos públicos atrelados à inflação como boas opções para quem deseja se proteger, porque o nível de incerteza é “altíssimo”. “Agora, eu compraria com a perspectiva de carregar até o vencimento, e não de vender no meio”, pontua.
O gestor afirma que o melhor é que o investidor pense nos prazos de vencimentos dos títulos atrelados à inflação na hora de adquirir o papel. Para evitar que ele seja penalizado pela marcação a mercado, ele deve comprar de olho nos objetivos que têm para aquele investimento.
Outro que está de olho nos papéis de inflação é Taborda, da Phi Investimentos. O especialista considera a taxa real oferecida pelo Tesouro IPCA + 2026, por exemplo, interessante, já que o título é de menor prazo e está oferecendo retornos de 5,3% mais a inflação.
O executivo, no entanto, destaca que investidores interessados em manter o poder de compra e que possuem um foco maior no longo prazo também podem optar pelos papéis com vencimento em 2035 e 2045. Ambos estão oferecendo um bom risco e retorno, na sua visão.
Riscos
Franchini, da Monte Bravo, também vê oportunidades entre alguns títulos de prazos mais longos. Mas alerta que alguns papéis como o Tesouro IPCA+ 2050 estão diretamente atrelados ao risco-Brasil, o que torna o investimento ainda mais arriscado.
“É um movimento mais tático e pontual. Como estamos falando de curvas de juros de prazos muito longos, é provável que o investidor tenha que carregar o papel por um bom tempo, até que ele encontre uma janela de saída. Se errar a mão, pode ser que tenha que levar até o vencimento”, pondera.