Estamos resistindo à tentação de investir em ações, diz Rodrigo Azevedo, da Ibiuna

Ex-diretor do Banco Central, Azevedo afirmou ainda que o "pouso suave" da economia mundial pode beneficiar o Brasil

Giuliana Napolitano

(Divulgação)
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SÃO PAULO – Para muitos gestores e analistas, estamos no momento ideal para investir em ações de empresas brasileiras. A economia local está no início de um ciclo de recuperação (ainda que lento) e existe uma agenda de reformas em curso (embora a velocidade também esteja deixando a desejar).

A gestora Ibiuna, porém, pensa diferente. Para Rodrigo Azevedo, um dos sócios da Ibiuna, as incertezas sobre o cenário externo tornam o investimento em ações pouco atrativo. “O que vai mandar no preço dos ativos são as condições financeiras globais. Se mundo entrar em recessão, a Bolsa no Brasil não vai escapar incólume”, afirmou ao InfoMoney.

Hoje, as principais posições dos fundos multimercado da gestora estão no mercado de juros – no Brasil, nos Estados Unidos e no México. A estratégia foi responsável pelo ótimo desempenho neste ano: o Ibiuna Hedge STH, principal fundo da casa, rendeu 12,6% de janeiro a 26 de setembro, o equivalente a 273% do CDI.

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Ex-diretor de política monetária do Banco Central, Azevedo avalia ainda que um eventual “pouso suave” da economia mundial pode ser favorável para o Brasil, porque permitiria que o Banco Central reduzisse ainda mais os juros.

Confira os principais trechos da entrevista:

Qual é a sua visão para o ambiente externo? O mundo caminha para uma recessão?
Os dados continuam díspares. Existe uma distinção geográfica e setorial. A desaceleração é mais profunda na Europa, em particular na Alemanha, e também há um desaquecimento pronunciado na China. Nos Estados Unidos, a queda da atividade é mais tênue.

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Setorialmente, o setor manufatureiro no mundo tem sofrido mais que o de serviços, e isso também é um reflexo da guerra comercial entre Estados Unidos e China, que afeta principalmente os bens comercializáveis, geralmente manufaturas. Em muitos países, esse setor já está em recessão.

Já o segmento de serviços está apenas desacelerando e, como tem um peso maior no PIB, global, está evitando uma contração maior.

O que vai determinar o desempenho futuro da economia mundial é a evolução da guerra comercial. Nos últimos 30 dias, aparentemente, houve uma trégua. Mas é cedo para dizer como essa história vai terminar. Se houver um aprofundamento da disputa, podemos ter uma recessão global.

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Esse é o cenário mais provável?
Não. Na nossa opinião, a probabilidade de uma recessão global é de um terço, e existem dois terços de chance de um pouso suave. A economia mundial está na fase final do ciclo de expansão, e os bancos centrais de países como Estados Unidos e Europa estão atuando para administrar esse pouso suave.

Para o Brasil, o desempenho da economia global em 2020 faz muita diferença. Uma recessão seria um cenário bastante desafiador. Já um pouso suave pode até ser favorável.

Como o “pouso suave” da economia global poderia ser favorável para o Brasil?
Nesse caso, o crescimento mundial se estabilizaria no meio de uma grande disponibilidade de liquidez, gerada pela atuação dos BCs, ambiente que é benéfico para ativos de risco. O Brasil, por não estar sincronizado com o ciclo global – estamos na fase inicial de recuperação –, poderia atrair parte dessa liquidez, acelerando a retomada.

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Além disso, haveria espaço para o Banco Central brasileiro reduzir ainda mais os juros.

Por que o BC poderia cortar mais os juros?
No passado, quando havia alguma crise e o real depreciava, havia uma pressão enorme para que o BC elevasse os juros, seja por causa de vulnerabilidade externa, quando o Brasil era devedor líquido em moeda estrangeira, seja porque a inflação estava acima da meta e as expectativas estavam desancoradas.

Hoje, com as contas externas ajustadas, a expectativa de inflação ancorada e uma política fiscal contracionista na margem, existe espaço para BC, em vez de ter de aumentar os juros por conta do agravamento da questão externa, possa cortar a taxa. É possível que esse choque internacional seja deflacionário e traga os preços de commodities para baixo, de maneira que a pressão inflacionária gerada pelo câmbio seja menor.

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Uma redução de juros nesse cenário seria uma resposta anticíclica, que é o padrão nas economias desenvolvidas, onde os BCs atuam para suavizar o ciclo. O Brasil pode fazer isso uma vez no passado, em 2008, quando tínhamos o selo de grau de investimento, éramos credores líquidos em moeda estrangeira, a expectativa de inflação estava ancorada e tínhamos superávit primário.

Desta vez, dependendo do câmbio e da recuperação da economia local, o juro pode cair abaixo de 5% até o fim do ano.

Qual é a sua expectativa para o câmbio no Brasil?
Esse mercado está sob o impacto de forças que pressionam na mesma direção, por isso, o real está desvalorizando.

A primeira explicação é o fato de o dólar globalmente estar muito forte, porque a economia americana está crescendo mais, na média, que a de seus parceiros.

Além disso, os Estados Unidos, que continuam sendo um porto seguro para investimentos, estão pagando mais aos investidores. Num mundo em que muitos papéis operam com taxa de juros nominais negativas, o título público americano (Treasury) de dez anos paga 1,7% ao ano – positivo.

A segunda razão é o fato de os juros baixos no Brasil ser uma mudança que parece ter vindo para ficar. O diferencial de juros em relação ao resto do mundo se estreitou e, com isso, ficou mais vantajoso para as empresas brasileiras emitir títulos no Brasil para se financiar, em vez de fazer isso no exterior.

Muitas companhias estão pré-pagando sua dívida externa, o que é um movimento saudável no médio prazo, mas gera uma pressão sobre o câmbio no curto prazo, já que há um grande volume de saída de dólares para quitar essas dívidas.

Fora isso, no passado, com o juro mais alto, uma parcela expressiva dos investidores globais queria aplicar na renda fixa aqui, assim como os brasileiros. Agora, ambos passaram a dar mais atenção a oportunidades no exterior. Os brasileiros, particularmente, perceberam que faz sentido diversificar, para ter uma melhor relação risco-retorno na carteira de investimentos.

Pode ser demanda temporária, mas ela está se acumulando, criando pressão sobre o câmbio. Para o dólar voltar para 3,80, uma dessas duas coisas precisa mudar, ou as duas. Os recursos externos que poderiam entrar no país via privatizações, ofertas de ações ou cessão onerosa podem contrabalancear esse movimento, mas não vejo um efeito expressivo no curto prazo.

Em resumo: o dólar já valorizou bastante, não acredito que vá subir mais, mas também não acho que vá depreciar tão cedo. Dessa forma, não vejo boas oportunidades de investimento em dólar neste momento.

Onde vale a pena investir agora?
Continuamos vendo oportunidades no mercado de juros no Brasil e no mundo, com destaque para Estados Unidos e México. Para administrar o pouso suave, os BCs mundiais têm de relaxar a política monetária, reduzindo os juros. Se houve recessão, podem relaxar ainda mais, e dá para ganhar com isso.

No Brasil, passamos a preferir os títulos atrelados à inflação aos papéis que pagam juros nominais. Fizemos essa mudança em julho. Até então, havia um prêmio relevante nos papéis com juros nominais. Com a aprovação da reforma da Previdência e a redução do crescimento global, as estimativas de inflação implícitas no Brasil e no mundo caíram muito. Com isso, os prêmios desses papéis também diminuíram.

Quem estava investido em títulos com juro nominal capturou essa queda de prêmio. Foi nosso caso. Agora, os papéis atrelados à inflação têm uma melhor relação risco-retorno.

O México está numa posição de iniciar um ciclo de queda de juros. A política monetária está bastante apertada para os padrões históricos do país, o que foi uma resposta à pressão inflacionária significativa que aconteceu na virada de 2016 e 2017, com alguns choques de preços de alimentos e combustíveis. Os juros foram para 8,25%.

Neste ano, a inflação passou a cair de forma acentuada em direção à meta, mas os juros diminuíram pouco – houve apenas uma redução em agosto, para 8%. Acreditamos que as taxas vão cair ao menos mais 2 pontos percentuais.

E Bolsa no Brasil, vale a pena?
O momento ideal para investir em ações é na fase inicial do ciclo de expansão da economia, que é o que o Brasil vive agora. Mas estamos resistindo à tentação e fazendo apenas uma alocação tática em Bolsa, não estrutural.

O que vai mandar no preço dos ativos são as condições financeiras globais. Se mundo entrar em recessão, a Bolsa no Brasil não vai escapar incólume. Não temos pressa. Só faremos uma alocação mais estrutural em Bolsa quando tivermos uma visão mais clara sobre o cenário externo.

Um elemento adicional de incerteza no exterior é a eleição americana, que provavelmente será apertada, particularmente se os Estados Unidos não estiverem crescendo muito. Se houver crescimento, (Donald) Trump deve ganhar.

Caso contrário, e se o candidato democrata tiver teses mais à esquerda, algo que tem prevalecido em muitas alas do partido democrata, devem surgir preocupações no setor privado americano – o que pode levar a uma maior cautela na tomada de decisões de investimento e consumo nos EUA, que é a economia que está crescendo no mundo.

Essa incerteza também deve gerar volatilidade no mercado financeiro americano e, portanto, no mundial. É difícil saber quando esses riscos entrarão no radar, mas certamente terão grande influência em cenários econômicos que projetam 18 meses à frente.

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Giuliana Napolitano

Editora-chefe do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre finanças e negócios. É co-autora do livro Fora da Curva, que reúne as histórias de alguns dos principais investidores do país.