Dividendo zero: 8 empresas não pagaram proventos nos últimos cinco anos; para onde foi o lucro?

Levantamento revela quais companhias podem ser boas pagadoras no futuro - e quais são aparentes ciladas

Katherine Rivas

(Pexels/ Andrea Piacquadio)
(Pexels/ Andrea Piacquadio)

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Oito empresas listadas na B3 não pagaram nenhum real em dividendos aos acionistas nos últimos cinco anos.

A informação é de um levantamento exclusivo de Einar Rivero, head comercial da plataforma TradeMap, para o InfoMoney.

Pode ser um balde de água fria para os investidores interessados em renda passiva, mas não distribuir proventos nem sempre é sinônimo de algo ruim. Rivero explica que a escolha das empresas sobre o que fazer com os lucros tem a ver com a cultura de cada mercado de capitais.

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“A cultura latina é de dividendos, mas em outros mercados, como o americano, é comum que a empresa reinvista os lucros para crescer e proporcionar maior rentabilidade aos investidores”, explica Rivero.

Um exemplo clássico é a Apple (AAPL34). Segundo Rivero, a companhia só passou a pagar dividendos em agosto de 2012, após 17 anos sem distribuir nada aos acionistas, por conta de um grande acúmulo de caixa no balanço e pressões dos investidores, diante de um possível aumento na tributação nos Estados Unidos.

Porém, ao mesmo tempo em que passou a pagar dividendos regularmente para agradar os investidores, a Apple também reduziu o volume de investimentos em relação a depreciação – e a valorização de suas ações se tornou mais modesta.

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No Brasil, as oito empresas com “dividendo zero” nos últimos cinco anos têm perfis variados. Algumas, como Prio (PRIO3), beneficiaram os acionistas com a valorização das ações – que chegou a quase 2.000% no período no caso da petroleira.

Outras, usaram os lucros para investir na própria operação. Isso se verifica por meio do indicador de Capex (investimento) sobre depreciação. Quando o indicador é igual a 100%, há um equilíbrio entre os investimentos e a depreciação. Abaixo de 100% pode ser um sinal de que a depreciação está alta, enquanto acima de 100% indica que a companhia tem expectativas de crescimento ou está em fase de ampliar a produção.

Confira quais são as companhias que não distribuíram dividendos nos últimos cinco anos:

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Azul (AZUL4) BRF (BRFS3) Eneva (ENEV3) Fertilizantes Heringer (FHER3) Gafisa (GFSA3) Gol (GOLL4) Log-In (LOGN3) Petrorio (PRIO3)
Lucro liquido (R$ milhões) 2018 420 -4.448 888 -780 -420 -1.085 6 205
2019 -2.403 298 601 653 -14 -117 11 842
2020 -10.835 1.384 1.008 -199 -77 -5.988 13 453
2021 -4.213 419 1.173 667 81 -7.222 97 1.333
2022 -722 -3.166 376 -151 -83 -1.561 407 3.427
1T23 -737 -1.034 223 -132 -34 620 38 1.162
Capex/Depreciação (%) 2018 151 19 127 15 59 115 73 250
2019 41 12 170 -9 25 35 159 348
2020 25 -3 430 87 202 6 90 102
2021 52 0 187 284 972 34 280 149
2022 46 6 959 206 373 40 138 437
Retorno acumulado % (desde 31/12/2017) desde 31/12/17 * -32 -76 242 463 -95 -32 1.451 1.999

Fonte: TradeMap. Obs: dados até 13/06/23. Capex/depreciação representa quanto a empresa investiu em relação ao que depreciou em cada ano.

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Futuras pagadoras a caminho?

Algumas das empresas atualmente com “dividendo zero” podem se tornar boas pagadoras no longo prazo.

É o caso da Prio (PRIO3) que trabalha com a compra e otimização de campos maduros de petróleo, reduzindo os custos de extração. A Prio não paga dividendos desde 2013, quando ainda era HRT Participações em Petróleo.

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“No passado, a companhia não pagou dividendos porque tinha muitos prejuízos acumulados”, lembra Daniel Nigri, fundador e analista da Dica de Hoje Research. A Prio precisou passar por um processo de reestruturação do modelo de negócios, que deu lugar à PetroRio em 2015, redesenhando a marca para Prio no ano passado.

Segundo Nigri, nessa nova fase, a Prio já tinha reservas de lucros e poderia pagar dividendos, mas por conta da forte necessidade de comprar novos campos e fortalecer o operacional acabou priorizando o investimento. Nos últimos cinco anos, o indicador Capex/depreciação variou entre 101,60% e 436,70%.

Matheus Sanches, sócio e analista da Ticker Research, aponta que Prio chegou a fazer alguns programas de recompras de ações nos últimos anos – uma forma de remunerar indiretamente os acionistas. Contudo, foram pouco recorrentes e significativos. A companhia não realizou bonificações.

O jeito de entregar valor foi pelo crescimento e valorização das ações. “Mesmo sem dividendos ou recompras, o valor gerado até o momento foi imenso”, reforça Sanches. De 2018 a 2022, a companhia nunca fechou o ano no negativo. Neste ano, as ações acumulam queda de 7,71%.

Nigri destaca que a companhia já chegou a fazer desdobramentos de ações no passado, quando a cotação atingiu R$ 100. Ele comenta que a companhia possui uma pequena reserva de dividendos, inferior a R$ 100 mil. Pelo estatuto, precisa destinar apenas 0,0001% do lucro a ela.

“Não vejo a Prio pagando dividendos antes de 2025, mas o Retorno sobre Capital Investido (ROIC) mostra que é mais interessante para o acionista que ela continue reinvestindo a geração de caixa em novas expansões”, avalia Nigri, que vê a empresa como escolha certa para valorização.

Para Sanches, pode ser que anos à frente, Prio pague dividendos ou execute recompras significativas e recorrentes. “Gostamos do ativo, excelente gestão, histórico de execução, mas temos receio quanto ao preço de petróleo nos próximos anos, uma variável muito difícil de prever”, pontua.

Outra companhia com um histórico semelhante é a Log-in Logística (LOGN3), que desde 2018 teve uma valorização de 1.457%.

Hugo Queiroz, sócio da L4 Capital, explica que a companhia não pagou dividendos porque estava em um processo de reestruturação da operação, que durante um tempo contou com apoio do fundo Alaska para injetar capital.

“A companhia gerou alguns prejuízos acumulados, mas a partir de 2020 passou a ter lucro. Contudo, ela utilizou esse lucro para abater os prejuízos anteriores”, afirma Queiroz.

Até zerar os prejuízos, não pagou dividendos nem fez bonificações, apenas algumas recompras pouco significativas. Mas Queiroz destaca que a companhia investiu na sua operação, comprando navios, ganhando portos e fazendo aquisições logísticas que ajudaram no crescimento da empresa.

“Isso está expresso na relação Capex/depreciação. A Log-in está em estágio de expansão”, defende o analista. Queiroz cita que recentemente o controlador da companhia fez uma oferta pela empresa operadora de logística portuária Wilson Sons. “Eles vão no caminho de diversificar serviços voltados ao porto, navegação, cabotagem e logística integrada”.

Para Queiroz, a Log-in pode se tornar uma boa pagadora de dividendos em cinco anos ou mais, por ter ativos geradores de caixa, como os portos e navio de cabotagem. “Você prestou serviço, pagou, não tem capital de giro praticamente. Não tem contas longas a receber, isso pode gerar um excedente de caixa muito forte”, pontua. Os riscos são as dívidas longas e o andar da economia.

“Se não quebrar, pode dobrar”

Azul (AZUL4) e Gol (GOLL4) se encontram no leque de empresas que dificilmente vão pagar dividendos no futuro, mas quando os juros caírem e houver um bom ambiente macroeconômico, podem representar boas alternativas de ganho de capital, na visão de Renato Reis, analista da DVInvest.

Reis explica que as companhias aéreas costumam ser muito alavancadas. Ou seja, quando há lucros, eles podem ser muito grandes – assim como os prejuízos. Segundo o analista, períodos ruins na economia podem afetar severamente as empresas do setor aéreo.

“Além disso, elas não possuem ativos, já que as aeronaves são alugadas, o que torna a dívida mais arriscada pela falta de garantias”, aponta. Reis lembra que nos últimos anos as companhias tiveram diversos prejuízos, ficando com o patrimônio líquido negativo e tendo que usar o lucro para recompor esse valor.

Em consequência, não houve dividendos, nem recompras ou bonificações. As ações também sofreram bastante. A Azul acumulou queda de 31,75% no período, enquanto os papéis da Gol recuaram 31,51%. Reis explica que também houve redução nos investimentos, para ter uma maior geração de caixa e conseguir pagar as dívidas.

O analista da DVInvest defende que o investimento em aéreas depende muito do momento do setor e dos juros. “Com juros baixos e economia aquecida, os lucros são extremamente altos e as ações disparam. Mas com juros elevados, elas podem estar fadadas à falência”. Para Reis, a frase que define o setor é  “se não quebrar, pode dobrar”.

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Ciladas?

Entre as empresas com “dividendos zero” também há casos em que talvez não valha a pena insistir. Na visão dos analistas, Gafisa (GFSA3) e Fertilizantes Heringer (FHER3) se encaixam aí.

Queiroz, da L4 Capital, explica que ambas passaram por momentos difíceis nos negócios, acumulando prejuízos e precisaram fazer reestruturações.

A Gafisa chegou a fazer recompras, mas pouco representativas. E investiu forte na sua operação e banco de terrenos (landbank) – o que não parece ter sido suficiente para convencer o mercado.

“Vejo que o landbank colocado depois do aumento de capital não é bom. Além disso, a companhia tentou entrar em novos segmentos como hotéis e shoppings, mas não tem nem domínio nem vantagens competitivas nestas áreas”, analisa Queiroz.

Para ele, a companhia não vale a pena para valorização e nem para dividendos. “No setor de construção civil há empresas melhores”, diz.

Já em relação a Fertilizantes Heringer, além da volatilidade nos lucros, por se tratar de uma empresa dependente de commodities e insumos como potássio, fósforo e nitrogênio, se soma o fato de que a companhia deve fechar capital.

Recentemente, após diversos entraves com minoritários, a empresa anunciou em fato relevante que a Eurochem divulgou a versão final da Oferta Pública de Aquisição de Ações (OPA), com leilão programado para 27 de junho.

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Katherine Rivas

Repórter de investimentos no InfoMoney, acompanha ETFs, BDRs, dividendos e previdência privada.