Efeitos do rombo bilionário na Americanas começam a aparecer nos FIDCs, fundos de recebíveis

Cotistas de FIDC de R$ 2 bi, que adquiria créditos da Americanas por vendas no cartão, decidem liquidar carteira; R$ 1,2 bi já foram pagos a investidores

Mariana Segala

Loja da Americanas (Divulgação)
Loja da Americanas (Divulgação)

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O rombo contábil que levou a Americanas (AMER3) a pedir recuperação judicial nesta quinta-feira (20) começa a mostrar seus efeitos no segmento de fundos de recebíveis – os FIDCs (fundos de investimento em direitos creditórios).

De acordo com levantamento da plataforma Uqbar, há pelo menos quatro FIDCs diretamente relacionados à varejista no mercado brasileiro. Em alguns, a Americanas é devedora dos créditos. Em outros, cedente.

É o caso do FIDC Fênix II. O fundo adquire direitos de crédito originados das vendas feitas pela Americanas com cartões de crédito. A varejista é a cedente, enquanto o devedor é a Cielo (CIEL3), credenciadora de arranjos de pagamentos.

Na prática, o FIDC funcionava como uma fonte de liquidez para a Americanas, antecipando a ela os valores das compras parceladas feitas na loja e pagas através das maquininhas da Cielo. Quando as parcelas devidas pelos clientes eram quitadas, a Cielo repassava os valores para o FIDC, no lugar de repassá-los à varejista.

Assim, o fundo estava exposto ao risco da Cielo, e não diretamente ao risco da Americanas.

“Funcionava”, “repassava” e “estava” porque, depois da revelação das inconsistências contábeis da Americanas, uma assembleia de cotistas decidiu liquidar o Fênix II nesta quarta-feira (18), antes mesmo da decretação da recuperação judicial.

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A assembleia foi chamada depois de a Moody’s – agência responsável por aferir a classificação de risco de crédito do FIDC – rebaixou o rating das cotas seniores do Fênix II em dois níveis, de AAA.br para AA.br. Os cotistas do FIDC eram, basicamente, fundos geridos pela Itaú Unibanco Asset.

“Os cotistas indicaram que o downgrade de dois níveis da classificação de risco das cotas seniores, somado aos recentes fatos amplamente divulgados pela imprensa, relacionados às inconsistências contábeis nas demonstrações financeiras da cedente/originadora e os desdobramentos desse fato, resultaram na decisão [de liquidar o fundo]”, aponta a ata da assembleia.

O FIDC, que entrou em operação em fevereiro de 2019, tinha prazo de 20 anos e acumulava patrimônio líquido de cerca de R$ 2,28 bilhões em novembro passado. Com a liquidação, o que havia de caixa disponível no fundo – R$ 1,2 bilhão – foi devolvido aos cotistas na própria quarta-feira. Os valores restantes serão distribuídos conforme os créditos forem pagos pela Cielo, encerrando o processo até julho.

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Em tese, avalia uma fonte ouvida pelo InfoMoney, a Americanas continuaria tendo tendo a possibilidade de antecipar as compras parceladas junto à própria Cielo – mas certamente, a um custo mais elevado do que o até então oferecido pelo FIDC.

Em nota, a Cielo afirmou que o risco para o FIDC está atrelado a eventuais não pagamentos pelos clientes da Americanas. “Situações assim são mais comuns quando os produtos adquiridos pelos consumidores não são entregues. A Cielo, como agente de pagamento do fundo e cumpridora de suas obrigações, repassará aos seus respectivos titulares os valores que vier a receber”, disse.

Outros FIDCs

Os outros FIDCs identificados pela Uqbar são bem menores. O Fenícia, assim como o Fênix II, também não tem a Americanas como devedora – e, sim, os estabelecimentos vinculados ao seu marketplace. Na prática, ele adquire direitos creditórios dos lojistas que contrataram operações de crédito junto à BMP, instituição financeira que se identifica como “o banco das fintechs”. Seu patrimônio é de apenas cerca de R$ 1 milhão. “O Fenícia se encontra em processo de desinvestimento, já tendo pago principal e juros das respectivas cotas sênior”, informa a plataforma.

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Já os FIDCs que têm a Americanas como devedora, segundo a Uqbar, são dois. Um é o Faísca NP, que compra os direitos creditórios originados dos recebíveis de venda pelos cedentes (pessoas físicas e jurídicas cadastradas no marketplace da varejista), com patrimônio de R$ 31,4 milhões. O outro é o Spinner NP, que opera como o Faísca e tem patrimônio de R$ 1,50 milhão.

Até agora, nenhum dos três divulgou a tomada de providências decorrentes da recuperação judicial da Americanas.

Outros fundos, no entanto, com exposições mais pontuais à Americanas, também já começaram a se movimentar. O FIDC Votorantim Crédito Corporativo informou perdas de -0,62% no valor das cotas já na sexta-feira passada (13), e fez um novo ajuste de -0,30% na segunda (16). Da mesma forma, o FIDC Vinci Energia Renovável reportou uma perda de 0,53% no patrimônio em decorrência do problema com a varejista.

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Na avaliação de Felipe Fernandes, CEO do Grupo Personalite Invest, os investidores de FIDCs estão relativamente protegidos dos problemas com a Americanas pela maneira como as cotas são estruturadas. Elas são dividas em três tipos: subordinadas, detidas pelo emissor do fundo; mezanino, compradas pelos investidores pessoas físicas; e sênior, que ficam com bancos e assets. “A provisão para devedores duvidosos se concentra nas cotas subordinadas, o que protege o investidor”, explica.

Em sua visão, os maiores riscos estão nos fundos que têm a Americanas como devedora, e não como cedente dos créditos. Pode ser o caso, por exemplo, daqueles que financiam as operações dos fornecedores da varejista ou mesmo os lojistas do marketplace. Ainda assim, ele afirma que o segmento de FIDCs, de modo geral, sente os efeitos – já que, “assustado”, o mercado tende a se retrair nas suas exposições a créditos.

Mariana Segala

Diretora de Redação do InfoMoney