Diante das previsões de uma inflação de mais de 5% no Brasil em 2022, investidores se movimentam para proteger o patrimônio desse índice que está em alta no país e no mundo. O aumento dos juros já é uma realidade na economia brasileira e começa a ganhar força no cenário internacional, com bancos centrais sinalizando a adoção da medida para conter o consumo.
Para o estrategista-chefe da XP Investimentos, Fernando Ferreira, nesse contexto, o investimento em dividendos configura-se como uma excelente opção para proteger o patrimônio do risco da inflação.
Na entrevista abaixo, ele explica porque o cenário inflacionário deve perdurar pelos próximos meses, revela quais as características dos dividendos que os tornam interessantes para investidores que pensam em lucrar a longo prazo e dá dicas de setores que merecem a sua atenção.
Qual a causa da inflação global que o mundo enfrenta?
Fernando Ferreira – A inflação resulta de efeitos tanto do lado da oferta como da demanda. A cadeia de suprimentos enfrenta problemas que começaram na pandemia e não se resolveram, isso é global. O setor de semicondutores, a parte de transportes e logística e as companhias industriais, por exemplo, enfrentam sérios problemas de produção e estoque.
Muita gente achava que isso já ia se normalizar em 2022, mas as empresas sinalizam que a normalidade deve vir no final desse ano ou em 2023, ou seja, mais um ano de cadeias de suprimentos desajustadas no mundo, o que acaba gerando aquele efeito cascata, quando o problema vai se acumulando e fica difícil de resolver.
Também tem o outro lado do problema que é o efeito demanda. Diante dos estímulos que foram dados no mundo todo, tanto fiscais como monetários, a demanda por produtos e bens subiu fortemente. Além disso, também houve um deslocamento de demanda: ao invés das pessoas consumirem serviços, viagens, frequentarem bares e restaurantes, elas passaram a ficar em casa e consumir bens. Isso causou um aumento expressivo da demanda.
A dúvida é entender o quanto dos efeitos são temporários e o que será mais duradouro. Da parte da demanda, os bancos centrais já começaram a fazer a parte deles, subindo juros e discutindo a retirada dos estímulos.
Como essa conjuntura refletiu no Brasil?
Fernando Ferreira – No Brasil houve a crise hídrica no ano passado, com as companhias operando na bandeira vermelha. Isso puxou bastante a inflação para cima, além da depreciação cambial.
O Real, nos dois últimos anos, esteve entre as piores performances do mundo contra o dólar, o que também impactou nos preços. Por isso, a inflação no Brasil se elevou antes do resto do mundo, tanto que aqui já se começou a subir os juros há mais de seis meses.
Qual o impacto do aumento das taxas de juros nos investimentos?
Fernando Ferreira – Os investimentos acabam sofrendo com a alta da inflação, pois precisam passar a render mais que ela. O que vimos, entretanto, é que a maioria rendeu menos no ano passado. Um cenário de aceleração da inflação e de juros tende a penalizar o investidor a curto prazo, pois as as classes de ativos acabam reagindo mal: a renda fixa sofre, a bolsa sofre e no curto prazo o investidor é penalizado. Porém, conforme os juros sobem, o cenário começa a melhorar, como é esperado para este ano.
A taxa de juros está mais alta, a bolsa já precificou essa taxa e há oportunidade de retornos bastante atrativos daqui para frente. No primeiro momento veio o impacto e depois abrem-se oportunidades para o investidor conseguir ganhar dinheiro. O cenário de 2022, portanto, é de muitas oportunidades em várias classes de ativos.
Nessa conjuntura, vale a pena investir em dividendos?
Fernando Ferreira – Sem dúvida. Os dividendos acabam trazendo uma renda extra para o investidor que muitas vezes não estava esperando aquele valor adicional e isso pode levá-lo a aumentar as posições nas ações em que está investindo, sem ter que dispensar mais capital. Quando ele reinveste o lucro dos dividendos na empresa, vai aumentando automaticamente a posição que tem na ação, e assim vai recebendo mais dividendos, acumulando mais ações e gerando o efeito de bola de neve, quando o patrimônio do investidor trabalha por ele.
Vou exemplificar com três papéis: Itaúsa, Vivo e Ambev. No caso da Itaúsa, desde 2002 o papel subiu 1806% e o retorno total, incluindo dividendos reinvestidos nesse período todo, foi de 5021%. Já a Vivo teve aumento de preço de 134% no período, com retorno total de quase 1000%. A Ambev subiu 890% no preço e teve retorno total de 1500%. Isso é explicado pelo efeito bola de neve, de crescer o patrimônio do investidor à medida que vai reinvestindo e aumentando a posição.
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Ainda no contexto de inflação alta, como fazer as melhores escolhas para investir em dividendos?
Fernando Ferreira – Quando olhamos para ações de boas pagadoras de dividendos, é melhor olhar para empresas que têm lucros futuros mais previsíveis do que empresas cíclicas e mais voláteis. Entre os bons exemplos estão o setor elétrico, o de consumo básico, de bancos, de telecom… São setores que reúnem empresas com previsibilidade de receitas futuras e por isso conseguem pagar dividendos maiores.
Por serem empresas de setores mais maduros, a gestão opta por pagar mais dividendos ao invés de reinvestir, pois não são negócios com necessidade de investimento muito grande.
Em um cenário de inflação, é mais difícil encontrar investimentos que superem o índice. Como fica no caso dos dividendos?
Fernando Ferreira – Dividendos, na verdade, são uma ótima proteção em um cenário de aumento da inflação. Isso acontece porque, no final do dia, eles representam uma métrica real, ou seja, as empresas que pagam dividendos conseguem repassar a inflação para os seus produtos.
Uma concessionária elétrica, por exemplo, repassa a inflação automaticamente para as tarifas de energia; e o setor de bancos ganha mais dinheiro com os juros altos. Consequentemente, os dividendos que essas companhias pagam são automaticamente reajustados pela inflação. São empresas que conseguem repassar a inflação para os preços, o que aumenta os lucros e permite pagar mais dividendos. O rendimento dos dividendos deve ser comparado contra o juro real das NTMBs, do IPCA +, e não com a Selic.
Muita gente compara com a Selic e opta pela renda fixa, mas essa comparação é errada, pois a taxa da Selic é nominal e não real, ou seja, se a inflação subir, o investidor vai perder dinheiro em um investimento de renda fixa, por exemplo, que remunera pela Selic. Nos dividendos, ao contrário, se a inflação subir, a empresa consegue repassar para os preços e paga a remuneração em termos reais. Se ela aumenta o lucro, aumenta o dividendo.
É importante diversificar os investimentos para proteger o capital?
Fernando Ferreira – O investidor de dividendos, quanto mais diversificado for em diferentes setores, menos exposto vai estar a variações do ciclo econômico. As empresas dos setores bancário, elétrico, telecom e consumo trazem uma diversificação boa e reduzem a exposição a temas macroeconômicos. O ideal é fazer alocação em empresas domésticas de setores mais tradicionais. Além disso, é o momento de observar gestão, qualidade e previsibilidade futura do negócio.
Agora é um bom momento para começar a investir ou potencializar investimentos em dividendos?
Fernando Ferreira – É um momento excelente, porque a bolsa brasileira sofreu muito nos últimos meses. Estava com 130 mil pontos, voltou para 100 mil e agora está em 114 mil. A bolsa brasileira é muito barata, com empresas gerando muito caixa e pagando excelentes dividendos. A gente enxerga o índice Bovespa hoje com um nível de Dividend Yield (o rendimento dos dividendos) na casa dos 7%, que é bastante alto, considerando que historicamente o Dividend Yield da Bovespa fica rodando entre 3% a 4%.
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