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Quem possui dinheiro aplicado no Tesouro Direto ou em outros investimentos de renda fixa com retorno atrelado à inflação, como debêntures, pode ter se assustado nesta terça-feira (9) ao entrar nas plataformas de investimentos. A razão é que os rendimentos podem ter aparecido negativos – temporariamente, ao menos.
A causa do movimento está no noticiário econômico. A inflação oficial medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) ficou negativa em julho (-0,68%) na comparação mensal. Foi a menor taxa registrada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na série histórica do indicador, iniciada em janeiro de 1980. No ano, a inflação acumulada é de 4,77% e nos últimos 12 meses, de 10,07%.
A queda mensal foi puxada especialmente pela aprovação de projetos que reduziram impostos numa tentativa de baixar o preço dos combustíveis, em especial da gasolina e do etanol, além do recuo das contas de energia elétrica.
Investimentos atrelados à inflação oferecem uma taxa de juros prefixada, definida desde o momento da aplicação, mais a variação de um índice de preços – e o mais comum é o IPCA. Quando o indicador termina um mês no negativo, como foi o caso em julho, com a deflação (que representa uma redução dos preços da economia), uma parcela do dinheiro aplicado nesses papéis de renda fixa também é corrigida para baixo.
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Bruna Centeno, economista e especialista em renda fixa da Blue3, explica que o valor nominal dos ativos atrelados à inflação também é atualizado ao longo do mês, conforme a variação do índice de referência. No caso dos títulos do Tesouro Direto e de muitos papéis emitidos por empresas, trata-se do IPCA.
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Essa atualização é realizada a partir do chamado VNA – ou valor nominal atualizado, calculado pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) e indicativo do preço de um título de renda fixa caso seu vencimento ocorresse no dia, de imediato. O VNA é um indicador importante, especialmente para quem comprou papéis no passado e deseja saber o valor deles atualmente, segundo a variação da inflação.
A deflação, portanto, impacta os títulos públicos ao fazer com que o VNA recue durante o período em que a variação da inflação foi negativa. Porém, isso não significa que o preço do título no mercado irá cair necessariamente, já que existe ainda a parcela prefixada do papel (que foi travada no momento que o investidor adquiriu o papel).
Se esse juro prefixado também cair conforme as taxas que o mercado precifica naquele dia, isso poderá levar a uma valorização do preço do papel. Esse movimento é chamado de marcação a mercado. Na prática, papéis prefixados e os atrelados à inflação – especialmente os de longo prazo, que são mais sensíveis às variações – costumam valorizar quando as taxas de juros estão em tendência de queda. O contrário também é verdadeiro.
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A questão, nesse caso, é verificar qual fator terá mais influência no preço dos papéis, se será a deflação, ou a taxa prefixada negociada no mercado secundário, explica Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed. “A única certeza que temos todos os dias é que o VNA cairá por conta da deflação e a dúvida sobre o preço ficará por conta das negociações diárias”, pondera.
Deflação é temporária
Embora, à primeira vista, uma possível desvalorização possa assustar, o investidor deve entender que a deflação não deve ser uma tendência até o fim do ano, conforme explica Luciano Costa, economista-chefe e sócio da Monte Bravo Investimentos.
Segundo o especialista, a expectativa é de que o movimento de deflação se repita em agosto, com novo recuo entre 0,20% e 0,30% no IPCA. “Temos os descontos dados pela Petrobras na gasolina e no diesel. Tem ainda um pouco do resquício da redução do ICMS em alguns grupos, como energia elétrica e a parte de telefonia”, afirma Costa.
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Já para os próximos meses, o indicador de inflação deve voltar para o campo positivo, ao incorporar algumas pressões vindas de reajustes de planos de saúde, além de serviços e alimentos, pondera o especialista da Monte Bravo. “A nossa projeção para o ano está em 7%, mas deve ser revisada em breve, com os números de hoje. Pode ser que ela fique em torno de 6,80%”, calcula.
Daniel Onaga, analista de renda fixa da Eleven, também avalia que a deflação representa um movimento de curto prazo, e que isso não muda em nada as recomendações de investimentos em papéis atrelados à inflação. “Continuamos a ver pressões inflacionárias locais e lá fora. A projeção para 2023, por exemplo, está em 5,70%. A deflação é pontual”, reforça Onaga.
Ricardo Jorge, da Quantzed, vai na mesma linha e acrescenta que o investidor deve olhar a expectativa de inflação anualizada, e não a de curto prazo – como é o caso de um indicador mensal – ao realizar um investimento.
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“A ideia é olhar o número fechado para o ano. Considerando a expectativa de inflação em torno de 7% neste ano, a deflação é breve e pode afetar o preço do título”, afirma. “Porém, isso não significa que ele deixou de ser interessante”.
Papéis preferidos na renda fixa
Na avaliação do especialista da Quantzed, alocar em papéis atrelados à inflação neste momento faz sentido por dois motivos: eles oferecem proteção ao investidor no caso de um novo movimento inflacionário e são títulos que tendem a ser mais rentáveis quando há um ciclo de corte da Selic.
Jorge explica que, em 2019, por exemplo, quando a Selic saiu de 6,50% ao ano até chegar aos 2% ao ano no meio de 2020, os títulos atrelados à inflação apresentaram bom retorno, justamente porque a parte prefixada costuma se valorizar quando há um processo de afrouxamento monetário.
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Segundo o último Relatório Focus, do Banco Central, a expectativa é de que a Selic encerre o ano que vem em 11% ao ano. Já para 2024 e 2025, as projeções mostram que a taxa básica de juros pode terminar os períodos em 8% e 7,50%, nessa ordem.
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No caso da inflação oficial, o ponto médio das estimativas de economistas consultados pelo Focus aponta que o IPCA deve fechar 2023 em 5,36%, recuar para 3,30% em 2024 e cair para 3% em 2025.
De olho na manutenção das perspectivas inflacionárias, Onaga, da Eleven, também reforça a preferência por manter papéis atrelados à inflação na carteira. Entre as sugestões da casa estão títulos como o Tesouro IPCA+ 2032, com juros semestrais, e o Tesouro IPCA+ 2035. Segundo o profissional da Eleven, ambos apresentam bom risco e retorno.
Debêntures incentivadas também não devem ficar de fora. Porém, o especialista da Eleven recomenda cautela. Segundo ele, é preciso atenção com papéis de dívida para garantir que o investidor receba um prêmio (juros acima de um título público de mesmo prazo) pela liquidez e pelo risco de crédito.
Na carteira recomendada da Ativa Investimentos, por exemplo, há uma debênture incentivada emitida pela Paranaguá Saneamento (PASN12). Os demais papéis são de concessionárias de rodovias, como a Holding do Araguaia (HARG11) e a Rota das Bandeiras (CBAN12), além de títulos relacionados à logística, caso da Terminal Portuário Santa Catarina (CIEN13) e agrícola/energia elétrica, como a Usina Santa Adélia (USAS11).
Todos os papéis possuem classificação de risco de crédito (rating) entre AAA e A+, que estão entre os os mais elevados nas escalas das agências S&P e Fitch Ratings. Os vencimentos variam entre 2028 e 2036. As cinco recomendações possuem o retorno atrelado à inflação.
Vender ou não?
Ao ser questionado se o momento atual é o mais interessante para resgatar um título que o investidor adquiriu no passado, o profissional da Quantzed faz um alerta: “O ideal é adquirir um prefixado ou um Tesouro IPCA+ quando as taxas estão mais elevadas, ao mesmo tempo que o melhor é vender quando os juros estão nos níveis mais baixos”.
Nesse sentido, Jorge diz que agora não é a melhor hora para vender os papéis que o investidor adquiriu no passado, já que as taxas estão altas e podem recuar mais nos próximos meses, como mostram as projeções do Focus.