Deflação: o que acontece com títulos de renda fixa atrelados ao IPCA quando o índice fica negativo?

Para especialistas, recuo dos preços verificado em julho é temporário; ideal é manter os papéis ajustados pela inflação na carteira

Bruna Furlani

(Getty Images)
(Getty Images)

Publicidade

Quem possui dinheiro aplicado no Tesouro Direto ou em outros investimentos de renda fixa com retorno atrelado à inflação, como debêntures, pode ter se assustado nesta terça-feira (9) ao entrar nas plataformas de investimentos. A razão é que os rendimentos podem ter aparecido negativos – temporariamente, ao menos.

A causa do movimento está no noticiário econômico. A inflação oficial medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) ficou negativa em julho (-0,68%) na comparação mensal. Foi a menor taxa registrada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na série histórica do indicador, iniciada em janeiro de 1980. No ano, a inflação acumulada é de 4,77% e nos últimos 12 meses, de 10,07%.

A queda mensal foi puxada especialmente pela aprovação de projetos que reduziram impostos numa tentativa de baixar o preço dos combustíveis, em especial da gasolina e do etanol, além do recuo das contas de energia elétrica.

Investimentos atrelados à inflação oferecem uma taxa de juros prefixada, definida desde o momento da aplicação, mais a variação de um índice de preços – e o mais comum é o IPCA. Quando o indicador termina um mês no negativo, como foi o caso em julho, com a deflação (que representa uma redução dos preços da economia), uma parcela do dinheiro aplicado nesses papéis de renda fixa também é corrigida para baixo.

Leia mais:
• Tesouro Direto: piso de prefixados recua para 11,87%; Tesouro IPCA+ 2032 e 2040 têm negócios suspensos
O que é deflação e qual impacto ela pode ter sobre a economia?

Bruna Centeno, economista e especialista em renda fixa da Blue3, explica que o valor nominal dos ativos atrelados à inflação também é atualizado ao longo do mês, conforme a variação do índice de referência. No caso dos títulos do Tesouro Direto e de muitos papéis emitidos por empresas, trata-se do IPCA.

Continua depois da publicidade

Essa atualização é realizada a partir do chamado VNA – ou valor nominal atualizado, calculado pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) e indicativo do preço de um título de renda fixa caso seu vencimento ocorresse no dia, de imediato. O VNA é um indicador importante, especialmente para quem comprou papéis no passado e deseja saber o valor deles atualmente, segundo a variação da inflação.

A deflação, portanto, impacta os títulos públicos ao fazer com que o VNA recue durante o período em que a variação da inflação foi negativa. Porém, isso não significa que o preço do título no mercado irá cair necessariamente, já que existe ainda a parcela prefixada do papel (que foi travada no momento que o investidor adquiriu o papel).

Se esse juro prefixado também cair conforme as taxas que o mercado precifica naquele dia, isso poderá levar a uma valorização do preço do papel. Esse movimento é chamado de marcação a mercado. Na prática, papéis prefixados e os atrelados à inflação – especialmente os de longo prazo, que são mais sensíveis às variações – costumam valorizar quando as taxas de juros estão em tendência de queda. O contrário também é verdadeiro.

Continua depois da publicidade

A questão, nesse caso, é verificar qual fator terá mais influência no preço dos papéis, se será a deflação, ou a taxa prefixada negociada no mercado secundário, explica Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed. “A única certeza que temos todos os dias é que o VNA cairá por conta da deflação e a dúvida sobre o preço ficará por conta das negociações diárias”, pondera.

Deflação é temporária

Embora, à primeira vista, uma possível desvalorização possa assustar, o investidor deve entender que a deflação não deve ser uma tendência até o fim do ano, conforme explica Luciano Costa, economista-chefe e sócio da Monte Bravo Investimentos.

Segundo o especialista, a expectativa é de que o movimento de deflação se repita em agosto, com novo recuo entre 0,20% e 0,30% no IPCA. “Temos os descontos dados pela Petrobras na gasolina e no diesel. Tem ainda um pouco do resquício da redução do ICMS em alguns grupos, como energia elétrica e a parte de telefonia”, afirma Costa.

Continua depois da publicidade

Já para os próximos meses, o indicador de inflação deve voltar para o campo positivo, ao incorporar algumas pressões vindas de reajustes de planos de saúde, além de serviços e alimentos, pondera o especialista da Monte Bravo. “A nossa projeção para o ano está em 7%, mas deve ser revisada em breve, com os números de hoje. Pode ser que ela fique em torno de 6,80%”, calcula.

Daniel Onaga, analista de renda fixa da Eleven, também avalia que a deflação representa um movimento de curto prazo, e que isso não muda em nada as recomendações de investimentos em papéis atrelados à inflação. “Continuamos a ver pressões inflacionárias locais e lá fora. A projeção para 2023, por exemplo, está em 5,70%. A deflação é pontual”, reforça Onaga.

Ricardo Jorge, da Quantzed, vai na mesma linha e acrescenta que o investidor deve olhar a expectativa de inflação anualizada, e não a de curto prazo – como é o caso de um indicador mensal – ao realizar um investimento.

Continua depois da publicidade

“A ideia é olhar o número fechado para o ano. Considerando a expectativa de inflação em torno de 7% neste ano, a deflação é breve e pode afetar o preço do título”, afirma. “Porém, isso não significa que ele deixou de ser interessante”.

Papéis preferidos na renda fixa

Na avaliação do especialista da Quantzed, alocar em papéis atrelados à inflação neste momento faz sentido por dois motivos: eles oferecem proteção ao investidor no caso de um novo movimento inflacionário e são títulos que tendem a ser mais rentáveis quando há um ciclo de corte da Selic.

Jorge explica que, em 2019, por exemplo, quando a Selic saiu de 6,50% ao ano até chegar aos 2% ao ano no meio de 2020, os títulos atrelados à inflação apresentaram bom retorno, justamente porque a parte prefixada costuma se valorizar quando há um processo de afrouxamento monetário.

Continua depois da publicidade

Segundo o último Relatório Focus, do Banco Central, a expectativa é de que a Selic encerre o ano que vem em 11% ao ano. Já para 2024 e 2025, as projeções mostram que a taxa básica de juros pode terminar os períodos em 8% e 7,50%, nessa ordem.

Leia mais: Como investir com a Selic a 13,75% ao ano?

No caso da inflação oficial, o ponto médio das estimativas de economistas consultados pelo Focus aponta que o IPCA deve fechar 2023 em 5,36%, recuar para 3,30% em 2024 e cair para 3% em 2025.

De olho na manutenção das perspectivas inflacionárias, Onaga, da Eleven, também reforça a preferência por manter papéis atrelados à inflação na carteira. Entre as sugestões da casa estão títulos como o Tesouro IPCA+ 2032, com juros semestrais, e o Tesouro IPCA+ 2035. Segundo o profissional da Eleven, ambos apresentam bom risco e retorno.

Debêntures incentivadas também não devem ficar de fora. Porém, o especialista da Eleven recomenda cautela. Segundo ele, é preciso atenção com papéis de dívida para garantir que o investidor receba um prêmio (juros acima de um título público de mesmo prazo) pela liquidez e pelo risco de crédito.

Na carteira recomendada da Ativa Investimentos, por exemplo, há uma debênture incentivada emitida pela Paranaguá Saneamento (PASN12). Os demais papéis são de concessionárias de rodovias, como a Holding do Araguaia (HARG11) e a Rota das Bandeiras (CBAN12), além de títulos relacionados à logística, caso da Terminal Portuário Santa Catarina (CIEN13) e agrícola/energia elétrica, como a Usina Santa Adélia (USAS11).

Todos os papéis possuem classificação de risco de crédito (rating) entre AAA e A+, que estão entre os os mais elevados nas escalas das agências S&P e Fitch Ratings. Os vencimentos variam entre 2028 e 2036. As cinco recomendações possuem o retorno atrelado à inflação.

Vender ou não?

Ao ser questionado se o momento atual é o mais interessante para resgatar um título que o investidor adquiriu no passado, o profissional da Quantzed faz um alerta: “O ideal é adquirir um prefixado ou um Tesouro IPCA+ quando as taxas estão mais elevadas, ao mesmo tempo que o melhor é vender quando os juros estão nos níveis mais baixos”.

Nesse sentido, Jorge diz que agora não é a melhor hora para vender os papéis que o investidor adquiriu no passado, já que as taxas estão altas e podem recuar mais nos próximos meses, como mostram as projeções do Focus.