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A Vale (VALE3) anunciou na última sexta-feira (11) a emissão de R$ 6 bilhões em debêntures. Os papéis serão separados em três séries e vão oferecer remuneração isenta de Imposto de Renda atrelada ao IPCA, mas com decréscimo de aproximadamente 0,3 ponto percentual em relação ao título do Tesouro IPCA+ usado como referência na primeira e maior série – ou seja, o spread (juro de um ativo de crédito em relação a títulos públicos) será negativo.
Mesmo com taxa menor do que a oferecida pelo Tesouro IPCA+ 2035, referência para a emissão, os papéis devem ser absorvidos pelo mercado sem sustos. Joaquim Gomes, especialista de renda fixa da RJ+ Investimentos, diz que emissões grandes “normalmente acontecem quando há demanda” e papéis da Vale têm grande liquidez no mercado secundário, o que ajuda a atrair investidores.
Por que o spread negativo?
Não é comum que debêntures paguem menos do que os títulos do Tesouro Direto, mesmo emitidas por companhias do porte da mineradora. Mas há alguns fatores que explicam o caso. O primeiro é a isenção de Imposto de Renda. As debêntures se enquadram na regra de ativos incentivados e, portanto, não geram cobrança de IR, ao contrário do Tesouro Direto, que tem o imposto de 15% a 22,5% em cima do lucro.
Considerando o fechamento de segunda-feira (último dia de negociações), o Tesouro IPCA+ precisaria oferecer juro real de 7,2% para pagar o mesmo que as debêntures da Vale após o desconto de 15% de IR.
Mesmo assim, apenas este motivo não é suficiente para explicar a remuneração mais baixa. “A isenção está aí há algum tempo e nem por isto vemos os papéis negociando com spread negativo”, diz Jean Pierre Cote Gil, responsável pela área de crédito da Vinland Capital.
É aí que entra o segundo fator da remuneração: a percepção de risco. A mineradora tem a confiança do mercado para emitir dívida. As principais agências de classificação de risco (Moody’s, S&P e Fitch) dão à Vale notas de crédito mais altas que as atribuídas ao Brasil. Mônica Araújo, estrategista de renda variável da InvestSmart, diz que a empresa “tem nível baixo de alavancagem, grande geração de caixa e deve fazer captação que aumenta a produtividade lá na frente, o que diminui o risco da operação”.
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Demanda por crédito privado
Por fim, a emissão anunciada pela Vale revela sintomas do mercado de crédito que colocam gestores em compasso de espera por papéis que pagam mais. Os fundos de investimento que alocam em crédito vêm alertando para spreads muito “amassados” e que não compensam o risco do investimento.
Para o gestor da Vinland, o spread negativo “reflete o momento do mercado”, já que a Vale não conseguiria taxas tão baixas em outro momento, ainda que fossem as menores do mercado.
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O movimento acontece pela grande demanda por papéis de renda fixa depois que muitos investidores saíram dos multimercados ou migraram de LCIs e LCAs para debêntures após mudanças nas regras de emissões dos títulos bancários. Com mais compradores brigando pelos papéis, as empresas vêm pagando cada vez menos.
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Para Cote Gil, “será uma surpresa” a participação em peso de fundos de investimentos na compra das debêntures da Vale, portanto os bancos que coordenam a emissão devem encarteirar a maioria dos papéis. Esses títulos, vale lembrar, não serão ofertados para o investidor comum.
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Bancos, no entanto, devem comprar os papéis para depois distribuírem aos seus clientes, o que deve acontecer com tranquilidade, já que eles “apostam que algo como IPCA + 6% isento de IR chama atenção do investidor, ainda que não tenha prêmio sobre o Tesouro Direto”. Para ele, o juro real alto também ajuda a baratear os custos para os emissores: “se tivéssemos IPCA + 4%, o mercado pediria mais prêmio”.
Na perspectiva da Vale, o prêmio baixo é “uma boa oportunidade para vir ao mercado”, como define Araújo. Ainda é uma chance de manter as portas abertas para o financiamento no Brasil, já que a empresa não é uma emissora frequente de debêntures, mas oferta bonds regularmente nos Estados Unidos.