CVM vê irregularidade e determina que FII Mérito refaça balanço; saiba o que isso significa para os investidores

Para a autarquia, a maneira como um dos investimentos foi contabilizado nas demonstrações financeiras inflou o resultado do fundo; entenda

Wellington Carvalho

(SvetaZi/Getty Images)
(SvetaZi/Getty Images)

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SÃO PAULO – Uma notificação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pegou os cerca de 30 mil investidores do fundo imobiliário Mérito Desenvolvimento (MFII11) de surpresa. A xerife do mercado de capitais determinou que o fundo refaça e reapresente as demonstrações financeiras de 2020 por ter identificado irregularidades no documento.

Segundo o comunicado da CVM, os problemas estão na forma como a empresa Nova Colorado – uma loteadora localizada em Recife (PE), na qual o FII tinha participação – foi contabilizada no balanço. Para o órgão regulador, o erro inflou o resultado do Mérito.

Segundo advogados e contabilistas especializados no segmento imobiliário consultados pelo InfoMoney, a CVM questiona, na notificação, o fato de o Mérito se posicionar como controlador da Nova Colorado.

Em 2018, por meio de uma empresa batizada de Mérito Realty, o fundo Mérito anunciou a compra de ações da loteadora Nova Colorado que pertenciam à Cipasa Desenvolvimento Urbano, que atua na incorporação de empreendimentos urbanos. Vendedora na operação, a Cipasa recebeu opções de recompra do ativo, cujo valor seria atualizado como em uma operação de renda fixa, a juros de 2% ao mês.

Na avaliação da CVM, segundo explicado na notificação, as características da transação não configurariam um acordo de compra e venda, e sim um empréstimo. Para o órgão regulador, as ações foram dadas como uma espécie de garantia. Isso porque ao utilizar as opções de recompra para, efetivamente, readquirir o ativo, a Cipasa devolveria o principal corrigido.

A CVM sustenta a tese ao destacar que o controle da empresa jamais passou para a Mérito Realty. Segundo o órgão, a existência de um acordo de voto no contrato que formalizou a operação entre o FII Mérito e a Nova Colorado sinaliza que não havia um controlador na sociedade, mesmo que uma parte (no caso, o FII Mérito) possuísse a maioria das ações.

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“Se você tem um acordo de que, em caso de divergência, a pendência será decidida no voto, significa que não há um controlador. Se houvesse, a palavra final dele [o controlador] prevaleceria”, explicou um especialista na área contábil ouvido pelo InfoMoney, que preferiu não se identificar.

Para a CVM, enquanto estivessem vigentes a opção de compra e, principalmente, o acordo de voto, a Mérito Realty não deteria o controle da Nova Colorado, mesmo possuindo, em 2020, 67% da participação na loteadora.

Desta forma, a inclusão do ativo nas demonstrações do FII Mérito seria indevida – e, na avaliação da CVM, isso teve impacto no resultado contábil do fundo nos últimos anos.

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Além disso, o órgão regulador também questiona outras informações relacionadas à empresa presentes na demonstração financeira do fundo imobiliário.

“A reversão da rubrica ‘dividendos a pagar’ (passivo) para a rubrica ‘reserva de dividendos’ (patrimônio líquido) impactou positivamente o patrimônio líquido da Nova Colorado em 62.561 mil [R$ 62,5 milhões]”, aponta o ofício da CVM enviado ao FII Mérito. “Tal lançamento se refletiu, via método da equivalência patrimonial, em um aumento de 59.327 mil [R$ 59,3 milhões] no resultado contábil do Fundo”, conclui o documento.

Segundo advogados consultados pelo InfoMoney, o documento demonstra que, na visão da CVM, a mudança de rubrica sinaliza que o fundo transformou um dever – o pagamento de dividendos – em um direito. O movimento também foi apontado como irregular.

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O que diz a gestão do FII Mérito

O InfoMoney procurou a gestora do FII Mérito, que negou irregularidades na contabilização da Nova Colorado. Na interpretação de Alexandre Despontin, gestor do fundo imobiliário, os pontos levantados pela CVM não apresentam qualquer ilegalidade.

Despontin reafirma que o fundo adquiriu as ações da Nova Colorado e que o lançamento das opções de recompra, em favor da Cipasa, não caracteriza um empréstimo, como sugere a CVM. O gestor afirma também que o acordo de voto não descaracterizou o controle do Mérito.

“O dispositivo é uma carta que sinaliza que as partes, Mérito e Cipasa, não tomariam decisões conflitantes com os demais documentos da operação”, explica Despontin. “O FII Mérito exerceu o controle da Nova Colorado durante três anos sem qualquer participação da Cipasa”, detalha.

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O FII Mérito vendeu a participação que tinha na Nova Colorado para a Viel Participações, que utilizou recursos de outro fundo imobiliário, o TG Ativo Real (TGAR11). A transação é relatada no relatório gerencial de julho do TG Ativo Real. “O Fundo realizou aporte na Viel S.A. (holding detentora da Nova Cipasa) para a aquisição de 67,45% da Nova Colorado S.A. A Nova Colorado é uma empresa especializada no desenvolvimento de loteamentos residenciais na região nordeste do Brasil”, confirma o documento.

Sobre a mudança de rubrica dos dividendos, também questionada pela CVM, Despontin nega que o fundo tenha transformado uma dívida (passivo) em ativo. “Nesse caso, a conta continuou no passivo, saindo de ‘Dividendos a Pagar’ para ‘Reserva Especial’ ambas no passivo”, declara.

Como ficam os cotistas do FII Mérito?

O FII Mérito tem até o dia 15 de novembro para recorrer da determinação da CVM ou aceitar a notificação e reapresentar as demonstrações financeiras. De acordo com Despontin, essa decisão será tomada nos próximos dias, em reunião entre administradores, auditores e gestores.

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Por enquanto, Despontin descarta impactos para os investidores. “O fundo já tem um acordo com a CVM que regula a distribuição de dividendos, e a questão contábil dos ativos não impacta tanto esta distribuição de rendimentos”, afirma Despontin.

O gestor afirma também que os cotistas estão “satisfeitos” com a gestão do fundo – entre outras razões, pela própria venda da loteadora Nova Colorado (o negócio que a CVM entende como tendo sido uma operação de empréstimo).

“A loteadora foi adquirida em meados de 2018, por cerca de R$ 25 milhões, e vendemos por R$ 50 milhões em 2021, um ganho de mais de 100%”, calcula.

Embora preveja um desfecho positivo para o caso, Despontin reconhece que a notificação da CVM assustou os cotistas, e pode causar pressão sobre as cotações do fundo. Desde a publicação da notificação, no dia primeiro de novembro, a cota do Mérito registra queda de quase 7%. No mesmo período, o Ifix – índice que reúne os fundos imobiliários mais negociados na B3 – caiu 1,81%.

Suspensão dos negócios em 2018

Em julho de 2018, a CVM já havia suspendido a negociação das cotas do FII Mérito depois de ter sido alertada sobre supostas fraudes na distribuição de rendimentos, que estariam acima da geração de caixa produzida pelo fundo.

Ao apurar a denúncia, de acordo com ofício da CVM divulgado na época, foram constatados fortes indícios de irregularidades na avaliação de ativos e na contabilização das receitas do fundo.

Dois meses depois da suspensão da negociação das cotas, a CVM cancelou a medida, alegando que os problemas encontrados na gestão do fundo foram sanados.

A gestão do FII Mérito ainda precisou se comprometer em distribuir rendimentos somente com base nos resultados operacionais e adotar outras medidas de adequação.

Wellington Carvalho

Repórter de fundos imobiliários do InfoMoney. Acompanha as principais informações que influenciam no desempenho dos FIIs e do índice Ifix.