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SÃO PAULO – O investidor brasileiro, reconhecidamente apegado a produtos conservadores, com menção especial à caderneta de poupança, poderá ganhar um empurrão para acessar aplicações mais arrojadas em breve.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) começa a discutir a possibilidade de ampliar o acesso do público de varejo a produtos hoje ainda restritos a milionários no Brasil. Pelo menos essa é a intenção sugerida por estudo feito pela Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos (ASA) da CVM, no qual propõe reduzir as restrições existentes no mercado.
A ideia é que o critério de investidor qualificado, hoje aquele com ao menos R$ 1 milhão em aplicações financeiras, seja revisto, com a redução do limite para R$ 627 mil, o que equivale a uma queda de 957 para 600 salários mínimos. Segundo o estudo, a mudança tornaria o patrimônio necessário para qualificação mais alinhado à experiência internacional (de 529 salários mínimos na média, com o Brasil excluído) e o manteria minimamente atualizado ao longo do tempo.
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Se não tiver esse patrimônio, o investidor também poderá ser enquadrado como qualificado por outro critério, de fluxo financeiro medido pela renda mensal. Assim, ao contar com cerca de 15 salários mínimos ao mês, auferidos em bases anuais, ele estaria apto a ser classificado como investidor qualificado.
“Nas respostas da pesquisa com os investidores, foi visto que 65% dos que ganhavam mais de dez salários mínimos não eram investidores qualificados pelo critério de patrimônio, mas mesmo assim apresentavam ter um conhecimento razoável sobre investimentos financeiros, que justificaria a sua classificação como investidores qualificados. Além disso, é importante observar que a renda mensal já é utilizada pelos bancos comerciais para segmentar os clientes e oferecer produtos mais diferenciados aos clientes com maior renda”, destacou a equipe da CVM, no estudo.
A autarquia foi buscar referências de mercados como Austrália, Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia para chegar a essa proposta. Bruno Barbosa de Luna, chefe da ASA/CVM, conta que a maioria dos países utiliza algum critério para o investidor ser qualificado, que existe uma preocupação crescente entre os reguladores em tornar os mercados de capitais mais acessíveis aos pequenos investidores e que a melhor opção seria usar o salário mínimo por ser um proxy do custo de vida de um país.
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“Observamos que vários países têm a preocupação de levar o investidor de varejo para uma gama maior de produtos”, diz. “Quando consideramos o salário mínimo nacional, o Brasil impõe uma restrição maior do que a maioria dos países que consultamos.”
Hoje, diz Luna, o investidor qualificado no Brasil ou tem recursos de herança, caso seja uma pessoa jovem, ou certa bagagem no mercado, com acumulação de um patrimônio ao longo do tempo, o que tende a resultar, em sua visão, em certa incoerência. “Damos mais flexibilidade para o investidor quando sua capacidade cognitiva cai e quando está despoupando, não poupando.”
Essa não seria a primeira vez que a CVM faria mudanças no limite do investidor qualificado. Em 2015, o valor para se enquadrar na classificação foi elevado de R$ 300 mil para o atual R$ 1 milhão. Na mesma ocasião, o investidor profissional, na época chamado de “superqualificado”, passou a ser apenas quem tivesse R$ 10 milhões em aplicações, bem acima do montante de R$ 1 milhão exigido até então.
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A decisão tomada naquela época teve como base a realidade daquele momento, assinala Luna, lembrando que os juros estavam no patamar de dois dígitos e sem sinalização de queda, e o mercado era ainda mais concentrado na renda fixa.
Além disso, Karl Pettersson, que coordenou o estudo da ASA/CVM, destaca a maior concentração do público de varejo hoje do que em 2015. “A questão é tentar fazer um maior equilíbrio entre investidores”, aponta.
Private equity e FIDCs também estão na mira
O mais novo levantamento destaca como o pequeno investidor tradicional ainda concentra grande parte de seus investimentos fora do mercado de valores mobiliários, embora apresente grande apetite por produtos alternativos, atualmente em boa parte restritos aos grandes investidores.
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O segmento varejo tradicional é composto por investidores com renda mensal menor de R$ 10 mil e menos de R$ 100 mil em aplicações financeiras; o varejo alta renda inclui investidores com renda mínima de R$ 10 mil ou investimentos acima de R$ 100 mil; e o segmento private é o mais exclusivo de todos, com investidores com pelo menos R$ 1 milhão em investimentos, explica a CVM.
Na prática, ao concentrarem seus investimentos essencialmente na poupança, investidores de varejo têm retornos inferiores aos dos demais segmentos.
Por isso, além das mudanças no critério para investidores qualificados, o estudo da CVM propõe atacar duas frentes de produto que são as únicas não disponíveis hoje para o público de varejo: Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) e Fundos de Investimentos em Participações (FIPs).
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Dados da CVM mostram que, em dezembro de 2020, fundos imobiliários tinham mais de 1 milhão de cotistas, com patrimônio líquido de R$ 177 bilhões. Em contraste, FIDCs e FIPs apresentam maiores patrimônios, de R$ 219 bilhões e R$ 428 bilhões, respectivamente, porém com um número bem inferior de cotistas, por serem estritos a investidores qualificados.
“O investidor de varejo pode investir individualmente em debêntures de empresas, mas ao mesmo tempo não pode investir em um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) que investe em debêntures de diversas empresas, oferecendo menor risco para o investidor do que a compra individual de debêntures de empresas”, observa o estudo da CVM.
No caso do segmento de private equity (representado pelos FIPs), a equipe da CVM destaca que, desde 2017, o investidor de varejo pode investir até R$ 10 mil em startups via crowdfunding de investimentos. O mesmo investidor, contudo, ainda não pode investir em um FIP, fundo com gestão profissional que investe em uma variedade de startups e com possibilidade de oferecer menor risco do que uma aplicação via crowdfunding.
O tema também é discutido nos países benchmark do levantamento, com um interesse crescente entre os reguladores internacionais em estimular a captação de empresas em fase inicial e de pequeno porte que tenham grande importância para a economia.
De toda forma, diante das maiores complexidades e riscos de FIPs na comparação com CRIs, o estudo da CVM sugere que sejam estabelecidas algumas exigências adicionais de requisitos na possibilidade de permitir que investidores de varejo invistam nesses fundos.
Dentre esses requisitos, destacam-se a necessidade de entrada no mercado por meio de oferta pública registrada, listagem obrigatória em mercado secundário e, eventualmente, um regime informacional mais adequado, que poderia ser focado inclusive no gestor do produto.
Com a queda da taxa básica de juros ao longo dos últimos anos e o consequente crescimento do número de investidores em Bolsa, inovações digitais na área de investimentos e a ampliação da oferta de produtos e educação financeira no país como pano de fundo para a proposta, a CVM enfatiza que o investidor já investe hoje em ativos de risco, ainda que tenha restrição a certos produtos.
O exemplo mais claro é o da criptomoeda, produto não regulado pela xerife do mercado, mas Luna também chama atenção para a maior facilidade do brasileiro de investir em alternativas fora do país.
Interesse pelo risco, apesar de pouco acesso
Um dos pontos de partida para a sugestão da CVM foi uma pesquisa elaborada em setembro do ano passado com 5.079 respostas, por meio eletrônico, para conhecer e entender melhor o perfil dos diferentes tipos de investidores brasileiros.
Investidores de varejo, com menos de R$ 1 milhão em aplicações, representaram 78% das respostas, sendo que a maior parte desses participantes tinha entre R$ 100 mil e R$ 500 mil em investimentos. Em torno de 91% dos respondentes tinha pelo menos ensino superior completo.
Entre os destaques da pesquisa, ações (92%), fundos de ações ou multimercados (85%) e Tesouro Direto (83%) foram os tipos de investimentos com maior disseminação entre os participantes. Ao mesmo tempo, uma parcela significativa já tinha alegado experiência com criptomoedas (39%) e derivativos (34%).
Pouco mais da metade (54%) afirmou ter um perfil de investidor arrojado. Não à toa, no que diz respeito ao apetite por risco, 41% e 38% dos respondentes declararam ter interesse alto e médio de investir em um novo produto financeiro, do qual tivesse pouco conhecimento, mas que lhe oferecesse a possibilidade de receber um bom rendimento.
Com perguntas específicas sobres o mercado de securitização, foi visto que 75% dos participantes tinham algum conhecimento, mas apenas 30% de fato investiam nesse mercado. Além disso, 28% alegaram ter alto interesse em investir nesses produtos, enquanto 45% afirmaram ter interesse médio.
Os resultados foram parecidos no caso de private equity: 78% dos participantes alegaram ter algum conhecimento, mas apenas 10% investiam nesse segmento. Houve também manifestação de vontade de mudar essa realidade, já que 47% dos respondentes alegaram ter alto interesse em investir em produtos de private equity, enquanto 35% afirmaram ter interesse médio.
Com relação ao nível de satisfação com a oferta de produtos financeiros disponíveis, 46% declararam que estavam pouco satisfeitos.
A prova de fogo durante a crise provocada pela pandemia de Covid-19, na qual o investidor não arredou pé da Bolsa, reforçou a discussão O número de CPFs em Bolsa praticamente dobrou de 2019 para 2020, alcançando 3,23 milhões. Ao fim do primeiro semestre deste ano, seguiu em crescimento, para cerca de 3,8 milhões.
O estudo da CVM é uma recomendação e serve, segundo Luna, para colocar um grande debate. É possível que ele gere alguma audiência conceitual para que investidores possam se colocar, mas os próximos passos ainda não estão definidos.
Caso queira participar do debate, encaminhe suas contribuições para e-mail asa@cvm.gov.br indicando no assunto “Estudo ASA”.
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