Curto ou longo? Curva de juros “invertida” aumenta preferência por títulos de vencimento menor no Tesouro Direto

Em dias de maior estresse, o Tesouro Prefixado 2024 chegou a pagar 51 pontos-base a mais do que o prefixado 2031. Saiba o que fazer diante desse fenômeno

Bruna Furlani

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SÃO PAULO – A mudança radical do cenário fiscal, com a ruptura do teto de gastos no último mês, provocou um fenômeno que não era visto há um certo tempo no mercado financeiro: a inversão da curva de juros.

Para quem investe nos títulos públicos negociados no Tesouro Direto, isso causou implicações práticas: nas últimas semanas, os papéis de prazo mais curto passaram a oferecer retornos mais altos do que os papéis de prazos alongados.

A situação chamou atenção porque é contraintuitiva. O oposto – títulos curtos pagando menos do que títulos longos – é o mais comum, já que prazos maiores representam também riscos maiores. Justamente para compensar o risco, papéis com vencimentos distantes normalmente oferecem retornos mais elevados.

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Em dias de maior estresse, como a última quinta-feira (11), o rendimento oferecido pelo título Tesouro Prefixado com vencimento em 2024 chegou a ser 51 pontos-base (ou 0,51 ponto percentual) mais alto que o do Tesouro Prefixado com vencimento em 2031.

A distância entre os juros oferecidos pelos dois títulos diminuiu um pouco depois da aprovação da PEC dos Precatórios pelos deputados na Câmara e o encaminhamento da proposta para o Senado, mas segue existindo. Na manhã desta quarta-feira (17), alcançou 32 pontos-base.

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Diante desse cenário, a recomendação de especialistas é uma só: considerando que os títulos públicos de curto prazo têm remuneração superior, não vale a pena comprar papéis de prazo longo, porque os juros oferecidos não são compatíveis com o risco que se toma.

Entre os papéis prefixados, a preferência tem sido pelo Tesouro Prefixado com vencimento em 2024 e entre os papéis atrelados à inflação, a sugestão é optar por títulos como o Tesouro IPCA+ com vencimento em 2026.

O que explica a inversão da curva?

Maurício Reis, analista de fundos na gestora de patrimônio Tag Investimentos, diz que a inversão da curva é pontual. “Não faz sentido nenhum e nem de forma tática. Carregar um título por dez anos é muito mais incerto do que por um ou três anos”, diz. “Deveria haver prêmio [juros maiores nos títulos de longo prazo]. Isso só não ocorre quando os fundamentos econômicos não fazem mais sentido porque há pressão inflacionária e problemas fiscais”.

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O mesmo fenômeno ocorreu em 2014 e em 2016, segundo o executivo. “São sintomas de uma economia ruim, que tem um crescimento baixo ou até mesmo negativo”, avalia.

Alguns especialistas afirmam que esse tipo de situação pode indicar uma recessão à frente, mas Reis observa que normalmente a curva se inverte quando diante da pressão inflacionária – não é possível, portanto, “cravar” que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro regredirá por dois trimestres seguidos, caracterizando o quadro de recessão.

Dados históricos do Tesouro Direto mostram que, no começo de 2015, também houve inversão na curva de juros brasileira. Na época, três títulos prefixados estavam disponíveis para negociação na plataforma. No dia 20 de março de 2015, por exemplo, o Tesouro Prefixado 2018 oferecia retorno de 13,51% ao ano, enquanto o juro oferecido pelo Tesouro Prefixado 2021 era de 12,46% – uma diferença que chegava a 105 pontos-base, a maior registrada naquele ano.

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Nesse mesmo ano, em 22 de junho, o Tesouro Prefixado 2018 oferecia juro de 13,47%, enquanto o retorno pago pelo Tesouro Prefixado 2025 com juros semestrais era de 12,60% – uma diferença que chegou a 87 pontos-base em 2015.

Naquela ocasião, a distância entre as taxas era reflexo de um cenário de instabilidade no País: a Selic voltava a subir para patamares acima de dois dígitos, aos 13,75% ao ano; a inflação avançava para 8,89% no acumulado dos 12 meses até junho de 2015; e uma série de manifestações ao redor do país pediam a saída da então presidente, Dilma Rousseff.

Assim como ocorreu no passado, Guilherme Cadonhoto, especialista em renda fixa na Spiti, explica que o avanço dos juros prefixados possui uma forte relação com a expectativa de política monetária do País. Logo, se as taxas estão subindo, significa que o mercado está projetando juros maiores para os próximos anos, diante de um cenário em que a inflação está surpreendendo para cima.

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O cenário fiscal também ajuda a explicar a inversão da curva – e, na visão de Cadonhoto, as taxas dos títulos prefixados de curto prazo não avançaram ainda mais porque o mercado acredita que a credibilidade fiscal ainda não foi completamente descartada.

A equação, porém, pode ficar ainda mais complicada se os juros subirem antes do esperado nos Estados Unidos, diante de pressões inflacionárias que têm se mostrado mais persistentes do que o previsto por analistas.

“A expectativa é de que o aumento de juros ocorra no fim de 2022. Mas, se ficar claro que o Fed [banco central americano] terá que antecipar, isso pode gerar mais pressão em cima do câmbio e dos juros”, pondera Marcelo Kfoury, coordenador do Centro Macro Brasil da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP).

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Títulos preferidos

Ao analisar os gráficos com as taxas oferecidas pelos papéis prefixados, Reis, da Tag Investimentos, observa que a inflação para o curto prazo está elevada. Na sua visão, o fundamento está tão “ruim” que não há juros suficientes para carregar os papéis mais longos até o vencimento.

Com relação aos papéis atrelados à inflação, a visão é semelhante. Embora os títulos tenham o benefício de proteger o investidor da inflação, os juros não estão pagando o que deveriam em troca do prazo maior da aplicação, avalia Reis. Logo, o ideal é optar por títulos de prazo menor.

Papéis de longo prazo, explicam os especialistas, têm maior relação com a expectativa para a situação fiscal do País – e, por isso, podem apresentar ainda mais volatilidade. “Eles subiram muito, mas seguem menores do que os juros de curto prazo. Vamos ter eleições e independentemente do governo, anos eleitorais não são marcados por demonstrações de responsabilidade fiscal”, diz Cadonhoto, da Spiti.

Ao falar sobre as preferências, Cadonhoto avalia que a melhor opção entre os prefixados está no Tesouro Prefixado 2024. Para ele, o título embute uma Selic avançando para 12% ao ano, que era o cenário visto entre o fim de 2014 e 2015. Na época, a taxa básica de juros estava entre 11,75% e 14,25% ao ano, e o Banco Central não era independente.

E mais: para o especialista da Spiti, os títulos prefixados de curto prazo estão mais atrativos do que os papéis atrelados à inflação também com vencimento mais curto. Ele afirma que a expectativa de inflação para os próximos três a cinco anos é de 6,5% ao ano, em média. Para um título de inflação ser vantajoso em relação a um prefixado, a inflação média teria de superar esse patamar.

Para ele, no entanto, isso não deve ocorrer. A inflação nos últimos 12 meses foi causada por uma série de eventos pontuais que não devem se repetir nos próximos 12 meses, avalia.

Ganhos de capital?

Embora a preferência dos especialistas seja por papéis de curto prazo, há algumas oportunidades que não podem ser descartadas, caso o investidor esteja de olho em obter ganhos de capital vendendo os títulos antecipadamente – no lugar de carregá-los até o vencimento.

Nesse caso, papéis como o Tesouro IPCA+ de prazo mais alongado podem ser interessantes

Kfoury, da FGV/EESP, explica que a alta de preços se intensificou no curto prazo, mas as projeções do mercado para a inflação em 2023 e 2024 estão em 3% ao ano, segundo o Relatório Focus.

Leia mais:
Mercado financeiro vê inflação de 9,77% em 2021, na 32ª alta consecutiva das projeções

“Esse pode ser um bom ponto de entrada para os títulos atrelados à inflação”, diz, referindo-se aos juros reais de pelo menos 5% ao ano verificados atualmente. “Como as taxas tendem a cair com o recuo da inflação nos próximos anos, o investidor pode se beneficiar se optar por vender o papel antes do vencimento e obter ganhos de capital”.

Na prática, a taxa de juros oferecida por um título de renda fixa tem uma relação inversa com o seu valor de negociação no mercado. Quando as taxas sobem, como tem sido o caso ao longo deste ano, seu preço tende a cair.

Mas o contrário também é verdadeiro. O investidor que comprou um papel de renda fixa a uma taxa mais alta no passado pode ter a chance de vendê-lo no futuro por um preço maior e obter ganhos de capital, caso as taxas oferecidas por aquele título no momento da venda estejam mais baixas.

Cadonhoto, da Spiti, também está de olho da possibilidade de venda antecipada de títulos atrelados à inflação. Por isso, vem aumentando levemente a parcela de alocação sugerida em papéis do tipo de longo prazo.

Para a estratégia de ganho de capital, títulos de inflação de longo prazo são preferíveis em relação aos de curto prazo porque, de acordo com o Banco Central, os juros neutros – patamar que não estimula nem deprime a economia – são hoje de 3% ao ano, diz Cadonhoto. Em tese, a remuneração oferecida pelos papéis longos deveria refletir os juros neutros, o que claramente não está acontecendo. Na visão do especialista, algo está “descolado”. “Alocações nesses ativos podem ser uma boa, mas não devem ser muito grandes”.

Também pode beneficiar os títulos longos atrelados à inflação, o fato de os fundos de pensão terem metas atuariais, o que podem gerar um grande fluxo de compra para os papéis, evitando que os preços piorem muito.

Na hora de escolher a melhor opção, ele observa que os títulos que não pagam juro semestral envolvem um nível de risco maior nos momentos ruins, quando os preços costumam cair mais. Outro ponto de atenção é que quanto maior o prazo, maior também é a oscilação do papel. “Logo, o investidor precisa ponderar se quer ter maior risco ou menor risco”, destaca o especialista da Spiti.

Taxas podem ir além?

Embora as taxas tenham avançado bastante em relação às vistas no começo do ano, especialistas dizem que não há como “cravar” que os juros seguirão aumentando. Cadonhoto nota que o mercado já antecipou uma boa parte das incertezas sobre as eleições.

“Quando há um risco tão monitorado como esse das eleições, talvez ele não impacte tanto, porque uma boa parte do cenário eleitoral já está bem precificada. O mercado tem convicção de que no segundo turno é mais provável que o cenário seja Lula contra Bolsonaro”, diz. “O ponto é qual será a equipe econômica que cada um vai montar. Acredito que os olhos do mercado estarão atentos a isso agora”.

Outro fator que pode impactar o avanço ou não das taxas no curto prazo, na opinião de Kfoury, são as prévias do PSDB. Para ele, se o candidato Eduardo Leite vencer as prévias do partido, pode haver um rali. “O risco iria diminuir um pouco. Seria um candidato menos populista com chance de compor uma chapa e de levar um representante da terceira via para o segundo turno das eleições”, conclui.

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