Criador do ChatGPT quer sua íris em troca de uma nova criptomoeda “de graça” — você aceitaria?

Sam Altman, da OpenAI, está por trás da nova criptomoeda Worldcoin, que visa impulsionar um sistema global de identidades digitais

Paulo Barros

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Você trocaria as suas íris por um punhado de criptomoedas “de graça”? Brasileiros poderão se ver em breve diante dessa pergunta inusitada se depender do criador do ChatGPT, Sam Altman.

O CEO da OpenAI, empresa que catapultou a Inteligência Artificial (AI) para o noticiário nos últimos meses, conseguiu captar US$ 115 milhões para financiar um programa global de verificação das informações únicas gravadas nos olhos de cada ser humano.

Em troca, o interessado receberá uma determinada quantia da moeda digital Worldcoin (moeda do mundo, em tradução livre). O projeto é tocado pela startup Tools for Humanity, que tem Altman como cofundador.

O projeto nasceu ainda em 2019, mas ganhou notoriedade apenas com o sucesso do ChatGPT, pelo elo com Altman. De início, a criptomoeda se vendia como um veículo para alavancar uma rede global de renda básica. Ao anunciar a captação multimilionária, no entanto, o objetivo destacado foi outro: criar uma identidade digital para todas as pessoas do planeta.

Identidade digital

Em palestra recente no Rio de Janeiro, o criador do ChatGPT reforçou a necessidade de criação de uma identidade digital, algo visto por especialistas como essencial para garantir melhores serviços públicos e reduzir problemas com as fake news ao distinguir robôs de pessoas na Internet. A novidade deixou alguns especialistas com “um pé atrás”.

“Quando o produto é de graça (nesse caso, a criptomoeda), então o produto é você”, alertou Jorge Souto, co-gestor do fundo TC Digital Assets, em entrevista ao Cripto+ (assista à entrevista na íntegra no player acima).

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“Tem muita coisa que a gente ainda não sabe. Pode ser que seja uma forma de ele acoplar isso no ChatGPT. A gente sabe que quando tem dinheiro na mesa, o pessoal perde um pouco o bom senso. Vimos o que aconteceu com o Facebook e diversos outros casos [de violação da privacidade]”, aponta.

Já o advogado Rodrigo Caldas de Carvalho Borges, membro fundador da Oxford Blockchain Foundation, não vê problemas em uma empresa privada encabeçar um movimento de criação de uma identidade digital global, desde que sejam conhecidos mais detalhes sobre a empreitada.

“Já tivemos no passado iniciativas de identidade digital criada em blockchain em parceria com a ONU em alguns países da África que estavam em conflito armado, para identificação de refugiados, então não é uma novidade ter identidade digital criada por empresa privada”, explica.

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“É claro que, para ter validade como identidade, teria que ser reconhecido pelos entes estatais”.

Contrapartida

Tudo indica, portanto, que a criptomoeda parece ter o propósito apenas de funcionar como remuneração da pessoa interessada em compartilhar seus dados biométricos com a nova startup de Altman, mesmo que ainda não se saiba exatamente para que eles servirão, ou como serão armazenados.

Borges não vê a iniciativa com maus olhos. Ele relembra que atualmente dados biométricos já são entregues o tempo todo para empresas sem que o cidadão se pergunte como suas informações estão sendo tratadas e sem qualquer recompensa.

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“Acho interessante como estão fazendo, oferecendo uma contraprestação pelas íris das pessoas que voluntariamente quiserem participar do projeto”, avalia.

“Muitas vezes fornecemos nossas digitais para ter acesso a determinados edifícios, e não sabemos se a empresa que coletou está cumprindo a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Também acontece em diversos aplicativos, de jogos (como os de envelhecimento), em que na verdade estamos treinando sistemas de Inteligência Artificial”, explica o advogado.

Vai valer a pena?

Apesar da promessa de pagamento, é pouco provável que alguém enriqueça com a criptomoeda.

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O aporte de US$ 115 milhões chama atenção em meio a um cenário de terra arrasada no mundo dos fundos de venture capital, especialmente os que consideram o setor de ativos digitais. Mas, ele não está sendo visto necessariamente como um aporte em uma startup de criptomoedas.

Segundo a própria Tools for Humanity, o valor será usado principalmente para financiar os equipamentos necessários para escanear olhos —  não há menções para criação de casos de uso para o ativo digital.

Desse modo, a Worldcoin dificilmente rivalizaria com uma moeda digital mais estabelecida como o Bitcoin (BTC), que se desenvolveu sem a “contaminação” de fundos de venture capital.

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“É muito menos por ser um projeto de cripto, e muito mais por ser do Sam Altman. O ChatGPT se tornou um fenômeno de sucesso, todos os venture capitals tentam seguir. Estão investindo na capacidade de entrega dele”, afirma Souto, do TC Digital Assets

O conjunto da obra, aposta o especialista, indica que a Worldcoin não terá grande valor de mercado, portanto a remuneração em troca das íris não deverá ser justa — poderá ser, por exemplo, cinco ou dez dólares por pessoa.

Por outro lado, dado o nível de pobreza em várias partes do mundo, Souto acredita que muita gente acabará topando o negócio.

“Eles estão coletando informações de pessoas. Você entregaria algo único de sua biologia para uma empresa terceira em troca de algo que, sinceramente, não vai ser muita coisa. Ninguém vai ganhar um milhão de dólares”, aposta.

Paulo Barros

Jornalista pela Universidade da Amazônia, com especialização em Comunicação Digital pela ECA-USP. Tem trabalhos publicados em veículos brasileiros, como CNN Brasil, e internacionais, como CoinDesk. No InfoMoney, é editor com foco em investimentos e criptomoedas