SÃO PAULO – Os juros baixos fizeram dos ativos de crédito privado uma das principais alternativas de investidores sedentos por retorno superior ao dos títulos públicos.
Nesse segmento, o gestor estuda qual a capacidade de uma empresa pagar o que deve, e costuma se concentrar nas dívidas de companhias de grande porte, com menor risco de inadimplência na comparação com as pequenas e médias empresas (PMEs).
Em linha diametralmente oposta a essa, existem alguns poucos gestores com atuação mais arrojada, que buscam comprar com desconto, geralmente de bancos prestes a dar o negócio como perdido, dívidas vencidas de PMEs em dificuldade financeira, que não conseguiram honrar os compromissos, ou que até já entraram com pedido de recuperação judicial ou de falência.
Em muitos casos, são empresas que sofrem por uma questão conjuntural de curto prazo, que faz seus papéis serem negociados abaixo do valor justo, mas que os gestores enxergam com possibilidade de se reerguer.
Não é sempre, contudo, que a expectativa positiva se concretiza. E quando a recuperação judicial ou a falência são requeridas, é a hora que o corpo jurídico das gestoras entra em cena, em busca de ressarcimento de pelo menos uma parcela da dívida, de preferência acima do valor pago inicialmente pelo título.
Embates nos tribunais, e investigações nas redes sociais para rastrear bens ocultos, são apenas alguns dos caminhos trilhados no esforço de recuperação dos créditos.
Pelo caráter alternativo, os fundos de ativos estressados costumam ser fechados por um período de aproximadamente seis anos, em alguns casos com amortização após a fase de investimentos, que geralmente consome metade do prazo.
Diante do nível de risco, o acesso é restrito ao investidor profissional, com pelo menos R$ 10 milhões em aplicações financeiras, que busca com o produto rentabilidade de 15% a 20% ao ano.
Para aqueles com cacife, o tíquete inicial é alto, geralmente em torno de R$ 250 mil, mas há casos de fundos em que não há valor previamente estabelecido.
Uma das primeiras gestoras globais a explorar o nicho de “distressed debt” (dívidas estressadas), em 1988, foi a Oaktree Capital, do lendário gestor Howard Marks.
No Brasil, o segmento começou a ganhar tração em meados dos anos 2010, com profissionais que se especializaram no exterior, como Rafael Fritsch, da Canvas Capital, e Guilherme Ferreira, da Jive Investments.
Tempestade perfeita
Atenta às oportunidades que devem surgir no mercado local, a Jive acaba de captar R$ 2,2 bilhões para seu terceiro fundo que investe em créditos vencidos, bem como em imóveis que precisam passar por alguma reestruturação ou precatórios e ações judiciais.
O tíquete de entrada foi de R$ 250 mil, explica Guilherme Ferreira, sócio gestor da Jive, que agora vai voltar o foco de distribuição para investidores institucionais estrangeiros, como fundos de pensão nos Estados Unidos.
“Causa muita tristeza toda situação pela qual estamos passando, mas, do ponto de vista de um gestor de ativos estressados, estamos em uma tempestade perfeita”, afirma Ferreira, em referência à combinação do volume de oferta de ativos oriundo da crise e da demanda crescente dos investidores por alternativas frente aos juros baixos.
Segundo o gestor, que, antes de ingressar na Jive, em 2011, atuou no Lehman Brothers, o mercado tende a se aquecer, e não apenas pelo impacto direto da Covid-19. Os grandes bancos, diz, ainda carregam em carteira créditos vencidos da recessão econômica do país no biênio 2015 e 2016.
E com a pandemia prometendo uma nova leva de créditos problemáticos à frente, Ferreira afirma que as grandes instituições financeiras estão se vendo forçadas a vender ativos vencidos de anos anteriores, para abrir espaço para os que ainda devem chegar.
Com base no balanço patrimonial dos grandes bancos, os cálculos da Jive apontam para cerca de R$ 80 bilhões em créditos vencidos que podem vir a mercado nos próximos anos.
Os dois primeiros fundos da Jive, de 2015 e 2018, entregaram, até o momento, rentabilidade de aproximadamente 20% ao ano. Os produtos são fechados por seis anos e exclusivos para investidores profissionais, que passam a receber amortizações a partir do terceiro ano, ao término da fase de alocação dos recursos.
Gestão jurídica
A pandemia infelizmente já tem trazido, e ainda trará muitas oportunidades para a compra de dívidas vencidas, afirma Rafael Fritsch, CIO dos fundos de crédito da Canvas Capital. Ele ressalta, contudo, que será preciso um cuidado extra para separar os negócios com problemas, que terão capacidade de seguir adiante, daqueles que estão baratos por estarem à beira da bancarrota.
“Não vai ser tão trivial fazer essa seleção como foi nos últimos dez anos”, afirma Fritsch, que iniciou a carreira no início dos anos 2000 fora do país, onde passou a atuar com dívidas estressadas.
Além do time “convencional” de gestão e análise dos investimentos, o CIO afirma que a área jurídica da Canvas é essencial para o sucesso das operações das dívidas em atraso.
Assim como um economista para os fundos macro, os advogados da gestora permitem uma previsão do que esperar pela frente com determinado título, em caso de falência ou de recuperação judicial, o que é de extrema importância para um ativo que não tem a mesma liquidez de uma ação.
“Se o investidor quiser, vende a ação no mesmo dia em que comprou. Um crédito estressado demora, e a venda ocorre com até 40% de desconto, então a análise prévia é essencial”, diz Fritsch. “Não dá para entrar sem entender todas as possíveis ramificações.”
Eventos históricos
Na esfera global, a Oaktree Capital, com cerca de US$ 120 bilhões em ativos sob gestão, está em fase de captação de um fundo de dívidas estressadas de aproximadamente US$ 15 bilhões.
Aproveitar momentos de fragilidade econômica para adotar uma postura proativa na aquisição desse tipo de ativo não chega a ser uma novidade na gestora.
Em 2008, na crise imobiliária americana, a Oaktree levantou US$ 11 bilhões para comprar títulos corporativos problemáticos, recordou o co-fundador Howard Marks, durante live promovida pela XP Private no dia 20 de agosto.
“Por conta do fácil acesso ao crédito dos últimos anos, muitas empresas entraram na pandemia alavancadas”, afirmou o renomado gestor.
Desde que começou a atuar com ativos problemáticos, disse, uma das principais estratégias para ser bem-sucedido é focar em empresas nas quais enxerga qualidade, mas com o balanço fragilizado. “É mais fácil arrumar uma companhia boa com números ruins, do que uma empresa ruim”, assinalou Marks.
O gestor afirmou também que segue uma filosofia de investimento relativamente simples, cujo ponto mais importante é o controle de risco. “Se evitar os perdedores, os vencedores saberão tomar conta de si.”
Companhias zumbi
Na fase mais aguda da crise, a Oaktree aportou cerca de US$ 1,3 bilhão em dívidas estressadas a um preço ainda mais descontado do que o usual, em empresas de energia e do setor imobiliário.
Após o investimento maciço em meados de março, a gestora reduziu drasticamente as compras. As oportunidades no segmento, segundo Marks, estão menores agora, na comparação com crises anteriores, diante do tamanho do socorro financeiro do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA).
“Geralmente falamos de rentabilidade de 30% dos fundos de dívidas estressadas, ou até mais, mas hoje não podemos dizer o mesmo, porque o Fed eliminou o pânico do mercado.”
O co-fundador da Oaktree avaliou, no entanto, que pode ser questão de tempo para que uma série de empresas logo se veja na corda bamba. Assim que a injeção estatal de liquidez for reduzida.
Marks reconheceu a importância da ajuda para evitar um impacto ainda mais perverso da pandemia, mas disse que o apoio criou “companhias zumbis”, que queimam caixa diariamente e não estariam de pé sem o auxilio.
Graças ao socorro do BC americano, afirmou, muitas companhias sobreviveram à crise. No entanto, negócios que foram estruturalmente prejudicados pelos novos hábitos da sociedade talvez não consigam se manter por muito mais tempo.
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