Com juros baixos, número de acionistas nas empresas do Ibovespa mais que dobra desde 2019

Levantamento mostra que a Azul foi a empresa com maior ganho de investidores; Vivo foi a única do grupo a registrar queda de acionistas no período

Mariana Zonta d'Ávila

(Liza Summer/Pexels)
(Liza Summer/Pexels)

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SÃO PAULO – A queda da taxa básica de juros desde 2019 tem contribuído para um forte aumento na base de investidores pessoas físicas na Bolsa, que buscam retornos mais atrativos em meio a retornos espremidos na renda fixa. E, com um público interessado crescente, e cada vez mais diverso, as empresas têm sido forçadas a modernizar suas estratégias de comunicação com os investidores.

Levantamento feito pelo InfoMoney com base nos formulários de referência de 2020 mostra que a base de acionistas individuais nas companhias listadas no Ibovespa mais que dobrou desde 2019, para 15,2 milhões em 2021. É importante frisar que os dados não englobam os anos cheios e as datas variam de acordo com cada companhia.

Apenas três das 81 empresas que faziam parte do índice ao fim de maio não participaram do levantamento (BRF, Ecorodovias e Multiplan), por não terem divulgado seus dados referentes a 2021.

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Nos últimos dois anos, o destaque de entrada de investidores individuais ficou por conta das ações de empresas dos setores de construção e incorporação, aviação e varejo, com aumento de 516%, 515% e 441%, respectivamente.

Por outro lado, o único segmento que mostrou redução na base de acionistas foi o de telecomunicações, com baixa de 13% no intervalo.

Do total de companhias do Ibovespa, cinco delas apresentaram aumento superior a 1.000% na base de acionistas pessoas físicas desde 2019. Eram elas: Azul (AZUL4), com crescimento de 2.099%, Sul América (SULA11) (+1.700%), Magazine Luiza (MGLU3) (+1.502%), e Totvs (TOTS3), com aumento de 1.142%.

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O levantamento revelou também que todas as empresas do Ibovespa, com exceção das operadoras Vivo (VIVT3) e Tim (TIMS3), tiveram crescimento na base de acionistas entre 2019 e 2021.

No período, a Vivo registrou queda de 21% em seu número de investidores, enquanto a concorrente Tim ficou no zero a zero. As duas, contudo, lideram o grupo das empresas do Ibovespa em número de acionistas pessoas físicas neste ano, com 1,46 milhão e 1,26 milhão de investidores, respectivamente.

Outras companhias que tiveram um crescimento mais moderado da base de investidores no período analisado incluem Bradespar (+5%), Gerdau (+10%) e Usiminas (+36%).

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Na avaliação de Claudia Yoshinaga, coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), um dos motivos que pode explicar o movimento é o viés de familiaridade.

“As pessoas avaliam de maneira mais positiva bancos, varejo e bens de consumo, porque são empresas nas quais elas são clientes. Bradespar e Gerdau, por exemplo, não serão a primeira opção que virá à cabeça ao pensarem em investir”, afirma.

Ela recomenda, contudo, cuidado com esse tipo de avaliação, uma vez que empresas populares entre os consumidores não necessariamente significam bons investimentos.

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A escolha por nomes conhecidos na Bolsa, segundo Juliana Inhasz, coordenadora do curso de graduação em Economia do Insper, deve-se à ideia de solidez das grandes empresas em momentos de incerteza, como o atual. “Na pandemia, muitas empresas sofreram com a nova conjuntura. As pessoas apostam que empresas como Magalu, Vivo e Azul, por exemplo, vão conseguir se reerguer e têm mais capital para isso do que as empresas menores”, diz.

Aviação é destaque

Com forte aumento na base de acionistas pessoas físicas, o setor de aviação ficou entre os destaques do levantamento, com ganho de 280,5 mil investidores desde 2019.

O dado não deixa de ser curioso, uma vez que a pandemia significou o fechamento de fronteiras aéreas ao redor do mundo e reduziu o fluxo de passageiros, em meio às medidas de isolamento social.

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“A pandemia mudou muito a condição dos investimentos. E os números elevados no setor aéreo, um dos que mais têm sofrido desde 2020, mostram que as pessoas estão aproveitando os preços baixos em meio a uma aposta de recuperação do segmento”, diz Juliana, do Insper.

Foi neste cenário que a Azul Linhas Aéreas passou de uma pequena base de 6,1 mil investidores, em 2019, para 133,6 mil, em 2021. A empresa fez seu IPO na B3 em abril de 2017.

“Nas primeiras semanas da pandemia, quando a receita caiu para quase zero, tomamos um susto de como seria a indústria no pós-Covid, se haveria demanda. Mas quando vimos o aumento de investidores, deu um conforto de que, se a própria pessoa física está comprando ações do setor, as perspectivas são positivas”, conta Alex Malfitani, CFO e co-fundador da Azul.

Justamente pelo caráter mais arrojado da renda variável e do setor aéreo, que tem grande parte dos custos atrelados ao dólar, Malfitani afirma que o time de Relações com Investidores (RI) costuma frisar questões como tolerância a risco e prazo de investimento nas conversas com os acionistas.

“São informações que com um investidor profissional não é preciso, mas que com o investidor pessoa física é um conceito que gostamos de compartilhar”, diz.

Apesar do crescimento destacado do setor de aviação, os segmentos financeiro e de telecomunicações ainda dominam o mercado em número de investidores, conforme pode ser visto no gráfico abaixo.

Ciclo virtuoso 

Além da queda dos juros, que impulsionou o investidor mais conservador a buscar melhores retornos na renda variável, o forte desempenho do Ibovespa também tem funcionado como um bom chamariz para novos investidores, na avaliação dos especialistas consultados pelo InfoMoney.

“Muita gente começou a entrar na Bolsa porque viu números muito altos, com o Ibovespa batendo recordes. Mas também tem muita empresa barata, que pode estar fazendo com que muitos investidores entrem e fiquem com a posição em empresas que perderam valor, apostando em uma forte retomada”, diz Juliana, do Insper.

A coordenadora do curso de graduação em Economia do Insper lembra que, apesar do movimento de aperto monetário em curso, a inflação continua alta, fazendo com que os retornos reais na renda fixa fiquem próximos do zero. Nesse cenário, a Bolsa segue como uma das principais alternativas para investidores que queiram melhores retornos, diz.

O coordenador e professor assistente do curso de Administração do Ibmec, Cristiano de Souza Corrêa, destaca o caso da Magazine Luiza, que ficou amplamente conhecido no mercado após alta da ordem de 400% das ações na Bolsa entre 2017 e 2019, chamando bastante a atenção do investidor de varejo para as oportunidades na Bolsa.

Segundo ele, o cenário de juros baixos e com ações a preços considerados descontados por conta do tombo provocado pela crise contribui para o aumento de investidores.

Claudia, da FGV, destaca ainda que o público investidor em Bolsa segue concentrado nas classes média, média alta e alta que, na pandemia, ficou com uma renda maior disponível, pela redução nos custos com lazer, sobrando oportunidade para investir.

Mudanças para atender novo público

Com a chegada de um novo público investidor nas empresas listadas em Bolsa, as empresas também tiveram que se adaptar para receber esse novo acionista com perfis distintos, variando entre aquele iniciante e o que já tem mais experiência.

Para Bruno Salem Brasil, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI), o movimento mostrou para as companhias que segregar os investidores e entregar materiais distintos já não é mais assertivo.

Ele conta que, no passado, as empresas costumavam enviar documentos mais detalhados para acionistas como fundos e investidores institucionais, enquanto as pessoas físicas recebiam documentos de menor profundidade. “Hoje, isso já não funciona mais. Tem investidor individual que é tão exigente quanto um grande fundo”, destaca.

Nesse contexto, as companhias têm mudado a forma como se comunicam com o público investidor, diz o presidente do IBRI. Além de oferecer materiais que satisfaçam todos os públicos, com uma linguagem simples, mas sem esquecer de se aprofundar nas explicações e nos dados disponíveis, as estratégias utilizadas incluem ainda o uso crescente de redes sociais e vídeos, em muitos casos com os CEOs das empresas explicando os resultados, por exemplo.

“É um fenômeno novo e é importante se aperfeiçoar. As crenças de RI do passado precisam ser revistas, mas não se pode jogar tudo fora. Muita coisa do ‘tradicional’ ainda funciona, como os sites de RI, divulgação de resultados, relatório anual, teleconferência, mas eles precisam ser adaptados para a nova realidade, com modernização de linguagem”, avalia.

O executivo destaca que um dos grandes motivos pelos quais considera ser de extrema importância ter uma base pulverizada de investidores individuais nas empresas é a redução proporcionada na volatilidade das ações. Isso porque, com públicos de distintas naturezas na composição acionária, as saídas de determinado grupo tendem a ser mais facilmente compensadas pela entradas de outros.

Ele cita como exemplo a saída líquida de investidores estrangeiros da B3 em 2020 e o ingresso líquido de recursos de investidores individuais locais, contrapondo o movimento de mercado. “O investidor pessoa física é uma peça importante na gestão da base acionária de uma empresa, de forma a balancear o público investidor”, afirma.

E ainda que o número de CPFs nas empresas do Ibovespa tenha dobrado nos últimos dois anos, os dados ainda representam uma base muito pequena, avalia Claudia, da FGV. De acordo com dados da B3, em maio o número de contas na Bolsa brasileira chegou a 3,74 milhões – aumento de 104,2% ante 2020 e de 335,5% em relação a 2019.

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