Com alta de 63% em 2020, Bitcoin começa a cair no gosto de gestores de multimercados no Brasil e no exterior

Fundos dedicados com exposição indireta aos criptoativos já estão disponíveis ao investidor local desde 2017, com rentabilidades que chegam a 175% no ano

Lucas Bombana

SÃO PAULO – Em meados de 2008, na esteira da crise imobiliária americana, começaram as primeiras discussões em torno da rede do “blockchain” e do potencial dos criptoativos, como alternativa ao sistema financeiro tradicional.

Na pandemia do coronavírus, à medida que o modus operandi volta a ser posto em xeque, as moedas digitais despontam novamente como um dos ativos mais concorridos entre os investidores, com destaque para a alta de 63% do Bitcoin no ano, até agosto, em dólar, segundo dados da Reuters.

Caracterizado pelo elevado nível de volatilidade, no ano passado, o mais conhecido dos criptoativos já havia tido forte valorização, de 87,8%, após o tombo de 73,4% em 2018.

Em um cenário extraordinário de juros excepcionalmente baixos e ampla liquidez, que aponta para um risco inflacionário de médio prazo, o Bitcoin tem sido comparado ao ouro por nomes respeitados do mercado, como o gestor de recursos americano Paul Tudor Jones e Salim Ismail, um dos fundadores da Singularity University.

Além disso, grandes casas globais cada vez mais se rendem aos encantos da sereia das redes, como a Fidelity Investments, com cerca de US$ 3 trilhões em ativos sob gestão, que há cerca de dois anos criou a área de “Digital Assets”, que oferece custódia e trading de Bitcoin. Na última semana de agosto, a gestora pediu o registro junto à SEC (a CVM dos EUA) para lançar seu primeiro fundo de Bitcoin.

No mercado local, o investidor pessoa física mais afeito ao risco já tem acesso a fundos multimercados com exposição indireta a criptoativos desde o fim de 2017, geridos por profissionais dedicados ao universo cripto de casas como BLP Crypto, Hashdex e QR Capital (essa última em modelo de cogestão com a Vitreo).

São veículos que podem investir até o limite de 20% em cotas de fundos domiciliados no exterior – que são os que efetivamente compram os criptoativos –, tendo de manter os 80% restantes no CDI, no caso de produtos voltados para o público geral.

Para o investidor qualificado, com aplicação financeira acima de R$ 1 milhão, o limite da alocação no exterior sobe para 40%, e, no caso do profissional, com mais de R$ 10 milhões, para 100%.

Atenta às oportunidades no universo das moedas digitais, a gestora Forpus Capital lança neste mês o fundo Multiestratégia FIM, com exposição de 25% em criptoativos, voltado para o público geral e aporte inicial a partir de R$ 1 mil.

Nesse caso, contudo, a alocação do multimercado não se dará por meio da compra da cota de fundos no exterior,  modelo praticado na indústria local até então, mas via contratos futuros de Bitcoin negociados na bolsa americana CME, explica o sócio Luiz Nunes, que ressalta que a gestora em nenhum momento terá a posse da moeda digital propriamente no portfólio.

“Estava começando a ficar muito caro ficar de fora do mercado de criptoativos”, afirma Nunes, acrescentando que a descorrelação com os demais ativos da carteira também pesou na decisão.

No mercado internacional, entre os grandes gestores de recursos a adotar abertamente o Bitcoin no portfólio, um dos primeiros foi Paul Tudor Jones, responsável pelo hedge fund Tudor Investment Corporation, com cerca de US$ 40 bilhões sob gestão.

Em maio, Jones divulgou uma carta aos investidores, na qual informou a ampliação do mandato dos fundos para ter a possibilidade de investir uma fatia marginal da carteira em contratos futuros de Bitcoin.

“Não defendo a compra de Bitcoin de forma isolada, mas reconheço seu potencial no momento em que temos as políticas econômicas mais heterodoxas da história moderna. Por isso, precisamos adaptar nossa estratégia de investimento”, escreveu o gestor na ocasião, quando disse ainda ver semelhanças entre o potencial da moeda digital com o do ouro.

Jones não está sozinho no entusiasmo com os criptoativos. “Ninguém encontrou uma maneira de hackear essas moedas e, literalmente, deveríamos olhar para elas como um ouro digital”, disse Salim Ismail, um dos fundadores da Singularity University, a menina dos olhos do Vale do Silício, ao InfoMoney. “Eu sou um grande fã do Bitcoin.”

Benchmark cripto

Além das moedas digitais, 30% do multimercado da Forpus seguirá a estratégia do fundo de ações da gestora, que sobe 13,9% em 2020, até agosto, contra uma queda de 14% do Ibovespa. Já a metade restante da carteira navegará entre moedas, juros e commodities.

Segundo Nunes, a Forpus não contratou novos profissionais para a gestão do fundo. “As mesmas ideias geradas internamente, que já norteiam a alocação nas ações, alimentarão os investimentos nas demais classes.”

Além dos contratos futuros de Bitcoin, Nunes não descarta uma alocação menor do novo multimercado no fundo “Hashdex Criptoativos”, da gestora de mesmo nome com foco exclusivo no universo cripto.

Criada em 2018, a Hashdex desenvolveu um índice de referência que norteia a alocação e os pesos das diferentes moedas do universo digital na carteira dos fundos, e que considera desde a liquidez dos ativos até o nível de governança da corretora que o negocia, explica João Marco Cunha, gestor da Hashdex.

A maior participação no índice de referência é do Bitcoin (70%), com pesos relevantes ainda de Ethereum (15%) e Ripple (4%).

No mercado local, existem multimercados com exposição indireta aos criptoativos desde dezembro de 2017, quando a BLP lançou o Crypto Assets, para investidores profissionais, que compra até 100% das cotas de fundo domiciliado em Cayman, que, por sua vez, investe diretamente nas divisas digitais.

Cerca de um ano depois, foi lançada a versão para o público geral, o BLP Criptoativos, com tíquete de entrada de R$ 1 mil, que pode comprar até o limite de 20% das cotas do fundo no exterior.

A Hashdex, disponível na XP, e a QR Asset, em parceria com a Vitreo, lançaram opções semelhantes.

A diferença da distribuição do portfólio, conforme a classificação do investidor, fica evidente na análise da rentabilidade em 2020.

Enquanto os fundos para investidores profissionais da BLP e da Hashdex sobem 175,5% e 127,3%, respectivamente, graças à gestão ativa, que envolve a diversificação em outras moedas digitais, e à valorização do dólar, a versão para o investidor do varejo, que carrega 80% no CDI, rende cerca de 20%, em ambos os casos.

Confira a seguir como têm se comportado os fundos de criptomoedas neste ano e nos últimos 12 meses, assim como a evolução do seu patrimônio.

Ganha-ganha

Axel Blikstad, sócio da área de criptoativos da BLP, gestora que também atua na classe de multimercados e de investimentos alternativos, como precatórios, acredita que o mercado cambial digital tem dois importantes vetores, que a principio até podem sugerir certo antagonismo, mas que apontam para a mesma direção de crescimento para os próximos anos.

São eles a digitalização da sociedade, acelerada pela pandemia e que beneficia instrumentos de desintermediação financeira; e, ao mesmo tempo, a aceitação crescente das criptomoedas pelo mercado “convencional”, com cada vez mais grandes bancos e investidores se rendendo à nova tecnologia.

“Tem sido curioso acompanhar como os bancos têm mudado a postura em relação ao ecossistema dos criptoativos nos últimos tempos”, diz Blikstad, que fez carreira por mais de duas décadas em grandes instituições financeiras, como ABN, Garantia, Santander e BTG Pactual, de onde saiu em 2016 seduzido pelo potencial dos ativos digitais.

Além do anúncio do gestor Paul Tudor Jones, considerado “emblemático” por Blikstad, o investimento em criptoativos por grandes fundos patrimoniais (endowments) de universidades como Yale e Harvard, consideradas de perfil conservador, também foi citado pelo especialista para ilustrar o cenário propício para as moedas digitais nos próximos anos.

Embora ainda pequeno, o fundo da BLP para investidores profissionais, com tíquete de entrada de R$ 25 mil, registrou significativa evolução do patrimônio, de R$ 3,3 milhões, ao fim de 2019, para R$ 15 milhões, em 31 de agosto.

Ainda que a própria valorização dos ativos no mercado seja parte relevante do resultado, Blikstad diz que também observou um forte aumento no interesse de investidores que querem entender melhor a classe, diante de um cenário de juros baixos.

Na Hashdex, que oferece o fundo de criptomoedas ao varejo com o menor tíquete de entrada, de R$ 500,00, o aumento no PL também foi destacado – saiu de R$ 4,8 milhões para R$ 31,4 milhões. “No novo normal, todo mundo vai investir em criptoativos”, afirma Cunha.

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