Colunista InfoMoney: Escolha seu fundo pelo risco, não pelo retorno

Os administradores não são responsáveis pelas eventuais perdas que os fundos venham a ter, se agiram honestamente

Marcelo Guterman

“Faça você o que fizer, o capital corre risco… Tudo que se pode exigir de um administrador de fundo fiduciário ao investir é que ele seja leal e criterioso. Ele deve observar como homens prudentes, criteriosos e inteligentes gerenciam seus próprios negócios, não no tocante à especulação, mas à disposição permanente de seus fundos, considerando a renda provável, bem como a segurança provável do capital a ser investido”.

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O parágrafo acima é a transcrição de parte da sentença dada pelo juiz Samuel Putnam, em 1828, em processo movido pelo Harvard College e pelo Hospital Geral de Massachusetts contra os administradores dos recursos de John McLean. Ocorre que Mr. McLean havia deixado em testamento US$ 50 mil para a sua esposa em 1823, e quando esta também falecesse, o que restasse dos recursos seriam doados meio a meio para o colégio e para o hospital. Infelizmente para os dois, 5 anos depois, quando a senhora McLean faleceu, os US$ 50 mil haviam se transformado em pouco menos de US$ 30 mil 1.

O juiz, ao promulgar a sentença, que ficou para sempre conhecida como a “Regra do Homem Prudente”, reconheceu que o máximo que se pode exigir dos administradores de recursos é que sejam honestos e prudentes. Ou seja, é um reconhecimento de que o administrador não pode ganhar todas, e que o resultado final de um investimento deve-se muitas vezes a circunstâncias que fogem ao controle do administrador.

“O risco não avisa a hora em que vai se materializar em perdas”

– Isso significa que eu não posso exigir que o gestor do meu fundo de investimento proporcione bons retornos para o meu dinheiro?

Não. Significa apenas que os administradores não são responsáveis pelas eventuais perdas que os fundos venham a ter, se agiram de maneira honesta, e respeitaram os limites impostos pelo regulamento do fundo. São vários os exemplos de fundos multimercados que apresentaram perdas horrorosas, sem que os administradores tenham saído um milímetro daquilo a que o fundo se propunha fazer. Acontece que, na hora das vacas gordas, quando a rentabilidade do fundo está nas nuvens, não ocorre ao investidor que aquela rentabilidade estelar está sendo obtida em função de um risco assumido igualmente estratosférico.

Ficou famoso o caso dos fundos de derivativos (antigo nome dos fundos multimercados) administrados pelo Banco Marka, que quebraram (juntamente com o banco) em 1999. O fundo mais arriscado, o Marka Nikko Derivativos Plus, que perdeu 95% do seu patrimônio em janeiro daquele ano, havia rendido 32,19% até outubro do ano anterior, contra um CDI de 22,43% no mesmo período. Ou seja, 143,5% do CDI. Obviamente, outros fundos igualmente arriscados e com rentabilidades tão boas quanto, conseguiram escapar do desastre. O ponto, neste caso, é que o gestor agiu de acordo com o previsto no regulamento do fundo, e simplesmente errou a aposta. Ou seja, entre os possíveis resultados da gestão de um fundo, inclui-se a perda. E é preciso contar com isso na hora de escolher um fundo de investimento.

Por isso, ao selecionar um fundo, comece primeiro perguntando-se a si mesmo: “Estou preparado para as eventuais perdas que um fundo com esse nível de risco pode acarretar?” A análise do risco deve anteceder à análise do retorno, sendo mais importante do que este. O nível de risco do fundo deve ser compatível com o perfil de aversão a risco do investidor. Essa idéia parece óbvia, mas algumas obviedades merecem ser repetidas, pois são esquecidas com demasiada facilidade, principalmente quando as coisas correm bem.

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Lembro-me do caso de um investidor que soube, através de um ranking publicado em um jornal de grande circulação, que o fundo de renda fixa onde estava aplicado era dos mais arriscados do mercado. Ocorre que o fundo estava rendendo muito bem, pois era a fase das vacas gordas. Apesar disso, o investidor não teve dúvida: ligou para o seu gerente, e pediu explicações sobre o real risco do fundo, querendo saber por que havia sido indicado para ele, que tinha uma alta aversão ao risco. De nada serviram as argumentações do gerente, mostrando a rentabilidade do fundo. O investidor mostrou-se irredutível, e resgatou os seus recursos do fundo. Poucos meses depois, esse fundo foi dos que mais perderam, quando chegou a época das vacas magras.

Exemplos como esses são raros. Iludimo-nos com as promessas de ganhos, e ficamos insatisfeitos com rentabilidades (que julgamos) baixas. Ocorre que o risco não avisa a hora em que vai se materializar em perdas. E é preciso estar consciente de que o risco faz parte do jogo, para o bem ou para o mal.

1 Esta história, assim como várias outras sobre riscos dos investimentos, vem magistralmente contada no livro “Desafio aos Deuses”, de Peter Bernstein.

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Marcelo Guterman é professor do MBA de Finanças do Ibmec-SP e escreve mensalmente na InfoMoney, às sextas-feiras.
marcelo.guterman@infomoney.com.br