Caso Binance: vai falir? CEO pode ser preso? Veja respostas sobre o que aconteceu com a corretora

Binance é alvo de processos por parte de CFTC e SEC, reguladores do mercado de capitais nos EUA, que acusam empresa de infringir leis federais

Equipe InfoMoney

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A Binance, maior bolsa de criptomoedas do mundo, voltou aos holofotes nesta semana por um motivo negativo: a empresa virou alvo de um processo movido pela Securities and Exchange Comission (a SEC, comissão de valores mobiliários dos EUA). A empresa é acusada de infringir leis federais que regem as negociações de valores mobiliários no país.

Foi o segundo revés da exchange com reguladores americanos neste ano. No final de março, a Commodity and Futures Trade Commission (CFTC, que regula o mercado de derivativos) ingressou com uma ação na Justiça alegando que a Binance ofereceu serviços vedados a residentes nos EUA, além de ser complacente com atividades ilegais na plataforma.

Assim como em março, o processo da SEC mexeu com os mercados. O Bitcoin (BTC) recuou 5% e os ativos digitais como um todo perderam cerca de US$ 42 bilhões em valor de mercado logo após a notícia vir à tona na segunda-feira (5).

Confira, a seguir, as respostas às principais perguntas sobre o caso Binance.

O que aconteceu com a Binance?

A Binance é alvo de duas ações judiciais nos EUA, movidas pelos dois reguladores do mercado de capitais do país.

Na mais recente delas, a SEC aponta que a exchange e seu CEO, o sino-canadense Changpeng “CZ” Zhao, violaram a lei de valores mobiliários do país, e acusa o império cripto de 13 infrações, entre elas usar indevidamente fundos de clientes, mentir para as autoridades e operar de forma ilegal.

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Uma das bases da SEC é a alegação de que várias criptomoedas negociadas na Binance são, na verdade, títulos (securities) não registrados. O regulador menciona 12 criptomoedas, entre elas Cardano (ADA) e Polygon (MATIC).

A SEC também defende que várias empresas controladas por Zhao negociam na Binance, possivelmente contra os interesses dos clientes. Para assegurar fundos dos usuários, o regulador está buscando congelar recursos da Binance.US, braço norte-americano da corretora.

na ação, protocolada pela CFTC em março, a Binance é acusada de não cumprir com a obrigação de se registrar junto à agência para oferecer produtos derivativos a norte-americanos, em referência à oferta de futuros de criptomoedas.

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A Binance global, alvo do processo, não tem permissão para captar clientes no país, algo que é liberado apenas para a Binance US, braço da corretora com sede na Califórnia, e que não conta com ferramentas de derivativos.

Apesar disso, segundo o regulador, a Binance global tem uma operação de negociação de derivativos nos EUA, e a empresa, sob a liderança do CEO, instruiu clientes a burlarem sua localização por meio de VPN para ter acesso a serviços não permitidos.

“A Binance sabia que os clientes dos EUA continuavam a constituir uma proporção substancial da base de clientes”, disse o documento, citando relatórios mensais internos enviados a Zhao que diziam que, mesmo em junho de 2020, após os controles terem sido supostamente implementados, 17,8% dos clientes vinham dos EUA.

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Em comunicado, a Binance afirma ter ficado “desapontada” com a SEC porque estava recentemente em “discussões de boa fé” a respeito de um acordo para encerrar investigações em curso. A exchange nega as acusações e diz que vai se defender “vigorosamente”.

O que são SEC e CFTC?

SEC e CFTC são agências reguladoras que têm, juntas, os papeis atribuídos à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no Brasil. A autarquia brasileira é responsável pela supervisão tanto dos mercados de títulos quanto de derivativos — nos EUA, o primeiro é da alçada da SEC, e o segundo fica sob o guarda-chuva da CFTC.

As agências travam uma disputa pública pelo protagonismo na supervisão das criptomoedas nos EUA. Nos últimos meses, os chefes dos órgãos vêm dando declarações no sentido de enquadrar a maior parte dos criptoativos como commodities (para a CFTC) ou valores mobiliários (para a SEC).

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Jeffrey Blockinger, consultor jurídico da exchange descentralizada Vertex Protocol, disse à Bloomberg que o processo da CFTC contra a Binance pode ser, na verdade, uma consequência dessa briga de bastidor.

“Parece que esse processo pode indiretamente ser outro capítulo na competição regulatória entre a SEC e a CFTC – e aumenta ainda mais a nuvem de incerteza que atualmente paira sobre a indústria nos EUA”.

O caso se assemelha com o da FTX?

A nova crise levantou mais uma vez temores de que a Binance tenha o mesmo destino da FTX, corretora que faliu em novembro após deixar para trás um passivo estimado de US$ 10 bilhões, e milhares de credores, inclusive brasileiros. Isso porque o processo permite traçar pelo menos um paralelo entre os dois casos.

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Promotores dos EUA acusaram o fundador da FTX, o ex-bilionário Sam Bankman-Fried, de usar dinheiro de clientes para realizar operações (e perdido o capital) usando sua empresa de trading Alameda Research. No processo da CFTC, o regulador afirma ter encontrado mais de 300 “contas da casa” na Binance, levantando suspeitas de que a corretora realize negociações ocultas nos seus próprios sistemas.

A empresa nega. Em comunicado, CZ afirmou que a Binance “não negocia com fins lucrativos ou ‘manipula’ o mercado sob nenhuma circunstância”. Ele falou que a corretora tem parceiras que fornecem liquidez para pares de negociação menos líquidos que são “monitorados especificamente para não terem grandes lucros”.

Na última segunda-feira (5), no entanto, o presidente da SEC, Gary Gensler, endossou o discurso da CFTC e afirmou que há paralelos entre a Binance e a FTX.

“É como se a Bolsa de Nova York tivesse também um hedge fund que negociasse contra os interesses dos clientes. E mais: eles não têm controles próprios para evitar manipulação na plataforma”, afirmou em entrevista à Bloomberg. “Não é nem possível saber onde estão os fundos de clientes custodiados pela Binance. Você sabe que Zhao os controla, e ele pode movê-los para uma empresa-irmã”.

CZ pode ser preso?

Especialistas apontam que a Binance está diante de ações com acusações fortes, em parte pela implicação direta do CEO Changpeng “CZ” Zhao. O CEO com patrimônio líquido estimado em quase US$ 28 bilhões é acusado formalmente de “burlar as leis” dos EUA.

O processo da CFTC era visto como menos ameaçador para ele, mas a ação da SEC aponta supostas fraudes similares às cometidas por Bankman-Fried, que está em prisão domiciliar nos EUA. 

Além disso, o cenário ainda pode se agravar. O documento acusatório da CFTC traz evidências que, segundo fontes ouvidas pelo InfoMoney, podem ser usadas por outras autoridades para ingressar com novas demandas, inclusive na área criminal.

Segundo supostas trocas de mensagens internas da Binance obtidas pela CFTC e anexadas ao processo, o diretor de compliance da corretora até janeiro de 2022, Samuel Lim, teria conhecimento sobre atividades ilegais conduzidas por clientes da empresa — entre eles, estariam pessoas ligadas, por exemplo, ao grupo extremista Hamas.

Em fevereiro de 2019, afirma a CFTC no processo, Lim trocou mensagens com outro funcionário da empresa que brincou sobre a o limite baixo dado a um cliente supostamente envolvido com atividades ilegais: “mal dá para comprar uma AK47 com 600 dólares”, teria dito a pessoa.

Em fevereiro de 2020, Lim teria dito a outro interlocutor sobre clientes suspeitos da Binance. “Cara, por favor. Eles estão aqui pelo crime”, ao que emendou: “vemos os maus, mas fechamos os olhos.”

Em outro trecho do processo, a CFTC relata ter tido acesso a uma mensagem sobre um cliente cujas transações eram “intimamente associadas a atividades ilegais” e com “mais de 5 milhões de dólares originados indiretamente de serviços questionáveis”. Lim minimizou e recomendou que a pessoa abrisse uma conta nova, porque a antiga estaria “contaminada”, afirmam os reguladores.

Segundo o documento, CZ sabia dessas práticas.

Investidores no Brasil podem ser impactados?

Ainda é cedo para saber qual será o real impacto das ações movidas nos EUA, mas, no Brasil, a CVM já está se mexendo.

Em dezembro, mesmo antes de a CFTC e a SEC agirem, a autarquia brasileira abriu um novo processo administrativo sancionador contra a Binance para investigar a suposta prática irregular da empresa no mercado de derivativos. O InfoMoney informou em primeira mão que o “surgimento de novos fatos levou à reabertura do processo”.

No documento, o órgão citou uma investigação do site especializado Portal do Bitcoin, na qual um repórter criou uma conta com CPF e endereço brasileiros, e pediu ajuda do suporte para acessar derivativos, que são proibidos de serem ofertados no Brasil sem uma licença especial. Um funcionário da Binance teria oferecido auxílio para burlar o bloqueio da plataforma e acessar o recurso.

Segundo informações disponíveis no sistema da CVM, a Binance apresentou uma proposta de Termo de Compromisso que ainda está sendo avaliada pelo regulador. Segundo a assessoria de imprensa da autarquia, os prazos para análises variam de caso a caso, a depender da complexidade. Ainda não previsão de resposta por parte da equipe técnica.

A Binance não comenta investigações em andamento, mas enviou nota à imprensa afirmando que não oferece derivativos no Brasil, que atua em conformidade com o cenário regulatório local e “mantém permanente diálogo com as autoridades para desenvolvimento do segmento de cripto e blockchain no Brasil e no mundo”.

A Binance pode falir?

Para Tim Massad, ex-presidente da CFTC que agora é diretor do Projeto de Política de Ativos Digitais da Harvard Kennedy School, o processo movido pelo regulador nos EUA traz “um conjunto de alegações muito fortes”.

“Eles estão buscando uma liminar permanente contra os réus, de modo que impediria CZ pessoalmente, bem como a Binance, de fazer negócios nos EUA, basicamente de se registrar ou se envolver em transações de commodities nos EUA”, afirmou em entrevista à Bloomberg.

A Binance já chegou a dominar mais de 90% do mercado global de negociações de criptomoedas, somando trades à vista e derivativos, após a queda da FTX. Sua participação de mercado, no entanto, vem caindo.

Segundo levantamento realizado pela Kaiko, a Binance atingiu em maio 50% de market share nas negociações à vista (spot), a menor fatia em um ano. Já de acordo com a CCData, a participação da corretora no mercado spot recuou para 48%. O movimento, entretanto, teria sido impulsionado também pelo fim de um período promocional de “taxa zero” na plataforma.

Apesar da queda, a Binance ainda está em posição confortável diante da concorrência. Considerando os volumes de negociações à vista e em derivativos, a corretora movimenta cerca de US$ 75 bilhões em um dia, contra menos de US$ 50 bilhões de todas as outras 9 maiores corretoras somadas, segundo dados do CoinMarketCap.

Em relação às segundas colocadas, a Binance chega a ter oito vezes mais volume que a Coinbase (no mercado à vista) e quase três vezes mais do que a OKX (em derivativos).

Dessa maneira, mesmo que a empresa seja obrigada a fechar as portas nos EUA, ainda teria um negócio rentável globalmente. Segundo mensagens mencionadas pela CFTC no processo, menos de 18% da clientela da Binance vinha dos EUA em 2020.

Além disso, segundo fontes ouvidas pela Bloomberg, CZ já estaria planejando na sua sucessão à frente da Binance: o executivo Richard Teng, 52, com passagem pela bolsa de valores de Cingapura e pela Abu Dhabi Global Market, é o mais cotado para assumir o cargo de CEO, especialmente após os desafios regulatórios recentes enfrentados pela companhia.

Devo tirar meus ativos da Binance?

Muitos clientes da Binance retiraram recursos da corretora quando o processo da CFTC veio à tona em março. Na época, a corretora cripto registrou cerca de US$ 1 bilhão em saques em poucos dias.

Segundo o CEO, a corrida de saques foi menor do que às vistas após a queda da FTX, em novembro, e a interrupção da emissão da stablecoin da exchange, a Binance USD (BUSD), em fevereiro. “A Binance lida com bilhões de depósitos e saques diariamente. Vimos um pouco de saída líquida ontem, menor que os dias do ‘BUSD’ ou da ‘FTX’ ”, disse CZ na quinta-feira (30) via Twitter.

O movimento se estabilizou depois, mas voltou a acelerar nesta semana, após a medida da SEC. Nas 24 horas seguintes à abertura do novo processo, os clientes da corretora global e do braço da empresa nos EUA, a Binance.US, sacaram quase US$ 780 milhões em criptoativos, segundo dados da casa de análise Nansen.

Vale lembrar que criptomoedas depositadas em corretoras não estão cobertas pelo FGC (Fundo Garantidor de Crédito). Além disso, os ativos dos clientes não são legalmente separados do patrimônio da empresa, que tampouco tem presença formal no Brasil, o que dificultaria recuperação de recursos em uma eventual falência.

A Binance, por outro lado, afirma que os recursos de clientes estão protegidos por um fundo próprio avaliado em US$ 1 bilhão. A corretora segue funcionando normalmente.