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A Binance, maior exchange de criptomoedas do mundo, mesclou bilhões de dólares do caixa da própria empresa com recursos de clientes, disseram fontes familiarizadas com o assunto à Reuters. A suposta prática, que teria ocorrido entre 2020 e 2021, violaria exigência do mercado de capitais dos EUA e demonstraria, segundo especialistas, uma falta de controles internos da companhia.
Segundo reportagem publicada nesta terça-feira (23), uma das fontes ouvidas afirmou que recursos de clientes eram misturados ao patrimônio da corretora quase diariamente em contas no banco norte-americano Silvergate, um dos que entraram em crise em março deste ano.
Preocupações similares foram assinaladas no caso envolvendo a FTX, que faliu em novembro após roubo de fundos de clientes. Segundo a Reuters, no entanto, não há evidências de que valores de usuários da Binance tenham sido desviados.
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Não se sabe a frequência ou a quantia exata movimentada nos episódios de infração, mas há alguns exemplos. Em 10 de fevereiro de 2021, diz a Reuters, a Binance misturou US$ 20 milhões do seu balanço com US$ 15 milhões provenientes de depósitos de clientes.
Em comunicado à Reuters, a Binance negou misturar depósitos com fundos da empresa. “Essas contas não eram usadas para aceitar depósitos de usuários; elas foram usadas para facilitar compras [de criptos] feitas por usuários”, disse o porta-voz Brad Jaffe.
“Não houve mistura em nenhum momento porque são fundos 100% corporativos”, falou, ressaltando que os recursos de clientes que aparecem nos extratos não foram depositados diretamente pelos usuários, mas sim pela Binance. O dinheiro, disse, seria garantia para a emissão do token BUSD, indexado ao dólar. “Exatamente a mesma coisa que comprar um produto da Amazon”, disse Jaffe.
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O Silvergate, que está em processo de encerramento das operações, não se manifestou sobre o caso.
Comunicação dúbia
Ex-reguladores dos EUA ouvidos pela Reuters afirmam que a justificativa da Binance não se sustenta por conta de declarações anteriores da própria corretora.
Entre o fim de 2020 e ao longo de 2021, o site da empresa trazia uma mensagem dizendo que transferências em dólares eram “depósitos” que seriam “creditados” em suas contas na forma de BUSD. Usuários eram informados ainda que poderiam “resgatar” seus depósitos em dólares.
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Para os especialistas consultados pela reportagem, a linguagem usada pela empresa teria criado a expectativa de que os fundos dos clientes seriam protegidos da mesma forma que os depósitos bancários comuns.
À Reuters, a Binance afirmou que os termos usados eram apenas para fins de comunicação, e não se referiam ao tratamento técnico dado ao dinheiro.
Fuga dos bancos
Ainda de acordo com a reportagem, dados bancários da Binance referentes a 2021 mostram a compra de tokens BUSD utilizando recursos das contas analisadas. Duas fontes que conversaram com o veículo sob a condição de anonimato disseram que pelo menos uma das contas da corretora no Silvergate servia para receber depósitos de clientes. A Binance também nega.
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Outra pessoa com conhecimento sobre o funcionamento interno da Binance afirmou ainda que o CEO, o sino-canadense Changpeng “CZ” Zhao, teria alta desconfiança dos bancos e temeria que os recursos da empresa eventualmente fossem congelados — daí o desejo de converter dólares em criptomoedas.
No ano passado, a Binance teve R$ 450 milhões bloqueados judicialmente em meio a uma disputa com a fintech Capitual, que, até junto de 2022, fazia a ponte entre a exchange e o sistema bancário brasileiro. Neste mês de maio, a corretora obteve decisão favorável para reaver boa parte do montante, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) suspendeu decisão poucos dias depois.
Segregação
No Brasil, a obrigação de separação entre os patrimônios da instituição e dos clientes também é obrigatória para bancos e fundos de investimento, por exemplo. A chamada segregação patrimonial, no entanto, acabou ficando de fora do marco legal das criptomoedas aprovado no ano passado, em decisão que teve o apoio majoritário das corretoras cripto estrangeiras, como a Binance.
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A guarda-chuva legal dos criptoativos tem previsão de entrar em vigor no próximo mês, mas sem muitos efeitos práticos, já que ainda não há regras específicas para reger o setor. As normas deverão ser editadas pelo órgão regulador que ainda deverá ser definido pelo Poder Executivo — o nome mais forte é o do Banco Central.