Binance cometeu crime? Fundador pode ser preso? O que esperar após investigação na CVM e MPF

Em entrevista ao Cripto+, advogado apontou as possíveis consequências que a gigante cripto pode enfrentar no Brasil

Paulo Barros

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A corretora de criptomoedas Binance virou recentemente alvo de pelo menos duas novas investigações no Brasil, agravando a crise que a empresa começou a enfrentar nos Estados Unidos em 2023.

No final de março, ela foi processada pela Commodity and Futures Trade Commission (CFTC), agência reguladora que supervisiona o mercado de derivativos nos EUA, pela suposta oferta irregular de produtos financeiros no país.

Agora, a exchange se vê diante de um processo movido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) além de uma investigação conduzida pelo Ministério Público Federal (MPF) para apurar possível prática criminosa. Confira, a seguir, tudo o que se sabe até agora sobre o caso e quais consequências a maior bolsa de ativos digitais do mundo pode sofrer.

Acusações da CVM

A CVM reabriu uma investigação contra a Binance que havia sido fechada no ano passado sobre a suposta oferta irregular de derivativos para brasileiros. A autarquia emitiu uma “stop order” (ordem para interromper oferta) contra a empresa ainda em 2020, mas, em 2022, não viu mais elementos para dar prosseguimento ao caso.

Na época, a autarquia disse que teria ficado satisfeita com a solução oferecida pela Binance: o site acessado no idioma português brasileiro não oferecia mais acesso aos derivativos, que nesse caso eram principalmente os futuros de criptomoedas.

Ao InfoMoney, a CVM afirmou que o “surgimento de novos fatos levou à reabertura do processo”. O documento, ao qual a reportagem teve acesso, mostrou que a CVM identificou uma suposta tentativa de burlar as regras do mercado de capitais ao continuar permitindo o acesso de brasileiros a produtos proibidos.

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Por que a CVM mudou de ideia?

A CVM abriu contra a Binance o que se chama de Procedimento Administrativo Sancionador, que pode levar a uma punição contra a empresa por infringir a norma que rege a oferta de derivativos no Brasil — apenas a B3 tem licença para ofertar esse tipo de produto no país.

“De acordo com a gravidade da conduta, com a recorrência, o impacto, e até mesmo fatores externos como a repercussão no mercado, tudo isso é levado em conta”, explicou o advogado e professor Isac Costa, ex-analista da CVM, em entrevista ao Cripto+ (assista à íntegra no vídeo acima).

O órgão citou uma investigação do site especializado Portal do Bitcoin, na qual um repórter criou uma conta com CPF e endereço brasileiros, e pediu ajuda do suporte para acessar a funcionalidade de derivativos. Um funcionário da Binance teria oferecido auxílio para o usuário alterar o idioma para português de Portugal e, assim, acessar a função.

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Além disso, o presidente da CVM, João Pedro Nascimento, que tomou posse há menos de um ano, também é apontado como um dos responsáveis pela guinada da autarquia nesse caso, por estar observando mais de perto o mercado cripto.

Na visão de especialistas, embora o processo da CFTC especificamente não tenha influenciado a CVM (a Binance foi citada entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023), o clima de pressão regulatória nos EUA contra o setor de ativos digitais, que vem desde o ano passado, também teria contribuído para a mudança de entendimento do regulador brasieleiro.

O que esperar do processo administrativo?

O processo da CVM pode ser resolvido de forma consensual, por meio de um termo de compromisso. Em geral, um acordo como esse envolve o desembolso de algum valor em dinheiro (que não seria caracterizado como multa) e uma eventual mudança de processos internos junto com a promessa de que a prática apontada pelo regulador seja cessada.

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Se isso acontecer, o processo é encerrado e a Binance não precisa admitir que cometeu alguma infração.

No entanto, dado que a corretora seria reincidente, está na mesa a possibilidade de a CVM levar o caso a julgamento. Nesse cenário, a empresa pode ser obrigada a de fato admitir culpa, pagar multa e a provar que brasileiros realmente não podem mais ter acesso a derivativos por meio da plataforma.

Acusações podem levar empresa a fechar as portas?

Pelo que se sabe até o momento, qualquer que seja o resultado do processo aberto pela CVM, a Binance não poderia ser impedida de oferecer serviços a brasileiros. A autarquia poderia barrar a oferta de futuros de criptomoedas, mas as negociações comuns não seriam afetadas, pois a regulação de ativos virtuais não está inserida na competência do órgão.

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“O pior caso seria a aplicação de multa e a obrigação imposta pela CVM de que essa prática que venha a ser considerada como ilícita cesse”, explicou Costa.

Por outro lado, ressaltou o advogado, é possível que uma eventual condenação tenha um efeito colateral: empresas que fazem a ponte da Binance com o sistema financeiro brasileiro podem se afastar da empresa diante de uma possível crise reputacional, fazendo com que a corretora volte a ter problemas para executar depósitos e saques em reais.

No ano passado, em meio a uma disputa com a fintech Capitual, sua então parceira, a Binance ficou cerca de um mês sem processar transferências bancárias de e para brasileiros.

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Binance cometeu crime? MPF e PF estão envolvidos?

Após investigar o caso de oferta irregular de derivativos no Brasil, a CVM encaminhou pedido de investigação ao Ministério Público Federal por entender que há “indícios de crimes de ação penal pública”. Mas quais crimes seriam esses?

O processo corre sob sigilo, mas, para o advogado Isac Costa, é preciso ponderar a real gravidade de eventuais acusações. Como a CVM só tem competência administrativa para imposição de multas, ela costuma comunicar a autoridade para as diligências que precisam ser feitas, como possível abertura de inquérito e oferecimento de denúncia.

No caso de uma oferta de derivativos sem registro, a Binance pode incorrer em alguns dos tipos penais previstos na lei contra crimes contra o sistema financeiro nacional, conhecida como “lei do colarinho branco”.

“É basicamente sobre exercer atividades reguladas sem a devida autorização do Estado”, explicou o professor do Ibmec e Insper. “É o que a gente chama de crime formal, porque você ultrapassou um limite de uma conduta sem ter a chancela do Estado”.

Ainda não é possível afirmar que a Polícia Federal já está investigando a Binance. Como o MPF foi provocado primeiro, é possível que o órgão esteja conduzindo uma investigação própria e só encaminhe um pedido de abertura de inquérito para a PF ao final do procedimento. Se a PF for provocada pelo MPF, ela não pode se negar a abrir inquérito, mas ainda não é possível saber em que fase está o processo.

Fundador pode ser preso?

Ainda é cedo para dizer se a Binance pode ser alvo de inquérito na PF, se vai ser acusada formalmente e, ainda mais, se será condenada. De qualquer modo, a “lei do colarinho branco” prevê, para o crime de emitir, oferecer ou negociar títulos ou valores mobiliários sem autorização prévia, pena de reclusão de dois a oito anos, além de multa.

As atenções para uma ação mais rígida contra a empresa, no entanto, estão voltadas para os Estados Unidos. Nos bastidores do mercado cripto, executivos dão praticamente como certo que a Binance será alvo de uma ação criminal por lá.

O motivo é a gravidade de alguns dos trechos da peça acusatória do processo ingressado pela CFTC, que sugerem conivência com a prática de crimes por meio da plataforma — inclusive por parte do grupo extremista Hamas.

Esses elementos não devem ser levados em conta no processo que mira a oferta irregular de derivativos nos EUA (acusação muito similar à feita pela CVM no Brasil), mas podem alimentar uma ação por parte do Departamento de Justiça americano.

O resultado de um processo como esse, no entanto, também pode significar apenas a saída da Binance dos EUA. Observadores do mercado duvidam que a gigante fundada pelo sino-canadense Changpeng Zhao seja minada ao ponto de cair como a FTX, ou que “CZ”, como ele é conhecido, acabe atrás das grades.

O caso Binance é igual ao da FTX?

As acusações enfrentadas pela Binance são diferentes daquelas feitas contra a FTX, exchange que faliu em novembro. Autoridades dos EUA apontam que os executivos da FTX teriam utilizado dinheiro de clientes para operar com alta alavancagem, e perdido tudo quando o mercado ruiu — o golpe final foi a onda de dúvidas sobre o token FTT, da corretora.

A Binance também tem um token próprio, o BNB e nunca passou por uma auditoria realizada por empresa reconhecida mundialmente, mas não é acusada de utilizar recursos de clientes. Além disso, até aqui, a empresa vem se mostrando capaz de resistir a ondas de saques.

O que diz a Binance

A Binance se posicionou por meio da nota a seguir, reproduzida na íntegra:

“A Binance não comenta investigações em andamento, reitera que não oferece derivativos no Brasil, que atua em conformidade com o cenário regulatório local e mantém permanente diálogo com as autoridades para desenvolvimento do segmento de cripto e blockchain no Brasil e no mundo.”

Paulo Barros

Jornalista pela Universidade da Amazônia, com especialização em Comunicação Digital pela ECA-USP. Tem trabalhos publicados em veículos brasileiros, como CNN Brasil, e internacionais, como CoinDesk. No InfoMoney, é editor com foco em investimentos e criptomoedas