SÃO PAULO – O investidor de renda fixa brasileiro está acompanhando de perto as oscilações em produtos tidos como conservadores. O estresse gerado pela pandemia do coronavírus gerou um movimento de forte reprecificação dos papéis de crédito privado em março, com o aumento dos resgates pressionando os preços para baixo e os prêmios pagos para cima.
E a continuidade da queda da taxa básica de juros, com a Selic caminhando para um patamar abaixo de 3% ao ano e sem pressão inflacionária no horizonte, tem sido acompanhada por um aumento da remuneração de produtos bancários com retornos em percentual do CDI, de forma que os ativos fiquem minimamente atrativos aos investidores, em tempos de Selic estruturalmente baixa.
Levantamento feito pela XP com base em produtos ofertados em sua plataforma e também em informações do buscador de investimentos Yubb mostra que o valor médio dos prêmios oferecidos pelos produtos bancários (como CDBs, LCIs e LCAs) se aproximou da máxima de 9% em março em papéis com retornos prefixados com prazos de dois anos – vencimento médio procurado pelos investidores. Em 2019, a maior taxa havia sido de 7,9%, no mês de agosto.
O movimento de abertura dos prêmios também pode ser visto nos papéis pós-fixados, com juros reais chegando à máxima de 3%, nos indexados à inflação, e a 145% do CDI, nos pós-fixados atrelados ao referencial, em abril. No último ano, os maiores prêmios registrados foram de 4,39%, em outubro, e de 134% do CDI, em dezembro de 2019.
O estudo levou em conta produtos de cerca de 70 emissores e 25 distribuidores e analisou os rendimentos de papéis com até sete anos de vencimento nos últimos 12 meses, quando a taxa Selic caiu de 6,50% para 3,00% ao ano.
Confira a seguir como se comportaram os retornos médios de produtos bancários com vencimentos em 24 e 36 meses, no último ano.
Entre as opções disponíveis, o que faz mais sentido no atual cenário? Apostar em papéis com retornos prefixados, com rendimentos conhecidos no momento da compra, ou buscar títulos com rentabilidades pós-fixadas, como os atrelados ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou ao CDI?
Seja em ativos de crédito bancário ou corporativo (como debêntures), a avaliação de gestores é de que há oportunidades nos dois tipos de produtos, com variações de acordo com o prazo de investimento e a disposição a risco a ser assumida.
Enquanto alguns preferem prefixados mais curtos, para aproveitar os prêmios mais elevados em um cenário de inflação baixa, outros gostam das aplicações pós-fixadas com prazos de até cinco anos, que podem proteger a carteira em um cenário de aceleração da inflação após a crise, dados os fortes estímulos econômicos adotados para minimizar os impactos da Covid-19. Nenhum dos gestores consultados gosta de produtos com vencimentos no longo prazo, dado o cenário ainda muito incerto.
Oportunidades
Na avaliação de Luiz Nazareth, diretor de produtos e investimentos da Azimut Brasil Wealth Management, a inflação deve ficar controlada em um horizonte de 18 a 24 meses e as taxas de juros devem continuar baixas por um período mais longo do que nos ciclos anteriores.
De acordo com o relatório Focus, do Banco Central, mais recente, é esperada uma alta de 1,57% da inflação neste ano e de 3,14% no próximo. Já a Selic deve encerrar 2020 em 2,25% ao ano, subindo para 3,29% em dezembro de 2021, e 5,13%, em 2022.
Apesar de as expectativas para juros e inflação se mostrarem benignas no horizonte, o ambiente ainda incerto, por conta do coronavírus, faz com que a Azimut prefira papéis de crédito bancário mais curtos, com prazos até 2023, nos prefixados, e até 2024, na parte de inflação.
“A abertura de spread foi muito grande, um movimento técnico que deve mostrar acomodação ao longo do tempo, como já vem mostrando, mas ativos de grandes instituições financeiras estão negociando entre 135% e 150% do CDI, caso das letras financeiras perpétuas com duração mais longa”, diz.
As letras financeiras subordinadas perpétuas são aquelas de maior risco, utilizadas por instituições financeiras para compor o chamado patrimônio de referência, medida de capital usada para determinar a saúde financeira de um banco e sua capacidade de alavancagem.
A avaliação é compartilhada por Stefan Castro, gestor de renda fixa da AF Invest, que também vê oportunidade nas ofertas de letras financeiras de crédito com vencimentos mais curtos, de dois a três anos, seja pela previsão de maior capacidade de pagamento das empresas, como para não ficar sujeito à remarcação caso o mercado primário venha com um novo nível de spread.
Em outras palavras, o gestor prefere evitar um horizonte mais longo que, em meio à crise, possa levar a uma nova abertura das taxas nas emissões de papéis – o que não seria vantajoso para aquele investidor já posicionado. “O mercado ainda vai mexer muito no prêmio, então não é preciso travar um prazo mais longo”, diz.
O gestor também cita papéis de inflação com prazos de 2022 e 2023, como debêntures incentivadas que paguem IPCA+3% ou IPCA+4% ao ano – que, além da isenção de Imposto de Renda, podem proteger o investidor em caso de uma aceleração da inflação, ainda que este não seja o cenário da casa no curto prazo.
“O investidor precisa ter cautela nesse momento, porque não se sabe como vai ser a retomada econômica. Por isso, é preciso manter uma posição balanceada que possa se beneficiar independentemente do cenário”, afirma Castro.
De acordo com o levantamento da XP, o prêmio médio pago por produtos bancários prefixados com prazo em 2022 é de 4,9% em maio, enquanto aqueles indexados ao CDI oferecem, em média, uma taxa de 114,5% do CDI, e os atrelados ao IPCA, um prêmio de 1,8% ao ano.
Quando o prazo aumenta para sete anos, assim como os riscos aumentam, os rendimentos naturalmente crescem. Chegam à média de 10,4%, nos prefixados, de 5,4%, nos indexados à inflação, e a 126%, nos atrelados ao CDI.
Crédito bancário x crédito corporativo
Apesar de ver papéis atrelados ao CDI negociando a taxas elevadas no mercado de crédito bancário, o gestor da AF Invest afirma que, quando analisa a Selic estimada para o fim deste ano, vê que o retorno ainda será baixo e, por isso, enxerga mais valor em papéis corporativos.
Ele conta que observou em março, em meio ao fluxo de venda do mercado, títulos que passaram a ser negociados em um patamar de spread parecido independentemente do prazo de vencimento.
“Debêntures de mesmo emissor com prazo de um ano e meio a dois anos estavam com o mesmo spread de duration [prazo médio mínimo do investimento] de quatro a cinco anos”, lembra.
É o caso de distribuidoras e geradoras de energia, como AES Tietê e Equatorial, que ofereciam para 2023 os mesmos prêmios que para vencimentos mais longos, como 2027, diz.
Uma assimetria entre risco e retorno interessante pode ser encontrada, segundo ele, em papéis com prêmios na casa dos CDI+3% ao ano e CDI+4% ao ano.
A avaliação é que de há um espaço para a contração do spread, com fechamento (queda) das taxas retornando a níveis antes do impacto de março, o que levaria os prêmios para um patamar de CDI+2% ou CDI+2,5%.
Enquanto nos papéis pós-fixados de crédito corporativo Castro ainda vê prêmio na curva de juros para o prazo de até dois anos, nos prefixados, a preferência é por papéis com vencimentos de até um ano e meio.
É importante lembrar, contudo, que as debêntures são ativos de maior risco e que não contam com a garantia do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), então é preciso ainda mais seletividade na escolha.
Como escolher
Na seleção de produtos bancários, além de o investidor ter bem claro qual seu objetivo com o produto, ele deve escolher instituições mais sólidas e analisar a classificação de risco das emissoras, avalia Rogério Nakata, planejador financeiro com certificação CFP.
Ele explica que, quanto mais próximo do rating “AAA”, mais seguro é o emissor. “Mas é uma foto do momento, não significa que vai ser assim por toda a duração do papel; é um termômetro a mais para verificar se o risco de crédito é alto ou baixo”, diz.
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Com relação aos bancos médios, que costumam oferecer prêmios mais elevados do que os “bancões”, Nakata afirma que a aplicação pode fazer sentido, desde que se respeite a cobertura do FGC – limitada a R$ 250 mil por CPF e instituição financeira – e que o investidor conheça o produto e esteja ciente dos riscos.
“Pode ser que algumas dessas instituições, em função da pandemia, tenham dificuldade para honrar o compromisso com os credores. Além disso, o tempo de duração da pandemia e a questão fiscal do país podem afetar o preço desses ativos”, diz.
Por mais que a garantia do FGC forneça certa tranquilidade ao investidor, ele também deve analisar o histórico do emissor, o ramo de atuação e não operar só pela taxa, mas pela qualidade de crédito da instituição, destaca Nazareth, da Azimut.
Portfólios mais defensivos
Na avaliação de Arturo Profili, sócio fundador da Capitânia, após o movimento de reprecificação dos papéis, o mercado de crédito privado está “cicatrizando”, com uma liquidez e dinâmica de preços caminhando para a normalidade.
Nos fundos de crédito da asset, os meses de março e abril foram de ajuste de posições para aumentar a liquidez e atender aos resgates dos cotistas.
Em abril, o fundo Capitânia Crédito Privado FIC, com resgate D+1, teve baixa de 2,7%, enquanto o Capitânia Premium FIC FIRF CP, com resgate D+45, teve desempenho negativo de 1,1%. No ano, os fundos acumulam perdas de 3,6% e 1,6%, respectivamente.
Entre as principais mudanças, Arturo cita a saída de papéis isentos, como debêntures de infraestrutura e Certificados de Recebíveis Imobiliários, e a entrada em outros tipos de debêntures indexadas ao CDI.
Enquanto nas emissões primárias o gestor busca um retorno de 2,5% a 4,5% acima do Tesouro IPCA+, no mercado secundário, os prêmios esperados são da ordem de 3% a 6% acima do mesmo benchmark.
Isso porque, para valer a pena o risco, o produto deve pagar um prêmio sobre títulos públicos, que são considerados os mais seguros do país. Atualmente, os papéis do governo com prazo em 2026 oferecem prêmios na casa dos 3%, nos indexados à inflação, e de 6,8%, nos prefixados. Já aqueles com juros semestrais e vencimentos mais longos, como 2030 e 2031, pagam IPCA+3,6% e 7,3%, respectivamente.
Na Capitânia, a preferência é por papéis pós-fixados indexados à inflação e, diferentemente da AF Invest, por produtos com duration de três a cinco anos. Profili conta que evita papéis de empresas com endividamento no curto prazo, por conta da possibilidade de refinanciamento da dívida.
Em meio à pandemia, a Capitânia tem optado por ativos mais defensivos, com cerca de 50% do portfólio dos fundos em papéis de energia elétrica, rodovias, portos e saneamentos.
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