SÃO PAULO – No dia 29 de junho, “em decorrência do movimento de redução da Selic”, a gestora de recursos Claritas anunciou o corte da taxa de administração de seu multimercado Hedge FIC FI Longo Prazo.
Prática comum na indústria, até então o fundo cobrava 2% de taxa de administração, reduzida agora para 1,5% ao ano, mais 20% de performance sobre o que excede o CDI.
Embora sempre bem-vindo, o movimento ainda é isolado dentro do setor. Entre 76 fundos multimercados que encerraram o ano passado com uma taxa de administração de 2%, com 20% de performance, apenas dois reduziram a cobrança durante o primeiro semestre de 2020, segundo dados extraídos da plataforma Economatica.
Além da Claritas, somente a Garin Investimentos diminuiu de 2% para 1,5%, na virada de fevereiro para março, a taxa de administração do multimercado “Special”.
Para o levantamento, foram considerados apenas multimercados não exclusivos com patrimônio médio superior a R$ 100 milhões nos últimos 12 meses, mais de 99 cotistas e histórico de pelo menos 12 meses, até junho.
Além disso, foram excluídos fundos com taxa de administração inferior a 2%, para que entrassem na amostra apenas multimercados com taxa de performance, deixando de fora produtos sem uma gestão ativa, como, por exemplo, os que investem em ouro ou aqueles indexados ao índice acionário americano S&P 500.
O novo patamar da Selic foi a principal razão apontada pelas duas gestoras para a decisão. No entanto, mesmo com a perspectiva de que a taxa básica de juros seguirá bem abaixo do padrão histórico nos próximos meses, especialistas do mercado não acreditam na redução da cobrança entre os multimercados como uma tendência no setor.
Maior tomada de risco
Paulo Tenani, chefe de pesquisa da Aqua Wealth Management e professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EESP), diz ser mais provável a carteira desses fundos se tornar mais agressiva do que haver uma redução de taxas em larga escala. Mesmo porque os custos para se manter uma gestora de pé não são irrisórios, lembra o especialista.
Por isso, diz Tenani, o investidor terá de prestar cada vez mais atenção para identificar os multimercados que de fato estão entregando uma gestão ativa, explorando classes diversas, no Brasil e no exterior.
“No mercado internacional, os hedge funds têm uma volatilidade próxima à dos fundos de ações”, diz o chefe de pesquisa da Aqua.
No Brasil, os multimercados, grosso modo, têm um nível de risco apenas pouco acima do CDI, acrescenta o especialista. “Os gestores locais estão muito confortáveis nessa zona, e vão ter que sair dela.”
Thomás Gibertoni, gestor de carteiras da Portofino Investimentos, concorda com Tenani. Para ele, o maior impacto da Selic baixa para os multimercados será a necessidade de uma gestão mais ativa. “O investidor vai cobrar mais do gestor, que terá de se profissionalizar cada vez mais.”
De fato, em uma análise dos últimos 36 meses, encerrados em junho, fica claro o quanto o nível de risco assumido pelos gestores pesa para o desempenho final entregue pelo multimercado ao investidor.
O fundo com a maior rentabilidade no período, entre os que atendem aos critérios do levantamento, foi o Versa Long Biased, que subiu quase 390% nos três anos, até junho, com uma volatilidade anualizada de 57,4%.
Também com um nível de risco elevado, de 32,6%, o fundo XP Long Biased 30 teve rentabilidade de 44,2%, de junho de 2017 a junho de 2020.
No entanto, o simples fato de ter uma volatilidade baixa não impede alguns multimercados de alcançarem um retorno de destaque, como é o caso do Itaú Hedge Plus Vértice, cujo rendimento foi de 65,3% em 36 meses, com uma volatilidade anualizada de 5,01% no período. Vale mencionar ainda o Occam Retorno Absoluto, que rendeu 44,3%, com uma volatilidade de 5,7%.
Por outro lado, entre os multimercados do estudo com os menores retornos em 36 meses, o Távola Long & Short teve valorização de 22%, com uma volatilidade anualizada de apenas 1,92%, enquanto o Santander FIC FI Multiestratégia rendeu 11,81%, com uma volatilidade de 2,6%.
Ainda no grupo dos multimercados com os menores retornos nos últimos 36 meses, chama a atenção a presença do CSHG Verde Am Beta 14, que teve uma rentabilidade de 20,8% no período, apenas pouco acima dos 19,4% do CDI, com uma volatilidade de 23,7%.
Importante lembrar que retorno passado não é garantia de rentabilidade futura, mas é interessante analisar o desempenho histórico dos fundos para observar sua consistência.
Prática global
Gibertoni, da Portofino, não acredita em mudanças radicais na tabela de preço das gestoras locais em função da Selic em 2,25%. Ele lembra que, no mercado americano, mesmo com um juro bem abaixo do brasileiro, o modelo de cobrança “2% com 20%” segue predominante entre os “hedge funds”.
Uma taxa elevada normalmente se justifica por uma equipe qualificada, que depende da remuneração para ter uma estrutura adequada, afirma o especialista da gestora de patrimônio.
“Fundos com taxas muito menores normalmente têm estruturas não tão parrudas como deveriam, e não necessariamente vão entregar o que se espera.”
Tenani, da Aqua, também diz ser mais provável um aumento no nível de risco das carteiras dos multimercados do que uma redução de taxas. Ele lembra que a estrutura de rebates para remunerar toda a cadeia envolvida drena parte relevante da cobrança.
No limite
Na Garin Investimentos, da taxa de administração de 1,5%, cerca de 40% é destinada à remuneração dos parceiros comerciais. “Com os 60% restantes, pagamos nosso custo fixo”, afirma Ivan Kraiser, gestor chefe da casa.
Nessa estrutura, a taxa de performance, quando o fundo vai bem, é o que garante uma remuneração adicional. Até por isso, diz o gestor da Garin, não está nos planos qualquer tipo de alteração na cobrança.
“Já reduzimos a taxa de administração. Se reduzirmos a de performance também, o negócio começa a deixar de ser interessante”, diz Kraiser, acrescentando que a Garin não pretende aumentar a volatilidade do multimercado “Special” por conta da Selic nas mínimas, daí a decisão de reduzir a taxa de administração no inicio do ano.
O “Special” é um multimercado de volatilidade moderada – nos últimos 36 meses, até junho, rendeu 36,09%, com volatilidade de 3,50%, ante variação de 19,39% do CDI no período. Já em 12 meses, a rentabilidade foi de 12,82%, para uma volatilidade de 4,60%, e contra um retorno por coincidência também de 4,60% do benchmark.
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