Empresas correm e antecipam dividendos antes de 2023 acabar; por quê?

Companhias que não costumam adiantar resultados adotaram essa via para aumentar remuneração ao acionista

Paulo Barros Mariana Segala

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O ano está chegando ao fim, e as empresas brasileiras parecem ter pressa para entregar valor aos acionistas. Novembro foi o terceiro mês com mais anúncios de distribuição de dividendos e juros sobre capital próprio (JCP) em 2023 – e não apenas isso. Foi também o mês em que uma tendência verificada antes se intensificou: os adiantamentos de resultados.

A quantidade de anúncios envolvendo antecipação de proventos quase triplicou entre 2022 e 2023. No ano passado inteiro, 22 documentos sobre distribuição de dividendos mencionavam explicitamente que os valores eram um adiantamento por resultados futuros, ou 3% do total. Nesse ano, até dia 6 de dezembro, o número já alcançava 61 – ou 11% do total.

Os dados foram levantados pelo MZ Group a pedido do InfoMoney e consideram todos os avisos aos acionistas e fatos relevantes sobre distribuição de dividendos e JCP arquivados pelas empresas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 2022 e 2023. Os casos de adiantamento foram considerados quando os documentos mencionavam a antecipação de resultados.

Normalmente, os dividendos referentes a um exercício completo só são distribuídos depois da divulgação do balanço daquele ano, o que ocorre até o fim de março do ano seguinte. Em 2023, mais empresas optaram por fazer isso com o exercício ainda em curso.

Foi o caso, por exemplo, de gigantes da Bolsa como Vale (VALE3) e Petrobras (PETR3; PETR4). No fim de outubro, a mineradora avisou que pagaria proventos de R$ 1,57 por ação como “antecipação da destinação do resultado do exercício de 2023”. No começo de novembro, a estatal do petróleo fez o mesmo, anunciando proventos de R$ 1,34 por ação.

O pagamento da Vale ocorreu em 1º de dezembro, e os da Petrobras serão realizados em fevereiro e março de 2024.

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“Empresas consideradas boas pagadoras, com recorrência nas distribuições, já costumam fazer isso, mas a maior parte espera fechar o ano para só então fazer o pagamento”, diz Cassio Rufino, diretor de operações da MZ. Na sua visão, pode ser uma forma de “dar um agrado aos acionistas”, em um ano marcado por vaivéns no mercado e nos balanços das empresas.

“Elas parecem querer retornar valor aos acionistas, mesmo que não tenham tido o melhor resultado em 2023”, afirma.

Esse é o caso da Vulcabras (VULC3), empresa que fez quatro anúncios enquadrados pela MZ como dividendos antecipados. Com baixo endividamento e sem novas aquisições à vista, a companhia decidiu distribuir o caixa livre fazendo pagamentos extraordinários a acionistas.

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“A empresa continua com fome de crescimento, seja por via orgânica, com o lançamento de novas categorias, ou inorgânica, usando o caixa para uma aquisição. Mas não vamos crescer a qualquer custo. Sem projeto, o excedente de caixa muito provavelmente será convertido em dividendos extraordinários”, diz Wagner Dantas, diretor financeiro da fabricante de calçados.

JCP

Parte das razões para as antecipações vêm das discussões em torno das mudanças nos juros sobre capital próprio (JCP), avalia Werner Roger, sócio-fundador e CIO da Trígono. “Certamente influenciou”, diz, ressaltando o aumento nos anúncios de antecipações mais proeminente no começo do terceiro trimestre, justamente quando o assunto estava mais quente e até o fim do JCP era ventilado.

Mesmo sem o fim do benefício, previsto para ser reduzido conforme proposta incorporada à MP das subvenções, Roger espera que a corrida para distribuição se intensifique até o final do ano.

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“JCP ninguém vai represar, quem puder vai distribuir. Muitas empresas ainda vão anunciar até o final do ano, principalmente as estrangeiras, como a Engie”, apostava Roger em entrevista antes de o Conselho de Administração da Engie aprovar, na terça-feira (19), pagamento de JCP referente a 2023, com crédito em 31 de dezembro.

A opinião de que as mudanças no JCP foram causa das antecipações não é consensual. João Arthur Almeida, CIO da Suno Wealth, avalia que o crescimento é muito marginal para ser consequência das discussões sobre a tributação de proventos. Dados da plataforma Meu Dividendo apontam que, mesmo com as antecipações, o volume de proventos distribuídos no segundo semestre deve corresponder a uma fatia menor do todo em relação ao ano passado: 46% em 2023, ante 60% em 2022.

Para Almeida, o movimento de antecipações está mais ligado a uma expectativa também mencionada por Roger: com um 2024 possivelmente melhor para o mercado de capitais, as diretorias das empresas consideram recorrer a novas captações para realizar investimentos, e por isso decidiram distribuir o caixa represado.

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Menos proventos em 2024?

Para Rufino, do MZ Group, a antecipação de resultados em 2023 pode levar a pagamentos menos volumosos no primeiro semestre de 2024 – embora não considere o movimento de antecipação excessivo.

Já Roger, da Trígono, separa as projeções para o ano que vem em dois cenários: as distribuições de JCP dependerão mais das reações das empresas às mudanças do mecanismo que serão aprovadas pelo Congresso. Já os dividendos, esses sim deverão diminuir: quem adiantou em 2023 irá apurar o resultado e distribuir apenas proventos complementares.

Confira as empresas que realizaram ao menos um anúncio de proventos em 2023 referente a adiantamento de resultado do ano:

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EmpresaTickerProvento
Banco do NordesteBNBR3Dividendos e JCP
Blau FarmacêuticaBLAU3Dividendos e JCP
BrasilagroAGRO3Dividendos
BrisanetBRIT3Dividendos e JCP
CambuciCAMB3Dividendos e JCP
Centrais Elétricas de Santa CatarinaCLSC4Dividendos e JCP
ComgasCGAS3Dividendos e JCP
HabitasulHBTS5Dividendos e JCP
Aliança da BahiaPEAB3Dividendos e JCP
Siderúrgica NacionalCSNA3Dividendos e JCP
CSN MineraçãoCMIN3Dividendos e JCP
Fras-leFRAS3Dividendos e JCP
GerdauGGBDividendos e JCP
GrazziotinCGRA4Dividendos e JCP
GrendeneGRND3Dividendos e JCP
HyperaHYPE3Dividendos e JCP
IguatemiIGTA3Dividendos e JCP
IntelbrasINTB3Dividendos e JCP
JBSJBSS3Dividendos e JCP
Lojas RennerLREN3Dividendos e JCP
MelnickMELK3Dividendos e JCP
Metalúrgica GerdauGOAU4Dividendos e JCP
OdontoprevODPV3Dividendos e JCP
Raia DrogasilRADL3Dividendos e JCP
RandonRAPT4Dividendos e JCP
Solar BebidasDividendos e JCP
Telefônica BrasilVIVT3Dividendos e JCP
TimTIMS3Dividendos e JCP
VivaraVIVA3Dividendos
VulcabrasVULC3Dividendos e JCP
YduqsYDUQ3Dividendos
Fonte: MZ Group

Paulo Barros

Jornalista pela Universidade da Amazônia, com especialização em Comunicação Digital pela ECA-USP. Tem trabalhos publicados em veículos brasileiros, como CNN Brasil, e internacionais, como CoinDesk. No InfoMoney, é editor com foco em investimentos e criptomoedas