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SÃO PAULO – O ciclo de alta da taxa Selic em curso pelo Banco Central (BC) tem feito muito investidor voltar a se atentar para as oportunidades na classe da renda fixa, em especial para fundos de crédito privado, conhecidos por oferecerem um prêmio em relação à remuneração agora crescente do CDI.
Esses prêmios são spreads acima da taxa referencial que, segundo os gestores que atuam nesse segmento, oscilam hoje ao redor de 1,5% ao ano, quando o foco está nos títulos high grade, de menor risco e expectativa de retorno, mas que podem chegar mais perto dos 5%, no caso dos papéis high yield, de maior risco.
Com uma Selic projetada pelo mercado em trajetória ascendente, que hoje aponta para uma taxa de 6,5% até dezembro, de acordo com o mais recente relatório Focus, o retorno previsto para os fundos que compram títulos privados volta a se aproximar dos dois dígitos ao ano.
“Não me surpreenderia se os fundos de crédito high grade estiverem entregando retorno entre 8% e 9% em um horizonte de 12 meses”, diz Ulisses Nehmi, CEO da gestora de crédito Sparta.
Nesse cenário, a demanda dos investidores tem voltado com toda força, o que já tem inclusive ligado o alerta em alguns gestores quanto à capacidade de absorção da indústria, com veículos sendo fechados ou em vias de fechar.
“Existe uma diligência maior do mercado, dado o aprendizado com os episódios que ocorreram no passado”, diz Felipe Manfredini, sócio da área de distribuição de fundos da XP, em referência aos eventos de aumento abrupto da volatilidade na categoria em 2019 e 2020.
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Na ocasião, o susto tomado por muitos investidores desacostumados com oscilações negativas na renda fixa levou a uma corrida por saques, especialmente no caso dos fundos de alta liquidez com títulos de crédito high grade, quando os gestores se viram forçados a vender ativos de boa qualidade a qualquer preço, em uma espiral negativa.
Segundo dados da provedora de informações financeiras Economatica, em 2021, até 15 de junho, os fundos de crédito privado tiveram captação líquida de R$ 49,4 bilhões.
O resultado contrasta, e muito, com o observado nos anos anteriores. Em 2020, ano marcado pela fuga em massa da renda fixa, os resgates superaram os aportes em cerca de R$ 15 bilhões. E, em 2019, quando a renda fixa privada viveu seu primeiro grande chacoalhão, a captação foi positiva em R$ 24,3 bilhões.
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Distorções
Segundo Fausto Silva, gestor de renda fixa da XP Asset, o forte aumento de demanda dos investidores já tem começado a causar algumas distorções. Por conta da entrada massiva de recursos, prêmios para ativos de boa qualidade, que oscilavam mais próximos de 2% ao ano acima do CDI no fim de 2020, hoje estão mais perto de 1,5%. E essas são taxas relativas a operações de financiamento de longo prazo, de sete anos ou mais, assinala o gestor. “Percebemos alguns excessos sendo cometidos”, afirma Silva.
Ele acrescenta que, embora a situação financeira das empresas que usualmente acessam o bolso dos investidores esteja em geral até mais forte do que antes da pandemia pelo efeito de consolidação de mercado, é preciso considerar também que há incertezas importantes no cenário, como a inflação no âmbito global e local, bem como as eleições no Brasil em 2022.
Nesse cenário, Silva não descarta ter de fechar “em um futuro próximo” o fundo de debêntures incentivadas da gestora, estratégia que muitas vezes entra no radar do investidor pessoa física por conta da isenção fiscal.
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“Os prêmios nas emissões de papéis incentivados estão fechando [diminuindo] muito rápido, e começo a olhar com um pouco mais de ceticismo. Por isso que não descarto precisar fechar os fundos de papéis incentivados em um futuro próximo”, afirma o gestor da XP Asset.
Em maio, o fundo de debêntures incentivadas da XP somava R$ 930 milhões de patrimônio, contra uma média mais próxima de R$ 800 milhões no intervalo dos últimos 12 meses. No período, o fundo acumulou valorização de 10,3%, contra os ganhos de 4,2% do benchmark IMA-Geral.
De todo modo, o gestor da XP Asset entende também ainda ser cedo para cravar que o mercado de crédito privado está se movendo novamente para um ciclo em que o aumento de demanda achatará os prêmios de tal forma a causar uma saída em massa dos investidores, como em 2019 e 2020.
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Mas assinala que é o momento de estar atento e monitorar de perto a evolução das taxas, vis-à-vis o prazo das emissões, para analisar a relação entre risco e retorno na classe. E salienta ainda que cabe ao próprio mercado também assumir o papel de educar o investidor, e, quando julgar necessário, fechar fundos ante a perspectiva de entrega de retornos aquém daqueles propostos em seus mandatos, ou com a necessidade de uma assunção maior de risco.
1% ao mês
Quem já tem data para fechar é o fundo de crédito Meyenii, da Riza Asset. O fundo tem hoje patrimônio de aproximadamente R$ 500 milhões, e seu fechamento está previsto para o dia 30 de agosto. A expectativa é que, até lá, o volume suba para a casa de R$ 1 bilhão.
Segundo o CEO da Riza, Daniel Lemos, a gestora já vinha nas últimas semanas discutindo a ideia de fechar o fundo, e decidiu estender o prazo por mais algum tempo ante a demanda elevada que tem recebido de investidores interessados.
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Classificado pelo CEO da Riza como uma espécie de multimercado de crédito privado, o Meyenii tem uma cesta de diferentes ativos que inclui desde CDBs, CRIs e CRAs, até títulos high yield, passando ainda por operações estruturadas de empréstimo direto aos tomadores, conhecidas como direct lending.
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Nesse caso, dadas as características do produto, a expectativa é de um retorno de 4,5% a 5,5% ao ano, além do CDI. Com isso, o retorno composto projetado à frente, somado a Selic prevista para os próximos meses, já alcança a faixa dos 12%, ou algo como 1% ao mês, afirma Lemos.
O investidor em busca de retornos mais altos precisa, contudo, abrir mão da liquidez. O prazo de resgate do Meyenii é de 180 dias, e apenas para investidores qualificados pela legislação, que são aqueles com mais de R$ 1 milhão em aplicações financeiras.
Após o fechamento do fundo, a intenção da Riza é lançar um veículo que seguirá a mesma estratégia, mas de menor liquidez, em um modelo ainda a ser definido. Criado em 31 de março de 2020, o Meyenii acumulou rentabilidade de 9,1% no ano passado, contra os ganhos de 1,7% do CDI no intervalo. Em 2021, a alta é de 3,5%, ante 1,1% do referencial.
Fim da alta liquidez?
Se fundos com prazo de resgate mais extenso estão se vendo obrigados a fechar para calibrar a mão, no caso de produtos que oferecem maior liquidez, a medida se faz ainda mais necessária.
Cabe lembrar que foram esses os produtos que mais estiveram sob o escrutínio público do mercado durante os episódios de aumento da volatilidade nos dois últimos anos, por uma possível incompatibilidade entre a liquidez oferecida aos investidores com aquela dos ativos propriamente, evidenciada nos picos de estresse do mercado.
Na Icatu Vanguarda, o fundo que investe em ativos ultra high grade, o “Icatu Vanguarda Crédito Privado FIRF LP”, fechou para captação na segunda semana de junho, após bater a marca de R$ 1,6 bilhão de patrimônio, partindo de um patamar próximo de R$ 650 milhões em dezembro passado.
Criado em 2006, foi a primeira vez que o fundo foi fechado. Seu prazo de resgate é em D+1. No que tange à rentabilidade, o CDI foi superado em 2020 com um rendimento positivo de 3,38%, contra 2,76% do benchmark. Em 2021, até maio, o fundo rende 1,73%, ante 0,97% do referencial.
CEO da Icatu Vanguarda, Bernardo Schneider afirma que, devido ao ritmo de captação nos últimos meses, no dia 9 de junho a gestora optou por comunicar o mercado a intenção de fechar o fundo no fim de julho, ou quando a marca de R$ 1,7 bilhão fosse alcançada.
Em pouco mais de uma semana, o patrimônio, que estava próximo de R$ 1,5 bilhão, alcançou o limite estipulado. Seguem abertas estratégias de mandato semelhante, mas de menor liquidez, com prazo em D+30 e D+45. Não há a intenção da gestora de criar um veículo para substituir o produto recentemente fechado.
“Entendemos que nos momentos em que o mercado vive certa euforia como agora, preservar as características originais dos produtos é bastante importante e é algo que os nossos investidores enxergam com muito bons olhos”, diz Schneider, acrescentando que o prazo de liquidez do produto fechado exige um nível de diversificação condizente, com ativos de baixíssimo risco. “Temos uma preocupação muito grande com a volatilidade em produtos de alta liquidez”, diz o executivo.
A carteira do fundo de crédito fechado, afirma Schneider, conta com cerca de 110 emissores, com exposição média de 0,6% em cada papel.
Francisco Levy, da gestora de patrimônio Allea Wealth Management, afirma que, ao buscar fundos de crédito de alta liquidez, cuja proposta é seguir ou oferecer algum retorno adicional em relação ao CDI, um ponto importante que o investidor deve sempre considerar é o tamanho do patrimônio do produto.
Nos maiores da indústria, observa Levy, o risco de os cotistas sacarem os recursos todos ao mesmo tempo é sensivelmente menor em comparação a um fundo de menor porte.
“É preciso analisar o potencial de perda de liquidez em uma adversidade”, diz o gestor da Allea, que recomenda aos clientes diversificar o portfólio dedicado à renda fixa entre ativos de alta liquidez para a reserva de emergência, com uma parcela de crédito privado high grade, e uma fatia menor em títulos high yield. A proporção em cada uma das categorias, acrescenta, vai depender do perfil financeiro e do respectivo prazo do investidor para manter o dinheiro aplicado.
Espaço para mais
Com os fundos tradicionais da categoria de crédito que compram títulos de empresas dos mais diversos setores da economia sendo fechados, uma alternativa dentro do nicho da renda fixa que não dá sinais de esgotamento até aqui é a dos fundos imobiliários que investem em Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI).
No caso da gestora dedicada ao investimento em crédito privado Capitânia, por exemplo, os dados da Economatica mostram que, após resgates de R$ 700 milhões em 2020, o movimento foi completamente revertido nos últimos meses, com uma captação líquida positiva de quase R$ 1,4 bilhão em 2021, até 15 de junho.
Segundo Arturo Profili, sócio fundador da Capitania, o maior destaque de crescimento dentre os produtos na grade da gestora fica por conta justamente do fundo imobiliário de papéis.
“Com os fundos de lajes e shoppings mais afetados pela pandemia, o investidor pessoa física em busca de alternativas de investimento que pagam uma renda periódica viu nos fundos imobiliários de CRIs uma das alternativas mais resilientes”, diz Profili.
O fundo imobiliário Capitania Securities, aponta o gestor, acumula um dividend yield médio de 10,4% nos últimos 12 meses encerrados em abril, com uma base de cotistas tendo mais do que dobrado no período, próxima hoje dos 80 mil investidores. O patrimônio, por sua vez, soma quase R$ 1,75 bilhão.
“Como o fundo ficou bem grande, o investidor consegue entrar e sair a hora que quiser”, afirma Profili, que acrescenta não ter preocupações de precisar fechar neste momento qualquer um dos fundos da gestora, que tem hoje cerca de R$ 11 bilhões sob gestão.
A Capitânia comporta uma expansão de até quatro vezes seu tamanho atual, projeta o sócio fundador da gestora. O investimento recente da XP, diz, só reforça ainda mais as perspectivas animadoras para o crescimento do negócio em um cenário de alta dos juros.
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