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Um documento divulgado recentemente pela BlackRock – maior gestora do mundo, com cerca de US$ 10 trilhões de ativos sob gestão – dividiu opiniões entre especialistas do universo ESG (ambiental, social e governança).
No relatório BlackRock Investment Stewardship (BIS), publicado na semana passada, a gestora apontou que vai apoiar um número menor de propostas climáticas apresentadas pelos acionistas em assembleias, do que as que apoiou em 2021.
O motivo seria a postura de alguns destes acionistas – que segundo a BlackRock estariam indo longe demais ou tornando-se “ativistas” em excesso, com propostas que não têm o objetivo de criar valor no longo prazo para os investidores.
De acordo com o documento, a gestora global votou a favor de 47% das propostas dos acionistas (81 de 172) sobre assuntos sociais e ambientais. “As propostas eram coerentes com o longo prazo, a criação de valor para os investidores e não constrangiam indevidamente a gestão das companhias”, cita.
Nesta mudança de postura, em 2022, a gestora deve apoiar apenas propostas de acionistas que busquem maior transparência nas informações ou dados que lhes auxiliem a entender os riscos e oportunidades aos quais está exposta no longo prazo.
Em relação ao risco climático, a BlackRock reforça a importância dos planos de ação climática, com explicações claras de como a transição energética afetará o modelo de negócios e o desempenho financeiro das empresas no longo prazo – com apoio de informações quantitativas, como emissões de gases efeito estufa e metas de curto, médio e longo prazo para reduzi-las.
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“Apoiaremos propostas relacionadas ao clima que incentivem as empresas a fornecer aos seus investidores informações sobre como suas atividades político-corporativas apoiam sua estratégia de longo prazo”, aponta. “Por outro lado, não estamos propensos a apoiar propostas que se destinam a microgerenciar empresas, constranger na tomada de decisão do conselho ou gestão ou abordar assuntos que não estão relacionados à geração de valor no longo prazo aos acionistas”.
O mercado foi pego de surpresa pelo documento. A grande dúvida entre gestores, consultores e especialistas da área é se a BlackRock estaria deixando de lado os seus compromissos com as mudanças climáticas ou se precisou fazer um chamado à reflexão – mesmo que de forma abrupta – para separar o conceito de ESG do ativismo.
Larry Fink abandonou o seu propósito?
Para quem não lembra como isso tudo começou, foi em sua Carta aos CEOs, de 2020, que Larry Fink, CEO da BlackRock, advertia que o “risco climático era um investimento de risco”.
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Com grande influência entre as empresas do mundo, Fink lembrava aos CEOs das companhias investidas sobre o impacto do aquecimento global nas finanças. Ele se comprometeu a colocar a sustentabilidade no centro da filosofia de investimento da empresa.
Tempo depois, a BlackRock deixou de fazer apenas discursos e se tornou mais pragmática nos seus recados. A gestora passou a pressionar empresas em 2021 sobre políticas relacionadas aos direitos humanos, bem como biodiversidade, desmatamento e água.
Com a mudança de postura no último relatório, alguns especialistas ESG reclamaram que este era o pior momento para a BlackRock recuar de seus compromissos climáticos.
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Em uma carta direcionada a Larry Fink e publicada nas redes sociais, o gestor da FAMA Investimentos, Fabio Alperowitch, conhecido pela atenção que dá aos temas relacionados à sustentabilidade, questiona a mudança de postura.
Ele reforça que a ciência já deixou claro que não há mais tempo para procrastinação, hesitação e lentidão quando o assunto é mudanças climáticas.
“Seria maravilhoso que reconsiderasse sua recente posição e voltasse a lutar com afinco e contundência em prol de uma causa tão relevante e urgente”, destaca Alperowitch.
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Na carta, Alperowitch lembra que o poder de influência da BlackRock e de Fink neste debate acabou levando a pauta ESG para muitos agentes de mercado que anteriormente a rejeitavam. Segundo o gestor, se Fink não tivesse escrito a Carta aos CEOs em 2020, muitos participantes relevantes do mercado financeiro mundial seguiriam com uma postura “omissa” e “negacionista”.
“É importante observar que a carta não pode ser vista como um ato isolado. A carta vem acompanhada de responsabilidade: se muitos começaram a considerar questões climáticas a partir da sua provocação, é preciso reconhecer o tamanho da responsabilidade que você carrega em seus atos e ditos a partir dela”, destaca Alperowitch.
Segundo o gestor da FAMA, “a capitulação da BlackRock em um momento destes é um duro golpe na agenda climática, em uma batalha que Fink, espontaneamente, propôs-se a liderar”.
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Alperowitch destaca ainda o auge de empresas petrolíferas, como a saudita Aramco, que se tornou recentemente a companhia mais valiosa do planeta, desbancando a Apple, em um cenário em que se debate a redução de combustíveis fósseis. Ele também criticou a falta de compromisso dos grandes bancos internacionais que acabam financiando este tipo de projeto.
Mas Alperowitch não foi o único que ficou decepcionado com a nova postura da BlackRock. João Pacífico, CEO do Grupo Gaia, autodeclarado ativista, disse ao InfoMoney que se Larry Fink não tem consciência da urgência climática, então ele usou a questão ambiental somente como marketing. “Se Fink tem conhecimento do potencial problema que podemos ter, ele foi mercenário e covarde. Pelas atitudes prévias dele, acho que Fink tem consciência e se deixou levar pelo dinheiro”, destaca.
Segundo Pacífico, o retrocesso da BlackRock pode custar muito caro para a humanidade. Ele destaca que Fink é um grande influenciador, e por isso suas falas repercutem em ações de outros fundos e gestores. O resultado, então, poderia ser um efeito manada, principalmente daqueles que já eram pouco engajados com o debate ESG.
“O custo é acelerar o aquecimento global até um ponto que não exista mais retorno”, afirma.
Para Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, dedicado à política climática, tudo indica de que a BlackRock está indo em uma direção oposta à necessária, remando contra a ciência climática e distanciando-se das suas obrigações como agente fiduciário.
Já Hugo Bethlem, co-fundador e presidente do Instituto Capitalismo Consciente Brasil e CPO da consultoria ESG Bravo GRC, acredita que é difícil analisar com apenas um documento se a BlackRock está realmente dando um passo atrás – embora pareça isso.
Ele lembra que as cartas de Larry Fink foram mudando o mercado financeiro em relação ao capitalismo para stakeholders, trazendo questões como a necessidade de propósito, além do ganho financeiro. “Parece incoerente que quem mobilizou o mercado financeiro, cobrando mudanças relacionadas ao clima e ações de diversidade mais enfáticas, aponte no relatório que estava sendo restritivo sobre as empresas, e isso pode não promover valor aos acionistas no longo prazo”, comenta.
Para Bethlem, a melhor saída seria o debate, mudando o discurso – apresentando os reais impactos mudança climática na vida das pessoas, para além de números e dados – mas sem recuar.
Ele lembra que em sua carta deste ano, Fink fala sobre a criação de um conselho, uma estrutura para os stakeholders. “Então que seja criada essa plataforma e vamos debater. ESG deve ser diferencial colaborativo”, diz.
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E se for um chamado à reflexão?
Enquanto alguns especialistas em ESG ficaram decepcionados com a postura da BlackRock, outros acreditam que pode ser uma tentativa da gestora de chamar a atenção para questões também importantes nessa jornada de transição.
Ronald Bozza, sócio da BR Rating, destaca que Larry Fink vinha regularmente se comunicando com os principais CEOs de empresas e que esta postura não foi diferente em 2021, quando retirou US$ 400 bilhões de companhias que não cuidavam das questões ambientais, sociais e de governança.
“Ele fez aquilo porque por trás disso existe uma gama de investidores, formada por pessoas sérias, que são clientes da BlackRock e querem cumprir metas de investimento. E o dever fiduciário é preservar, ser o gestor de ativos e gerar resultados para esses investidores”, avalia.
Longe de ser um retrocesso, Bozza acredita que essa mudança de postura da gestora reforça este compromisso, mas também a percepção de que muitas empresas têm mascarado resultados, informações, em uma espécie de greenwashing, por conta do foco imediatista e na busca de investimentos.
“Essas empresas não têm uma visão ESG de longo prazo, então Fink novamente reaparece, chamando atenção para esse debate, orientando esses CEOs a fazer um trabalho mais sério”, comenta.
Bozza exemplifica que com os conflitos entre Rússia e Ucrânia, boa parte do suporte de energias de minas de carvão vai deixar de ser repassado para os países europeus, e nações como os Estados Unidos já ofertam xisto betuminoso, uma fonte de combustível mais poluente. “Isso é um retrocesso. Fink fala de ficar atento ao contexto geopolítico, porque as pressões do mercado de energia vão exigir dos acionistas uma atenção especial”, afirma o sócio da BR Rating.
Para Roberto Sousa Gonzales, sócio da consultoria iBluezone, o posicionamento da BlackRock foi necessário para separar a agenda ESG de uma agenda ideológico-partidária.
“A agenda ESG não deve ter um partido – de esquerda ou direta – ou ser apropriada pela corrente ideológica do mundo. Deve ser uma agenda de todo cidadão, em que todas as empresas precisam estar presentes, ser pragmáticas com o compromisso das mudanças climáticas e seus impactos no mundo”, afirma.
Segundo Gonzales, o relatório pode ter sido um sinal de alerta da BlackRock, de que algumas pessoas estavam misturando as coisas. “Pode não ter sido o melhor caminho, mas conseguiu chamar a atenção do mundo inteiro”. Segundo o especialista, é preciso entender que empresa não é ONG ou fundação, mas que tem a função social de dar lucro aos acionistas sem sonegação e sem prejudicar o meio ambiente, entre outros.
Para Sonia Consiglio, especialista em sustentabilidade e SDG Pionner pelo Pacto Global da ONU, embora a postura da BlackRock possa parecer uma espécie de retrocesso, ela faz parte de um modelo de transição.
Ela acredita que os investidores devem enxergar o recado de uma perspectiva macro, em que a gestora ainda mantém o seu compromisso com a agenda climática, que prega há vários anos, mas coloca também uma questão que é o comprometimento com o longo prazo.
“A gente está vivendo uma transformação de modelo, e isso não ocorre do dia para a noite. Vamos enfrentar dilemas, viver controvérsias como essa e, muitas vezes, teremos que dar um passo para atrás para avançar dois para frente”, comenta Sonia.
Segundo a especialista, o importante é ter a perspectiva de onde o debate ESG quer chegar. “Continuo entendendo que a BlackRock acredita que temos de migrar para uma economia de baixo carbono, que as empresas devem se comprometer com as questões climáticas, mas resolveram ir por uma linha mais soft (suave) ou reavaliaram o posicionamento”, destaca.
Ela reforça que é importante não ter posturas extremistas e construir uma transição, na qual muitas vezes será necessário lidar com fatos que parecem retrocessos, mas que fazem parte de uma decisão, e não esquecer do compromisso com a agenda macro.
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