WhatsApp Pay, Pix e o futuro da guerra das maquininhas

Entenda o que está por trás da decisão do BC de barrar o pagamento via redes sociais e o receio sobre o surgimento de super apps, como o chinês WeChat

Equipe InfoMoney

(ADragan/GettyImages)
(ADragan/GettyImages)

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SÃO PAULO – O lançamento do WhatsApp Pay no Brasil, ainda pendente da autorização do Banco Central, promete acelerar a transformação de um dos mercados mais efervescentes da economia: a indústria de meios de pagamentos e de transferências.

Hoje já é possível transferir dinheiro e fazer pagamentos por meio de mensagens, com poucos cliques ou simplesmente direcionando a câmera do celular para ler o QR Code da loja ou da tela – só lembrar das doações nas lives de artistas na pandemia.

São serviços oferecidos por bancos e fintechs, empresas com suas próprias carteiras digitais (as wallets) e outras que atuam no processamento dos pagamentos.

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É um mercado em que o smartphone passa a assumir um protagonismo desempenhado hoje pelas famosas maquininhas, que são os terminais para uso de cartão de crédito ou de débito. Um em cada três brasileiros já realizou pagamento com o celular.

“O smartphone permitiu o empoderamento do consumidor”, afirma Gueitiro Genso, CEO da PicPay, uma das empresas que souberam surfar na onda da revolução dos meios de pagamento. Com 20 milhões de usuários ativos, a PicPay funciona como uma carteira digital, em que a pessoa cadastra seu cartão de crédito ou dados bancários no aplicativo e passa a fazer transferências e pagamentos com poucos cliques.

A pandemia do novo coronavírus fez o processo ganhar tração. Pagamentos por aproximação (contactless), com QR Code ou por meio de links enviados ao WhatsApp, SMS ou e-mail se tornaram alternativas buscadas pelos consumidores.

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O que o WhatsApp Pay traz de mais impactante é a perspectiva de facilitar as transações para uma base potencial ainda maior: seus 120 milhões de usuários ativos no país.

Já o Facebook, dono do WhatsApp, dá um passo fundamental para manter por mais tempo no aplicativo um número crescente de usuários. Desta vez, com um modelo que rentabiliza o negócio, por meio de taxas nos pagamentos a lojistas.

A estratégia do Facebook remete ao mercado chinês, onde as gigantes de tecnologia Tencent e Alibaba se tornaram referência mundial sobre como ganhar dinheiro com aplicativos que oferecem de tudo um pouco aos usuários: são os super apps.

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O mais popular é o WeChat, da Tencent, com uma base impressionante de 1,2 bilhão de usuários ativos, que respondem por estimados 30% de todo o tráfego de dados no país mais populoso do mundo. O uso é tão disseminado que até pessoas em situação de rua andam com QR Code para pedir esmola, sabendo que pouca gente usa dinheiro em espécie.

No Brasil, empresas de diferentes setores buscam replicar o modelo para atrair o usuário e fazê-lo navegar o maior tempo possível: de aplicativos de entrega, como Rappi e iFood, a bancos digitais e fintechs, como o Banco Inter, até varejistas, como o Magazine Luiza.

Diferenças de mercado

Mas há diferenças fundamentais em relação ao mercado brasileiro: uma delas é que a adesão em massa dos chineses aos super apps só foi possível porque havia uma baixa penetração de cartões de crédito no país, sem uma estrutura capilarizada de maquininhas como há no Brasil. Lá, o salto se deu diretamente do dinheiro para o mobile.

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No Brasil, o mercado de cartões cresce na casa de dois dígitos e movimentou R$ 1,84 trilhão em compras presenciais ou online no ano passado. O volume de transações em lojas físicas ainda respondeu por 72% do total.

“Acredito que vai haver uma coexistência de modalidades de pagamento. A infraestrutura hoje instalada está se adaptando. Muitas maquininhas já fazem a leitura de QR Code”, diz Genso, do PicPay. Segundo ele, o grande perdedor será o pagamento em dinheiro, que vai cair em desuso em ritmo cada vez maior.

Outra diferença importante é a diversificação do mercado brasileiro. O WeChat e o Alipay (do Alibaba) possuem tamanho gigantismo e tantos tentáculos de negócios, típicos da economia chinesa, que puderam incluir no super app seus próprios serviços de pagamentos e de e-commerce, conhecidos como “verticais”.

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“Aqui no Brasil você não consegue construir um super app com relevância se não montar alianças”, explica Roberto Chade, CEO da Dotz, uma das maiores empresas nessa disputa no país e que hoje tem uma base de 45 milhões de usuários.

Nascida como empresa de fidelidade, a Dotz construiu uma coalizão que conta com cerca de 300 parceiras para ampliar as ocasiões e a frequência de uso do app, com marketplace de produtos e bancos e fintechs ofertando serviços financeiros.

‘Interoperável, seguro e barato’

Atento ao impacto potencial, o BC decidiu suspender o início de operação do WhatsApp Pay. E argumentou que buscou assegurar “o funcionamento de um sistema de pagamentos interoperável, rápido, seguro, transparente, aberto e barato”.

A postura cautelosa do BC, que foi questionada por alguns analistas como um suposto entrave à inovação, não é exclusividade brasileira. O Facebook chegou a lançar o WhatsApp Pay em versão beta na Índia – o maior mercado do aplicativo – há dois anos e não passou da fase de testes porque não obteve o aval dos reguladores.

O modelo apontado como ideal pelo Banco Central já tem nome, está em fase de testes desde o início do ano e tem o lançamento previsto para novembro: é o PIX.

É o sistema de transferências e pagamentos instantâneos que o próprio BC desenvolve e que já conta com a adesão de cerca de 150 instituições. A lista inclui os maiores bancos do país (Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú Unibanco e Santander), os maiores bancos digitais e as maiores instituições de pagamento.

A exemplo do WhatsApp Pay, o PIX tem o smartphone como device que viabiliza as operações. E também funcionará 24 horas por dia, sete dias na semana. Mas, diferentemente da plataforma da rede social de Mark Zuckerberg, será o próprio BC que vai fazer a liquidação das transações e que vai cuidar da base de dados dos usuários, reduzindo o risco de assimetrias na competição e de vazamento de informações.

Pagamentos e transferências vão ser realizados em até dez segundos. Ao assumir a operação do sistema, o BC pretende reduzir custos de transação e repassar a economia para os consumidores, que hoje pagam dezenas de reais para transferir dinheiro por meio de TED e DOC no horário do expediente bancário.

Um dos efeitos esperados é ampliar a inclusão de parte da população desbancarizada – são 45 milhões de pessoas, segundo estimativas do Instituto Locomotiva.

Outro objetivo do PIX é eliminar as barreiras de entrada no mercado de pagamentos, ampliando o número de players e, portanto, a competição.

Segundo especialistas, o sistema de transferências e pagamentos do WhatsApp, por sua vez, sinaliza atender à premissa da rapidez, mas não necessariamente às demais. São os riscos aos quais o Banco Central se referiu ao suspender o serviço.

O WhatsApp Pay entraria em operação com apenas três bancos habilitados – Banco do Brasil, Nubank e Sicredi –, as duas maiores bandeiras de cartões de crédito, Visa e Mastercard, e a maior empresa de meios de pagamentos, a Cielo.

Embora a empresa tenha afirmado que o sistema está aberto a qualquer instituição financeira, não há garantia de que a inclusão de novos bancos aconteça com a rapidez necessária para evitar um desequilíbrio de forças na largada. Nem que os custos serão acessíveis a fintechs e empresas menores de meios de pagamento.

“O aumento da competição nesse mercado pode trazer benefícios ao consumidor, como a redução de tarifas. Mas a entrada de empresas tão populares como o Facebook e o WhatsApp deve ser feita com cuidado”, diz Michael Viriato, professor do Insper.

Procurado pelo InfoMoney, o WhatsApp não quis se pronunciar.