Via Varejo quer “maior virada do varejo brasileiro” após vender 15 vezes um dia normal na Black Friday

Seis meses depois de assumir uma empresa desorganizada, novo backoffice do grupo se diz preparado para ir além do varejo

Paula Zogbi

(Shutterstock)
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SÃO PAULO – Seis meses, muitas demissões e mais 50 contratações depois, Roberto Fulcheberguer, atual diretor-presidente da Via Varejo (VVAR3), dona da Casas Bahia, Ponto Frio e das operações do Extra.com, acredita ter retomado o foco da companhia no varejo e arrumado a casa. Até então, os executivos consideravam que o foco estava perdido. Agora, a missão é, como visto em todo o setor, ocupar novas posições, e, segundo Fulcheberguer, protagonizar “a maior virada do varejo brasileiro”.

No Investor Day 2019, evento anual em que a companhia apresenta seu planejamento a investidores, os principais executivos lembraram a trajetória da nova gestão até aqui, culminando em uma Black Friday recorde para o varejo nacional com R$ 1,1 bilhão em vendas (15 vezes a venda de um dia normal da companhia) e em um quarto trimestre lucrativo após longos balanços de espera para sair do vermelho. Assista à apresentação completa clicando aqui.

O trabalho de reestruturação incluiu um roadshow com conversas tete-a-tete com todos os gerentes de loja, a inclusão do retira-loja (para buscar itens comprados online) em todas as unidades, aumentar a capacidade de entrega (que alcança hoje 5.563 municípios e diminuiu custo em 10% entre o primeiro e o segundo semestres desse ano) e mudar estratégias-chave, como a formação de profissionais dentro de casa para transformá-los em líderes, ao invés de buscar pessoas no mercado.

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Indícios de fraude

Na semana passada, a Via Varejo divulgou a descoberta de indícios de fraude contábil em gestões anteriores e estimou os custos dessa irregularidade entre R$ 1,2 bilhão e R$ 1,4 bilhão. Pelas investigações preliminares, os envolvidos são funcionários de médio escalão da própria Via Varejo, e não do GPA, antigo dono da empresa – mas a conclusão das investigações está prevista para fevereiro.

A grande dúvida dos investidores para o próximo ano é como a nova gestão irá lidar com essa crise e, principalmente, como evitará novas fraudes.

Segundo Orivaldo Padilha, diretor financeiro e vice-presidente de relações com investidores da companhia, espera-se uma saída de caixa em torno de R$ 900 milhões nos próximos três a quatro anos, mas os créditos em PIS, Cofins, Imposto de Renda e Contribuição social atenuarão esses efeitos. “Teremos baixo impacto no caixa ao longo do tempo”, disse o executivo.

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Quanto à prevenção a esse tipo de fraude, o executivo fala em “contratar bem” e estimular o uso de canais de denúncia e auditoria independente, interna e externamente. Ele estima que o impacto recorrente de ações trabalhistas, hoje correspondente a 4% das vendas, cairá para 1% no ano que vem e menos de 0,5% futuramente.

Para Fulcheberguer, apenas o fato de o corpo executivo estra totalmente focado na Via, sem precisar gerenciar também o varejo alimentar do GPA, já contribui para uma execução melhor da governança corporativa e deve tranquilizar investidores nesse sentido. “Tudo isso por si só deve minimizar ou retirar esses riscos de potenciais problemas. Mas independente disso nós temos toda a governança nos canais da empresa com credibilidade de sigilo e certeza de que quem está recebendo [denúncias] é um órgão externo”, disse.

Olhando para frente: dados e tech

Com mais de 87 milhões de clientes no total (sendo 22 milhões que compraram nos últimos 12 meses), operações de crediário (com 5 milhões de clientes ativos) e banco digital (com o BanQi), o intuito da companhia é passar a monetizar ativamente os dados dos usuários de maneira omni, ou seja, conhecer o cliente e ativar compras em todas as plataformas (digital, física, mobile).

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A base de dados gigantesca é vista por analistas como um dos grandes trunfos da companhia na comparação com o restante do setor, já que mais de 80% da população economicamente ativa já teve algum tipo de contato com pelo menos uma das marcas do grupo.

Os dados coletados devem ser usados em precificação, logística (identificar pontos de distribuição mais próximos para entregar mais depressa), frete, crediário (aumentar o oferecimento de crédito com novas plataformas e maior assertividade, diminuindo o risco de inadimplência) e marketing. De acordo com Ilca Sierra, diretora de marketing e comunicação omnicanal da companhia, as estratégias de remarketing baseadas em dados já incrementaram as vendas em lojas físicas em 6%.

Helisson Lemos, vice-presidente de tecnologia e ex-Mercado Livre, disse que a empresa tem a missão de desenvolver novos apps para as marcas do grupo em até seis meses. Também nesse prazo deve ser implementado o Via Mais, com pontos de venda móveis e recomendações personalizáveis, em 100% das lojas. Vale lembrar que a promessa do Via Mais na totalidade das lojas é antiga e já era para ser realidade desde 2018.

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Outra meta para o primeiro semestre de 2020 é a melhora da operação de marketplace, ou seja, venda de produtos de terceiros na loja online da Via Varejo. “Hoje o marketplace da via varejo é cheio de fricção além de o manuseio sofrer bastante. Nos próximos seis meses novos formatos de gestão para os vendedores com intuito de destravar valor”, disse Lemos, sem detalhar os projetos em voga para realizar essa meta, mas afirmando que o plano de ação passa por melhorar o software de buscas do site e seguirá os mesmos passos da Black Friday deste ano: categorizar problemas e dividi-los em fases.

Banqi e novos negócios 

Assim como o Magazine Luiza, a Via Varejo também quer ser vista como uma plataforma de diversos serviços. A primeira iniciativa nessa linha é a carteira digital BanQi, cujo rollout nacional está previsto para janeiro do ano que vem. O lançamento na loja do sistema operacional iOS está marcado para a semana que vem.

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A ideia, de acordo com Lemos, é abrir a companhia a outros novos negócios. “O Banqi foi o primeiro. Temos ativos que podem ser interessantes para empresas, desde startups até grandes”, disse. “Queremos ser um ambiente plug and play para acelerar negócios”.

Mais lojas

Com 1.071 unidades, a companhia não põe em escanteio a expansão física – essencial em um país como o Brasil, com sua logística pesada. Agora, o foco está em reformar mais de 100 lojas (com incremento nas vendas estimado em 30%) e ampliar a pegada no Norte e Nordeste, regiões em geral falhas em atendimento principalmente no que diz respeito ao e-commerce. A companhia estima entre 70 e 90 inaugurações no ano que vem.

Segundo Abel Ornelas, vice-presidente comercial e de operação da empresa, no Nordeste, a produtividade da Via é 10% melhor que o restante do país e a penetração em venda de móveis é acima da média (o que aumenta o ticket e a taxa de retorno em relação a compras do eletroeletrônico sozinho, além de impulsionar o crediário). A ideia é incrementar a logística para aproveitar a subpenetração do online na região e melhorar a relação com uma base tão valiosa de clientes.

Além de vitrines e de vendas comuns, as lojas já servem como mini centros de distribuição em 60 endereços, melhoria que ajudou a empresa a reduzir o custo por entrega em até 10% e gerar até 30% de capacidade adicional. Para 2020, outras 40 lojas serão transformadas em ‘lojas-hub’, no jargão usado pelos executivos da Via.

Guidance: crescendo dois dígitos

Fulcheberguer não abre números precisos, mas garante que o crescimento em vendas vai ser de dois dígitos em 2020, com incremento do GMV em 30% e margem Ebitda entre 5% e 7%. Também garante que a operação será lucrativa.

O investimento em novas lojas e produtos girará em torno de R$ 700 a R$ 800 milhões, segundo os executivos, que apostam que a estrutura atual de capital e a geração de caixa dos próximos meses será suficiente para custear o Capex.

“Extra.com não está à venda”

Ao contrário do que deu a entender Peter Estermann, presidente do Grupo Pão de Açúcar, em seu próprio Investor Day, o quadro executivo da Via Varejo garantiu não estar em negociações para a venda do direito de uso da marca Extra.com para a antiga controladora. “Não tem nenhuma negociação posta com a diretoria executiva para a venda”, disse Fulcheberguer a jornalistas. “Estamos felizes com o Extra.com e investindo para poder fazer dessa marca um grande polo de atração pro nosso negócio”.

Como uma marca forte em marketplace, justamente uma das verticais mais interessantes para a Via, o Extra.com deve ser explorado pela companhia ao longo dos próximos anos em que há direito do uso da marca – vale lembrar que a marca em si nunca deixou de pertencer ao GPA, o que a Via tem é um contrato de uso de 15 anos, renováveis por mais dez.

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Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney