Uber pode ter de aumentar preços de corridas, dizem fundadores da 99 e Easy

Com a abertura de capital, Uber escancara problema de caixa criado pela falta de foco e falsa ideia de que tem uma fonte infinita de recursos.

Paula Zogbi

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SÃO PAULO – Esta sexta-feira foi um dia histórico no mercado financeiro, com uma das maiores – e mais aguardadas – aberturas de capital de todos os tempos. Motivo: a estreia na Bolsa do aplicativo de transportes Uber, avaliado em US$ 69,7 bilhões no fechamento do dia.

Mas, em vez de ser um momento de glória, a operação acontece numa fase turbulenta para a Uber – e também para seus concorrentes. Quem conhece o setor de perto, aliás, defende que o modelo beira o insustentável. E, até agora, não se sabe quem vai pagar a conta.

Ao InfoMoney, Paulo Veras, fundador da 99, e Tallis Gomes, fundador da Easy, afirmaram que o cenário atual leva a crer que, se as empresas de ride hailing não repensarem seu negócio, a única forma de sobreviverem será aumentar os preços ao consumidor final.

Pressão nova: acionistas

Quando uma companhia é fechada, não existe a obrigação de divulgar suas contas ao público. Mas agora, tanto a Uber quanto a Lyft, segundo maior player dos EUA, que abriu capital há pouco, devem prestar contas aos seus acionistas – e serão pressionadas por eles a melhorar a situação financeira.

No relatório enviado ao regulador de valores mobiliários dos EUA, a SEC, a Uber divulgou que teve prejuízo de US$ 3 bilhões em 2018. É mais um balanço negativo em dez anos queimando caixa.

A Lyft, por sua vez, registrou prejuízo de US$ 1,1 bilhão nos primeiros três meses do ano. Desde a estreia na Bolsa, em 29 de março, as ações já perderam cerca de 30% do valor. Ambas as empresas chegaram a admitir, nos documentos do IPO, que talvez jamais sejam lucrativas.

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Soluções: mudar ou cobrar

Segundo Veras, a 99 atingiu o break even (fechou as contas sem prejuízo) por volta de 2016, antes de ser vendida para a chinesa Didi Chuxing. Isso só foi possível, disse ele, quando a empresa aceitou operar com tamanho relativamente limitado.

A Uber, por outro lado, está longe de sossegar. Com seus atuais 75 milhões de clientes e mais de 5 bilhões de corridas por mês, a empresa fundada por Travis Kalanick mantém um ritmo de crescimento desenfreado – e baseado na ideia dos aportes generosos de grandes investidores.

Além do ride hailing, a empresa tem operações de delivery de comida (Uber Eats), patinetes elétricos, bicicletas, helicópteros e até frete de carga. Este último, para Veras, fugindo completamente do core business.

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“É como aquela dança das cadeiras: você vai dançando, quando a música para, tem que procurar uma cadeira para sentar. Por enquanto, a empresa ainda tem caixa para testar [novos modelos de negócios]. Vai chegar um momento em que o dinheiro vai parar de entrar. Aí não haverá mais cadeira para sentar”, diz.

Quando os aportes rarearem, a solução de aumentar preços parece óbvia, até inevitável, embora não seja simples.

Tallis lembra que a commoditização das caronas (ou seja, a chegada de numerosos produtos similares no mercado) cria um ambiente em que aumentar preços poderia ser fatal. “Nesse cenário, quem oferecer o melhor desconto, ganha”, resume. Para ele, o movimento só funcionaria se fosse conjunto.

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Ninguém ganha dinheiro

Mas como uma empresa que perde US$ 3 bilhões por ano pode valer US$ 70 bilhões na Bolsa?

O que explica essa aparente aberração é uma barreira artificial criada pelo último grande aporte feito pelo Softbank na Uber. Na ocasião, a companhia foi avaliada em US$ 80 bilhões: se a ação estreasse abaixo desse valor, quem já tinha uma fatia antes das negociações em Bolsa sairia perdendo dinheiro.

Para Tallis Gomes, que hoje é CEO da Singu (aplicativo de serviços de beleza), o investidor comum não vai demorar para perceber que o valuation está esticado. Tanto ele quanto Paulo Veras acreditam piamente que, ao menos nos próximos meses, o caminho do valor da ação da Uber é exatamente o mesmo da Lyft: para baixo.

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Já no pregão de estreia, o papel abriu desabando 8%, em US$ 42. Com o passar das horas, as perdas chegaram a amenizar, mas, no fechamento, a baixa ficou em 7,62%. Isso significa que uma empresa cotada para valer US$ 84,5 bilhões na estreia já perdeu US$ 14,8 bilhões.

Ao mesmo tempo em que a Uber perde dinheiro, seus motoristas estão pouquíssimo satisfeitos. Às vésperas do IPO, os chamados “parceiros” do app organizaram uma greve mundial para protestar contra as baixas tarifas pagas pela empresa.

O movimento teve pouca adesão, mas, por meio da mídia, o recado foi passado: para que os preços das corridas sejam baixos aos passageiros, os autônomos que trabalham para a empresa ganham muito pouco.

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Paulo Veras resume: “no patamar atual, claramente o modelo não é sustentável. Se a Uber aumentar o preço, o volume de corridas cai consideravelmente, mas, na hora que o dinheiro [de venture capital] começar a minguar, não vai haver outra alternativa”.

Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney