Testes de DNA se popularizam, mas vale a pena fazer um?

Uma das promessas da genômica é encontrar pistas sobre doenças e tratamentos sob medida. Mas o que isso significa na prática ainda é alvo de debates

Sérgio Teixeira Jr.

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NOVA YORK – Você provavelmente se deparou nos últimos meses com alguma propaganda de testes de DNA para saber mais sobre sua linhagem genética ou até mesmo a sua predisposição para algumas doenças.

Os testes genéticos particulares, uma novidade que apareceu há cerca de 15 anos nos Estados Unidos, estão começando a se popularizar no Brasil.

A competição está crescendo, o preço da tecnologia está caindo e a novidade começa a despertar a curiosidade de muita gente.

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Empresas como a Genera (com testes a partir de R$ 299), controlada pela rede de diagnósticos Dasa desde o ano passado, e a MeuDNA (cujos preços começam em R$ 499) acreditam que conhecer em detalhes a receita essencial do ser humano, algo que hoje pode ser pouco que mais que uma curiosidade, pode ter inúmeras possibilidades no futuro.

“Pense nos carros de antigamente. Eles mudaram bastante desde os primeiros modelos. Ainda estamos no começo da era da genômica pessoal”, diz Ricardo Di Lazzaro Filho, médico e sócio-fundador da Genera.

Os testes de DNA envolvem muita ciência e tecnologia da informação, mas tudo começa com um cotonete. O cliente recebe um kit pelo correio, colhe um pouco de saliva e a envia de volta pelo correio.

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O material é analisado por equipamentos especializados, que leem a longuíssima cadeia de As, Cs, Gs e Ts que representam a receita básica de cada indivíduo.

Geneticamente, somos 99,9% idênticos a qualquer outra pessoa que caminha sobre o planeta. O que nos interessa é conhecer as diferenças guardadas naquele 0,1% restante.

Comparando essa assinatura única com bancos de dados globais, é possível determinar quais mutações genéticas você tem, ou não tem (o processo é um pouco mais complexo que isso, mas essa é uma boa explicação resumida.)

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Outro atrativo dos testes pessoais é descobrir de onde vêm nossos antepassados mais distantes. O aspecto da curiosidade é um dos grandes chamativos das empresas que vendem testes de DNA pessoais.

A MeuDNA, um braço do grupo Mendelics, foi lançada na Black Friday do ano passado, promovendo o serviço de ancestralidade Origens.

Esse tipo de relatório indica, com porcentagens precisas, quanto do seu DNA veio da costa leste da África ou do norte da Europa, por exemplo.

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Num país como o Brasil, com alto grau de miscigenação e longa história de imigração, os resultados costumam ser bastante ricos, em comparação com os da Islândia, um dos países de menor diversidade genética do mundo.

Outra característica desses testes de ancestralidade é a busca de parentes. Se o consumidor quiser, pode permitir que as empresas encontrem parentes que também tenham feito o teste.

Essa é uma informação opcional, mas por um bom motivo. Existem inúmeros relatos de irmãos que tiveram o DNA analisado e descobriram que, na realidade, não tinham o mesmo pai ou mãe – eram só meio irmãos.

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Também há vários casos de pessoas que descobriram parentes próximos que nem suspeitavam ter.

“Você pode descobrir coisas inesperadas sobre você mesmo ou sua família ao usar nossos serviços”, diz a página. “Uma vez feitas essas descobertas, não podemos desfazê-las.”

De onde viemos, para onde vamos

Saber de onde viemos é uma das preocupações mais antigas da humanidade, assim como saber para onde vamos. Os testes de DNA oferecem o olhar mais individual possível sobre o nosso organismo, e uma das promessas da genômica é encontrar pistas sobre possíveis doenças que estejam em nosso futuro e tratamentos sob medida.

O teste MeuDNA Saúde “identifica o risco genético de nove doenças, entre cânceres e enfermidades graves”, diz Cesário Martins, diretor-geral da MeuDNA.

Os testes pessoais podem identificar, por exemplo, que você tem uma certa mutação genética associada ao melanoma, um dos tipos mais perigosos de câncer de pele.

“Pessoas sem essa mutação têm 0,3% de desenvolver a doença durante a vida. Com mutações, o risco pode chegar a até 90%”, afirma Martins.

Mas o que isso significa em termos práticos ainda é alvo de debates. A presença da mutação não significa que você vá ter câncer de pele, por exemplo. Não há motivo para pânico, mas sim um pouco mais de vigilância.

Martins aponta algumas recomendações para as pessoas que têm essa predisposição, como evitar exposição excessiva ao sol e usar protetor solar — mas esses são conselhos genéricos e que deveriam ser seguidos por todos, independentemente da genética.

Há outras limitações. Os genes não são os únicos responsáveis pelo desenvolvimento de doenças como o câncer – há inúmeros outros, muitos deles ainda desconhecidos.

Além disso, esse tipo de teste doméstico costuma ser menos completo dos que os realizados para procurar uma mutação específica relacionada a uma só doença.

Até o ano passado, as empresas americanas não podiam oferecer informações médicas. Mas isso mudou quando a FDA (a agência reguladora de medicamentos nos EUA), considerou que a 23&Me, uma das pioneiras deste mercado, oferecia informações precisas e era suficientemente clara sobre os cuidados necessários para a interpretação dos dados.

Ainda assim, a tecnologia voltada ao consumidor já aponta alguns cuidados menos óbvios, cuja explicação está contida na nossa sopa de letrinhas fundamental.

O produto da Genera, por exemplo, aponta quais tipos de remédios são mais eficazes para o seu caso particular em 14 categorias, como anti-inflamatórios. Ele também pode apontar riscos para deficiências de certas vitaminas, sensibilidade à cafeína e propensão à intolerância à lactose.

Os testes de DNA não são – nem se propõem a ser – um diagnóstico completo de uma pessoa. Mas eles podem servir como uma ferramenta de autoconhecimento e também despertar mais interesse por hábitos saudáveis.

A medicina individualizada

A promessa de um mapa mais preciso e personalizado dos riscos de saúde de uma pessoa e dos potenciais tratamentos individualizados ainda está distante – mas essa é a grande promessa da tecnologia.

A 23&Me, fundada há 14 anos por Anne Wojcicki (que também é mulher de um dos fundadores do Google), foi a pioneira no segmento de testes de DNA vendidos diretamente ao consumidor.

A empresa é uma das líderes mundiais do segmento e segue vendendo kits pela internet. Mas, há cerca de dois anos, companhia também está tentando ir mais longe: ela quer usar uma base de mais de 8 milhões de DNAs como ponto de partida para o desenvolvimento de novas drogas.

A 23&Me, que tem capital fechado, recebeu um aporte de US$ 300 milhões do laboratório GlaxoSmithKline, em meados de 2008, para explorar as informações que já foram coletadas.

Boa parte dos clientes da companhia respondeu questionários sobre sua saúde. A correlação entre as informações relatadas e o que se encontrou na investigação do DNA pode orientar a busca por novos remédios.

O negócio das farmacêuticas é de alto risco: bilhões de dólares são investidos em experimentos, mas uma parcela muito pequena deles sobrevive ao rigoroso regime de testes.

Um dos potenciais usos da base genética é identificar as pessoas mais indicadas para testar novas drogas. A GSK agora pode potencialmente contatar as pessoas que têm uma mutação rara do gene LRRK2, associado ao risco de mal de Parkinson, ganhando meses no processo de desenvolvimento.

Quem é dono do seu DNA?

A 23&Me desde sempre deixou claro que seu objetivo maior não é apenas identificar a relação entre genética e medicina, mas sim usá-la para avançar a ciência.

A empresa afirma que 80% dos seus clientes permitem que seu DNA seja usado para fins científicos – de forma anônima, é claro. Mas a reação contra a gigante farmacêutica foi imediata.

Muitos clientes da companhia se sentiram traídos. Outra crítica é em relação a quem lucra com sua informação mais pessoal.

“Você tem esse tesouro gigantesco, e as pessoas vão acabar pagando duas vezes”, disse, numa entrevista recente, Arthur Caplan, professor de bioética da Universidade de Nova York. “Todas as pessoas cujo DNA foi usado nos estudos vão acabar pagando o mesmo preço pelos remédios que forem desenvolvidos.”

“As pessoas são donas dos seus dados, e nós não os vendemos nem compartilhamos com ninguém”, diz Di Lazzaro, da Genera.

Martins também afirma que as informações genéticas coletadas pela MeuDNA “são de propriedade do usuário, que possui total controle sobre seu uso”.

Ambas as companhias também afirmam que as informações são guardadas na nuvem sob rígidos sistemas de segurança. Até hoje, não se conhecem casos de bancos de dados genéticos hackeados – mas a possibilidade existe, é claro.

Existem cenários distópicos relacionados ao uso – e ao abuso – das informações genéticas. Imagine uma hipótese em que seguradoras estabeleçam preços diferentes de acordo com a sua propensão a ter certas doenças. Ou então que empresas exijam sua sequência genética junto com o currículo, para contratar os funcionários com menos tendência a doenças como o alcoolismo, por exemplo.

Por enquanto, nada disso está próximo da realidade. Mas os legisladores já estão tomando as devidas precauções. O estado americano da Flórida recentemente aprovou uma lei que proíbe as seguradoras de usar informações genéticas dos clientes.

Com a popularização desses serviços, a expectativa é que o tema seja observado mais de perto no mundo todo. Uma estimativa do ano passado indica que as duas maiores empresas americanas no setor fizeram 30 milhões de pessoas em todo o planeta na última década.

“É um mercado que ainda vai crescer muito e se popularizar, à medida que as pessoas forem entendendo que os testes são ferramentas poderosas de autoconhecimento e autocuidado”, diz Martins, da MeuDNA. “Queremos chegar a 1 milhão de testes até 2024.”

Sérgio Teixeira Jr.

Jornalista colaborador do InfoMoney, radicado em Nova York