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A partir de julho deste ano, startups mais maduras poderão captar mais dinheiro com investidores pessoas físicas. Essa mudança partiu da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que publicou uma nova instrução para regular as plataformas de equity crowdfunding, forma de comprar participações em empresas de maneira completamente online.
O investidor se cadastra em uma plataforma e vê rodadas de startups pré-selecionadas, com dados financeiros e jurídicos. Após conferir informações como histórico dos sócios e da startup, produto ou serviço, modelo de negócio e projeções financeiras, o investidor pode assinar digitalmente seu contrato de investimento. Caso a startup atinja um mínimo de captação estipulado, o dinheiro dos investidores é transferido diretamente à empresa. A startup é obrigada a fazer relatórios pelo menos trimestrais, apresentando dados financeiros e estratégicos.
A Resolução CVM 88 vai entrar em vigor no dia 1º de julho de 2022, com o objetivo de trazer mais amplitude e profissionalismo ao equity crowdfunding. O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, ouviu plataformas de equity crowdfunding para entender todas as mudanças e qual o cenário atual para o investimento nas startups. Também conversou com Cassio Spina, fundador do grupo de investimento Anjos do Brasil, sobre os prós e contras de colocar dinheiro em empresas nascentes de tecnologia.
O que mudou no equity crowdfunding?
A Resolução CVM 88 substitui a CVM 588. A norma havia sido publicada em 2017 para regular as “ofertas públicas de sociedades empresárias de pequeno porte, realizada com dispensa de registro, por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo”.
Para as empresas, as primeiras grandes mudanças serão o aumento do limite de receita bruta anual e o aumento do limite de captação. A CVM antes permitia que empresas faturando até R$ 10 milhões por ano captassem até R$ 5 milhões. A partir de julho deste ano, empresas que faturem até R$ 40 milhões por ano poderão captar até R$ 15 milhões. Caso a empresa faça parte de um grupo econômico, o grupo como um todo pode faturar até R$ 80 milhões anualmente.
Mais uma mudança relevante será no lote adicional de captação. Depois de realizarem sua captação primária, as empresas poderão captar até mais 25% do valor definido naquela primeira rodada. “A regra é benéfica principalmente para empresas com overfunding, que recebem mais recursos do que pretendiam captar. Mas, como as empresas precisam captar ao menos dois terços de sua rodada para que ela vá para frente, também permite que empresas possam fazer rodadas menores. As empresas reduzem seu risco na primeira captação, pedindo um valor menor, e alcançam o valor total de investimento pretendido juntando com o lote adicional”, afirmou Guilherme Enck, cofundador da plataforma de equity crowdfunding CapTable. A CapTable mediou a captação de R$ 71 milhões em 50 rodadas desde 2019. Hoje, tem 6,6 mil investidores ativos em sua base.
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Ainda, as startups agora poderão usar os recursos para adquirir participações em outras empresas, desde que essa aquisição seja para atuar como majoritário. Segue vetada a aquisição de participações minoritárias.
Outras mudanças têm como objetivo profissionalizar os investimentos por equity crowdfunding. Será obrigatório fazer o registro dos valores mobiliários, para controle de titularidade e participação societária, por um escriturador registrado na CVM. A própria plataforma poderá prestar esse serviço para startups em sua plataforma. Quando a empresa passar de R$ 10 milhões de receita bruta anual ou fizer uma captação acima de R$ 10 milhões, também será preciso contratar uma auditoria para suas demonstrações financeiras. Já as plataformas precisarão apresentar um capital social mínimo de R$ 200 mil, e contratar um profissional de compliance a partir de R$ 30 milhões em ofertas intermediadas.
Uma última mudança afeta empresas, plataformas e investidores. A nova regulação da CVM instituiu um mercado para “transações subsequentes”. As próprias plataformas de equity crowdfunding podem atuar como facilitadoras de transações depois da captação original, provendo documentos para cessão de titularidade entre o investidor de uma startup e outro investidor que esteja na mesma plataforma.
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O mercado de transações subsequentes lembra o mercado secundário, usado para negociação de ações na Bolsa de Valores, mas existem grandes diferenças. Primeiro, as plataformas atuam como facilitadoras e não como intermediadoras. As plataformas não podem prover o ambiente para efetuar transações imediatamente, como o “balcão” da B3. Ainda, as plataformas de equity crowdfunding podem apenas facilitar a compra e venda de participações entre os seus investidores ativos (que fizeram ao menos um investimento pela plataforma nos últimos dois anos). As startups são obrigadas a disponibilizar as mesmas informações a todos os investidores ativos da plataforma para garantir simetria de informações, caso optem por permitir transações subsequentes.
“A possibilidade de maior divulgação das rodadas, o aumento dos limites e os lotes adicionais trarão mudanças já em curto prazo. De um dia para o outro, a nova resolução foi publicada e o tamanho do mercado de equity crowdfunding se multiplicou, já que teremos empresas maiores e captações maiores. Já a possibilidade de captar para aquisições, a escrituração pelas próprias plataformas e as transações subsequentes trarão mudanças em longo prazo, porque estamos caminhando em direção à regulação dos mercados públicos”, afirmou Brian Begnoche, cofundador da Eqseed. A plataforma de equity crowdfunding mediou R$ 61 milhões por meio de 50 rodadas, e tem 2,3 mil investidores ativos em sua base.
Cenário difícil para investimento em startups
Para os executivos das plataformas de equity crowdfunding ouvidos pelo Do Zero Ao Topo, as mudanças vão aumentar o número de startups elegíveis ao equity crowdfunding, pelo maior limite de faturamento e de captação. Também vão aumentar a atratividade para os investidores pessoas físicas, por conta da profissionalização derivada dos documentos pedidos ou da liquidez fornecida pelas transações subsequentes. “Vamos ter mais impacto no ecossistema de inovação. O mercado de plataformas de ofertas públicas nasceu muito separado das aceleradoras e dos fundos, e essas mudanças permitirão agora mais coinvestimentos”, afirmou Enck, da CapTable.
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A nova resolução chega em um cenário macroeconômico complicado para o investimento em renda variável por pessoas físicas. O cenário de altas taxas de juros faz com que esses investidores prefiram aplicações de renda fixa. A inflação persistente também gera perda de renda, fazendo com que as pessoas físicas tenham um orçamento mais reduzido para investimentos de maior risco. Mas, do lado das startups, a necessidade de captação de recursos continua.
“O equity crowdfunding ainda é um mercado de adotantes iniciais. Temos muita gente descobrindo agora nossa plataforma e aderindo, então ainda não vimos redução no volume total captado. Mas o tíquete de cada investidor, de fato, ficou menor”, disse Enck. “As novas regras vieram como um remédio para a situação atual. Empresas maiores e mais maduras tendem a apresentar riscos menores e, assim, os investidores podem ser mais encorajados. Acreditamos que quem coloca dinheiro em startups é um investidor mais sofisticado e que entende a importância de diversificar, ainda que os tíquetes possam ser reduzidos”, completou Diego Perez, CEO da SMU. A plataforma de equity crowdfunding mediou a captação de R$ 63 milhões em 41 rodadas desde 2015, e tem uma base de 8 mil investidores ativos.
“Já passamos por momentos parecidos na história da Eqseed, de taxa básica de juros alta. De fato dificulta a atração de investimentos para a renda variável, mas temos de lembrar que estamos em uma posição melhor do que antes. Houve uma explosão de interesse nas startups nos últimos anos e já tivemos casos de exit [eventos de liquidez] nas plataformas de equity crowdfunding. Os investidores agora conseguem ver que as saídas realmente acontecem. A Selic é em parte compensada pelo maior conhecimento sobre as startups, pelo desejo de investir nelas e pelo conhecimento de casos em que os retornos compensaram”, analisou Begnoche.
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Prós e contras do investimento em startups
Assim como em qualquer aplicação financeira, colocar dinheiro em startups tem seus prós e contras. Spina, da Anjos do Brasil, começa elencando algumas vantagens.
Primeiro, como as startups são negócios ainda não amadurecidos, apresentam um alto potencial de multiplicação do capital investido. As startups também são pouco exploradas como investimento, fazendo com que achar boas negociações seja mais fácil do que em mercados mais maduros. “Nos Estados Unidos, as oportunidades estão mais divididas entre uma quantidade muito maior de investidores pessoa jurídica e pessoa física”, diz Spina.
Ainda, a tecnologia é um caminho sem volta e as startups costumam ser menos afetadas do que outras aplicações por movimentos macroeconômicos. “Quanto mais inovação a startup tiver, mais acíclica ela tende a ser. Por mais que as startups de alguns setores sofram com um ou outro cenário, elas devem diversificar seu portfólio e sair mais fortes depois do período difícil. Por exemplo, startups de turismo diante da pandemia”. Por fim, Spina ressalta que investir em startups leva a conhecimentos práticos. “É uma forma de não apenas colaborar com a sociedade, mas aprender sobre mercados, modelos de negócio e oportunidades de crescimento.”
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Também é preciso ver o outro lado da moeda. A primeira desvantagem ao investir em startups é que seu alto potencial de retorno é acompanhado pelo alto risco e pela falta de liquidez (facilidade em sacar o dinheiro investido). A empresa de análise de dados CB Insights mostra que 67% das startups não conseguem captar um novo investimento ou realizar uma venda de participação – dois momentos que representariam uma oportunidade de os investidores transferirem a titularidade de suas participações nas startups e realizarem seus ganhos.
Para mitigar o alto risco, a diversificação é fundamental: apostar em startups é apostar em um portfólio. “O investidor pessoa física deve ter pelo menos um portfólio com dez startups. A ideia não é colocar todo o seu dinheiro de uma única vez, mas sim ir investindo em novas startups ao longo dos anos”, diz Spina. Os executivos das plataformas de equity crowdfunding recomendaram alocar cerca de 5% dos investimentos na classe de startups.
A falta de liquidez continua um contra marcante do investimento em startups. Tradicionalmente, o valor que um investidor colocou em uma startup só pode ser resgatado em um evento de liquidez, conhecido no mercado como saída. Esse exit surge em um novo aporte que permita a venda de participação dos primeiros investidores; em uma venda da startup para outra companhia ou para um fundo de private equity; ou em sua oferta pública inicial de ações (IPO).
A liquidez deve ser melhorada com as transações subsequentes promovidas pela CVM. Mas essa melhoria depende de um maior número de captações primárias. “Ainda estamos no início de um trabalho de criar emissões, que justifiquem um mercado secundário em longo prazo. Ainda temos uma quantidade reduzida de operações, de investidores ativos e de tipos de valores mobiliários”, afirmou Begnoche, Eqseed. A SMU está desenvolvendo um projeto de mercado secundário para startup no sandbox regulatório, um ambiente controlado para testes, da CVM. “O projeto acontece ao mesmo tempo em que as novas regras estão entrando em vigor. Isso mostra como o mercado tem ainda mais espaço para crescer, e está se mexendo para isso”, afirmou Perez.
Um outro contra importante do investimento em startups é a sua tributação. Os ganhos sobre capital (rendimentos) sofrem uma tributação regressiva, assim como as aplicações de renda fixa. A tributação começa em 22,5%, para resgates feitos em até seis meses após o investimento inicial. Esse percentual vai caindo até chegar em 15%, para prazos de investimento acima de dois anos. Se o investidor colocou R$ 100 mil em uma startup e sua participação virou R$ 1 milhão na hora da saída, pagará tributos sobre os R$ 900 mil de valorização. Entidades como a Anjos do Brasil defendem que uma forma de estimular o setor é promover a equiparação tributária a outras aplicações de renda variável. Dividendos de empresas negociadas na Bolsa de Valores não sofrem tributação. Na visão da Anjos do Brasil, as startups são mais arriscadas e têm menos liquidez – então, deveriam ser ainda mais incentivadas.
Além do imposto sobre ganhos de capital, eventuais perdas não podem ser deduzidas. Se um investidor ganha R$ 100 com uma ação e perde R$ 100 em outra, pode compensar o lucro com o prejuízo no Imposto de Renda e não pagar nenhum tributo, já que não houve ganho na somatória. Caso aconteça algo similar com startups, o investidor terá de declarar o ganho de capital sobre a startup que rendeu R$ 100 e pagar o imposto correspondente.
“Eu continuo investindo em startups, diante do potencial de retorno. Apenas a tributação não é motivo suficiente para deixar de colocar dinheiro nelas. Mas segue o pleito de termos um tratamento justo, comparável a outros investimentos de renda variável”, conclui Spina.