Saída da Rússia do acordo do Mar Negro provoca volatilidade no mercado de grãos

Expectativa é que Moscou decida voltar ao pacto; reflexos para o Brasil tendem a ser limitados

Fernando Lopes

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A saída da Rússia do acordo que criou um corredor “seguro” para as exportações de grãos da Ucrânia pelo Mar Negro, nesta segunda-feira (17), renovou as incertezas sobre o futuro desse comércio e provocou volatilidade nas cotações internacionais de grãos como trigo, milho e soja. Na bolsa de Chicago, por exemplo, os contratos futuros de milho e trigo, os mais afetados pelo imbróglio geopolítico, abriram em alta, mas encerraram a sessão em baixa.

A Ucrânia é um dos maiores países exportadores de milho e trigo do mundo, e o corredor, criado em julho do ano passado após um acordo entre Rússia e Ucrânia intermediado por ONU e Turquia, vinha garantindo o escoamento das matérias-primas ucranianas pelos portos do Mar Negro, embora em volumes menores que os registrados antes da invasão russa à Ucrânia, em fevereiro de 2022.

Daniele Siqueira, analista de mercado da consultoria AgRural, lembra que a Rússia vinha ameaçando não prorrogar o acordo que criou o corredor, alegando que não estava sendo beneficiada por ele e que os grãos exportados tinham como destino principalmente países europeus, e não nações pobres com mais problemas para garantir sua segurança alimentar, como havia prometido a ONU.

“É uma novela que já durava meses. Mas a expectativa do mercado é que os russos voltem ao acordo e que o corredor seja restabelecido”, afirmou ela ao InfoMoney.

Daniela lembra que, dos três principais grãos afetados, o milho é o que mais interessa aos produtores e tradings que atuam no mercado brasileiro, uma vez que a Ucrânia é uma concorrente de peso do Brasil no mercado internacional.

Exportações Ucranianas

Segundo ela, dados do governo da Ucrânia indicam que o país exportou 24,3 milhões de toneladas nos nove primeiros meses desta safra 2022/23 (outubro do ano passado a junho último), ante 22,8 milhões de toneladas no mesmo período do ciclo anterior (2021/22). Em igual intervalo da temporada 2019/20, foram 28 milhões de toneladas.

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Apenas em junho, a Ucrânia exportou 2,4 milhões de toneladas de milho, 1,9 milhão das quais por meio de portos, 340 mil por ferrovias e 60 mil por outros modais, sobretudo o rodoviário.

De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), a Ucrânia exportará, no total, 28 milhões de toneladas de milho em 2022/23, ante 27 milhões em 2021/22. O Brasil, por sua vez, deverá embarcar 56 milhões de toneladas em 2022/23 (outubro do ano passado a setembro próximo), ante 48,3 milhões em 2021/22. No total, as exportações mundiais de milho estão estimadas pelo USDA em 176,6 milhões de toneladas.

Reflexos para o Brasil

Daniela não acredita que os volumes previstos para o Brasil serão prejudicados ou favorecidos pela disputa em torno do corredor.

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Em boa medida, observa a analista, porque este é um período do ano de entressafra na Ucrânia, o que por si só limita os volumes exportáveis – e os grandes estoques acumulados no início da invasão russa já estão bem menores agora. E, também, porque a tendência é que a Rússia volte a ratificar o acordo que criou o corredor em meio a suas negociações com países ocidentais. E o raciocínio vale também para a safra 2023/24.

Safra 2023/24

Samuel Isaak, analista de commodities agrícolas da XP Investimentos, observa que o USDA já prevê para a temporada 2023/24 volumes menores para as exportações ucranianas de grãos, porque os produtores do país plantaram menos por causa da guerra. No caso do milho, o órgão americano prevê embarques de 19,5 milhões de toneladas, ante 55 milhões para o Brasil.

E, segundo ele, as rotas de escoamento alternativas aos três portos do Mar Negro poderão dar conta da maior parte desse volume. “Sem os portos do Mar Negro, nossos cálculos indicam que o volume poderá ficar 16% abaixo do previsto pelo USDA na safra 2023/24”, disse Isaak.

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As principais rotas alternativas aos portos do Mar Negro são rodovias que vão até a foz do rio Danúbio, na Romênia, saídas para os portos da Polônia e dos países Bálticos e ferrovias ou rodovias até a Europa ocidental.

Isaak ressalva, porém, que alguns países europeus têm reclamado do uso das rotas alternativas que cortam o continente em razão da queda das cotações internacionais dos grãos nos últimos meses. De maneira geral, a relação entre oferta e demanda de grãos no mundo está em patamar confortável, o que tira sustentação dos preços, e muitos produtores europeus culpam a Ucrânia por isso.

Trigo

No mercado de trigo, no qual o Brasil é um dos maiores importadores globais, o USDA projeta as exportações ucranianas em 16,8 milhões de toneladas na safra 2022/23, ante 18,8 milhões em 2021/22. No total, as exportações globais de trigo deverão chegar a 217,2 milhões de toneladas em 2022/23, de acordo com o USDA. Para 2023/24, o órgão projeta os embarques da Ucrânia em 10,5 milhões de toneladas.

Fernando Lopes

Cobriu o setor de energia e foi editor do semanário Gazeta Mercantil Latino-Americana até 2000. Foi editor de Agro no Valor Econômico até fevereiro de 2023