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O primeiro trimestre de 2023 termina nesta sexta-feira (31) e deixou como marca uma sequência de empresas de grande porte buscando a reestruturação de dívidas e, em alguns casos, até mesmo a recuperação judicial.
Do estopim do Caso Americanas (AMER3), em 11 de janeiro, o que se viu foram bancos e o mercado de crédito entrarem na defensiva, obrigando companhias a buscar renegociação de dívida ou a RJ – como ocorreu com a varejista no dia 18 de janeiro.
Além do problema da Americanas, apontado por bancos como “fraude”, a visão de profissionais ouvidos pelo InfoMoney é de que seria inevitável para algumas companhias fugirem da reestruturação diante do aperto monetário em curso no país, com a taxa Selic estável em 13,75% ao ano desde agosto do ano passado.
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Desde a crise da Americanas, Oi (OIBR3) conseguiu sua segunda recuperação judicial, acompanhado por Nexpe (a antiga Brasil Brokers) e Grupo Petrópolis – este dono das marcas Itaipava e Crystal –, para citar alguns dos exemplos recentes mais extremos.
Até fevereiro, o número de empresas que pediram recuperação judicial cresceu 59,8% em relação a igual período de 2022, segundo dados compilados pela Serasa Experian. Foram 195 empresas que acionaram a Justiça para negociar a dívida. No mesmo comparativo, 158 empresas pediram falência – a exemplo da Chocolates Pan –, representando um avanço de 46,3%.
Já na ponta da necessidade de reestruturar o passivo, lista-se os casos de Marisa (AMAR3), Tok & Stok e Light (LIGT3). Outra demanda foi da injeção de capital para dar fôlego ao caixa por meio de ofertas subsequentes de ações (follow-on) ancoradas pelos controladores, como ocorre com Dasa (DASA3) e Hapvida (HAPV3).
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Sob este cenário, a avaliação é de que o movimento não deverá perder tração com o fim do trimestre, mas a tendência é de que as empresas se antecipem para não chegar a uma secura de liquidez.
Daniel Lombardi, sócio da G5 Partners, reforça que o evento Americanas teve seu peso, mas não foi somente por ele que os problemas se acumularam. “Já estávamos em um contexto de juros altos e forte pressão nos balanços. A procura [por reestruturação] vem aumentando desde o ano passado”, lembra.
“Mas, sim, o caso deixou quem ‘assina o cheque’ mais defensivo. Ligou uma luz de alerta no sentido de ‘o que mais não estamos enxergando?’”, afirma Lombardi, que cuida da parte de reestruturação de dívidas da G5.
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Como o InfoMoney informou em fevereiro, as expectativas frustradas quanto à queda na taxa de juros fizeram muitas empresas recalcularem a premissa para um custo de capital mais caro no decorrer do ano. “Carregar uma dívida de 18% a 20% ao ano não é algo trivial. Poucas companhias têm margem para isso”, reforça o sócio da G5.
Um banqueiro que atua em uma das reestruturações citadas e que prefere não se identificar, vai na mesma linha e diz que o problema estava no radar há mais tempo do que o “efeito dominó” sugere. “O Caso Americanas apenas ‘tirou para fora do armário’ a crise”, resume.
Antecipação ganha força
De acordo com os especialistas em reestruturação, a sequência de problemas fez as empresas buscarem se antecipar ao problema na estrutura de capital. Daniel Lombardi afirma que nem toda a demanda sugere uma necessidade imediata por dinheiro.
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“Há casos de demanda por liquidez, mas existem situações em que a empresa quer negociar a quebra de algum covenant [obrigação atrelada a indicadores contábeis que o devedor assume com o credor]”, explica.
O sócio da G5 lembra ainda que não é porque uma empresa busca reestruturação que ela está correndo o risco de quebrar.
“Nosso objetivo é trazer o credor para conversar e trabalharmos em alguma saída estruturada, para evitar a antecipação do vencimento da dívida. Pode ser o compromisso de vender algum ativo para trazer liquidez ou colocar mais garantias”, acrescenta.
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Governança questionada
A reestruturação e recuperação judicial das companhias não deixa traumas apenas nas empresas, lembra o advogado Gabriel Silva, especializado em direito empresarial e diretor jurídico do Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci).
No Caso Americanas, por exemplo, o Ibraci foi uma das instituições que entrou na Justiça para representar os acionistas minoritários do varejista. “A crise pôs em xeque e revelou a fragilidade de todo o sistema de governança corporativa”, avalia Silva.
Além dos minoritários, o advogado lembra que saem perdendo os empregados e os bancos que apoiam o negócio das empresas em crise. “As instituições financeiras se veem enganadas e evitam ofertar mais crédito. Mesmo as empresas cumpridoras das regras de governança saem prejudicadas”, reforça.
Para o advogado, a sequência de pedidos de RJ acaba por criar um ciclo negativo para o mercado e, de certa forma, uma banalização do pedido de recuperação judicial.
“Ocorrem casos em que a recuperação judicial é utilizada apenas como uma tentativa de postergar a falência, mesmo que seus administradores saibam que o negócio não é economicamente rentável.”
“Mesmo a pretexto de se tentar salvar uma empresa, a recuperação judicial não deveria ser atendida pela Justiça de forma indiscriminada, pois pode passar a ser usada como ‘salvo conduto’ para apenas prolongar artificialmente a continuidade uma atividade inviável”, acrescenta Silva.
Por fim, o advogado afirma que a legislação de recuperação judicial e falência é uma das mais modernas do mundo, mas que a atual crise desenvolveu vieses no judiciário que podem ser problemáticos no futuro.
“Se criou uma tutela cautelar antecedente [liminar] em que se pede a proteção contra os credores antes de uma RJ. Coloca-se o processo em segredo de Justiça, limitando o acesso de informações para minoritários e credores menores. Permite-se financiamentos [DIP Financing] sem que a recuperação judicial tenha sido aprovada pelos credores. Isso tudo retira a garantia jurídica do credor”, conclui Gabriel Silva.
A saída da ‘UTI’
Enquanto muitas empresas começam seu trajeto em busca do equilíbrio financeiro e possíveis celeumas judiciais, a Bombril (BOBR4) comemora a “saída da UTI”, nas palavras do CEO Ronnie Mota. Como mostrou o InfoMoney em novembro, a empresa traça planos para avançar no mercado.
A famosa marca de esponja de aço chegou a sofrer uma administração judicial no início dos anos 2000 e voltou às mãos da família fundadora em 2006, em um momento conturbado de liquidez.
Em 2016, a companhia iniciou o primeiro processo de reestruturação e precisou enxugar o portfólio. De 500 produtos comercializados, a empresa está em algo próximo a 225 atualmente. Além disso, a Bombril vendeu a marca Lysoform à SC Johnson & Son por R$ 47,6 milhões também em 2016.
Apesar de o negócio começar a entrar nos trilhos nos anos seguintes, a pandemia jogou a empresa em novo problema de capital. E, em 2021, o sinal de alerta reacendeu na companhia. Naquele ano, o endividamento subiu de R$ 270 milhões em 2020 para R$ 392 milhões e foi necessário buscar a reestruturação.
“O último ano [2022] foi muito importante para o nosso turnaround. No primeiro semestre, arrumamos a casa e, no segundo, deixamos o avião pronto para decolar”, avalia Mota.
Depois de amargar prejuízo líquido de R$ 68,3 milhões em 2021, a empresa reverteu o resultado em 2022 e fechou com lucro líquido de R$ 27,5 milhões. A dívida bruta avançou – mas pouco – para R$ 402 milhões.
Na estratégia para voltar a gerar lucro e evitar uma disparada do endividamento, o executivo diz que a administração priorizou o “bottom line”, ou seja, produtos que entregassem retorno concreto ao caixa. “Não adianta ter indicadores de desempenho se ele não se reverte em caixa”, lembra Ronnie Mota.
Em outra frente a Bombril anunciou recentemente um reforço na estrutura de capital. A empresa obteve R$ 300 milhões em uma linha de crédito que permitirá alongar seu perfil de dívida, em que 77% do passivo venceria em até 12 meses. Com a captação, as dívidas de longo prazo já passam a ser mais de 50% do total.
Segundo o CEO, a companhia vai usar os recursos para quitar dívidas tomadas há pouco mais de um ano e que têm um custo “proibitivo”. “Vamos conseguir reduzir em 30% o custo dessas dívidas, e com o custo menor vamos poder usar os recursos que gastávamos nos juros para investir na operação”.
“Temos perspectivas melhores para 2023. Agora é possível pensar em ‘decolar’, retomando alguns produtos de maior valor agregado. Hoje podemos dizer que saímos da UTI”, completa Ronnie Mota.
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