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SÃO PAULO – Até o momento, os programas de empréstimo a micro e pequenas empresas criados pelo governo durante a pandemia concederam R$ 12,489 bilhões, segundo dados do Ministério da Economia. Isso representa apenas 6,18% do volume total de crédito que as pequenas empresas devem precisar neste ano, mas não vão conseguir.
Segundo o estudo “Crédito para os pequenos em tempos de pandemia”, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), assinado pelos professores e pesquisadores Lauro Gonzalez, Bruno Barreira e Arthur Ridolfo, a demanda por crédito não atendida deve somar R$ 202 bilhões em 2020.
Para chegar a esse número, os pesquisadores estimaram o faturamento total das 17,3 milhões de micro e pequenas empresas (MPEs) do país e a queda média de faturamento provocada pela pandemia por setor. Para construção, por exemplo, a queda estimada é de 49%, no comércio varejista 55% e no segmento de alimentação 58%.
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O estudo explica que as MPEs costumam arcar com custos recorrentes (capital de giro) antecipando o dinheiro das vendas com recebíveis, já que, mesmo antes da pandemia, elas tinham dificuldade para conseguir crédito. Com o faturamento caindo, elas não conseguem antecipar recebíveis e passam a pedir empréstimos. Portanto, parte do capital de giro se transforma em demanda por crédito.
Para estimar a necessidade de crédito, eles observaram, portanto, a queda no faturamento e a necessidade de capital de giro por setor, já que dependendo da atividade os custos recorrentes são maiores ou menores. Eles consideraram ainda a demanda normal por crédito, com base nos dados do ano passado, e o crédito concedido pelos bancos em 2019.
“Aplicando este raciocínio para todos os setores nos quais se distribuem as 17,3 milhões de MMPEs, estimamos uma demanda de crédito da ordem de R$ 472 bilhões. […] Considerando ainda os dados de concessão de crédito divulgados pelo Banco Central (2019), estimamos uma lacuna entre a demanda potencial de MMPEs e a oferta anual de crédito pelas instituições financeiras da ordem de R$ 202 bilhões”, diz o estudo.
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Os pesquisadores acrescentam ainda que os números não levam em conta o fato de que os bancos estão concedendo “consideravelmente menos crédito em 2020 do que em 2019. A lacuna é provavelmente maior”.
Com a ajuda do especialista em finanças públicas Murilo Viana, o InfoMoney cruzou os dados do estudo da FGV com o valor já concedido pelos programas criados pelo governo. “Considerando os R$ 202 bilhões que as empresas vão precisar e não vão obter, segundo o estudo da FGV, os programas só atingiram 6,18% dessa demanda”, diz.
Atrasado e insuficiente
O descasamento entre demanda e oferta de crédito ficou evidente quando a Caixa e o Banco do Brasil anunciaram, na semana passada, que os recursos destinados ao Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) se esgotaram poucos dias após o início da concessão dos empréstimos.
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No Itaú, primeiro banco privado a liberar os recursos do Pronampe, foram necessárias só 24 horas para liberação de 70% dos R$ 3 bilhões destinados ao programa.
O Pronampe atende microempresas com faturamento anual de até R$ 360 mil e pequenas com faturamento de R$ 360 mil a R$ 4,8 milhões. O dinheiro pode ser usado para pagar salário ou para o capital de giro. O prazo é de 36 meses, com oito meses de carência e os juros equivalentes à taxa Selic mais 1,25% ao ano. A União cobre até 85% de eventuais calotes (por meio do Fundo Garantidor de Operações – FGO) e o risco sobre os 15% restantes é do banco.
Além do Pronampe, o governo anunciou outros três programas de concessão de crédito durante a pandemia: o FGI, o Fampe e o Pese. Juntos, os quatro concederam os R$ 12,489 bilhões mencionados no início da reportagem, até o dia 08 de julho. O Pronampe, sozinho, foi responsável por R$ 6,108 bilhões. Os dados são do “Emprestômetro”, nova ferramenta do Ministério da Economia, que traz dados atualizados sobre concessão de crédito.
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Dos R$ 18,7 bilhões anunciados para o Pronampe, o Emprestômetro mostra que foram emprestados R$ 6,1 bilhões – como os dados foram computados até o dia 08, eles ainda não consideram parte da concessão feita pelo Itaú nos últimos dias.
Para Murilo Viana, os dados deixam claro que o Pronampe foi o programa de maior sucesso até o momento, mas ainda assim está longe de ser o suficiente. “Ponto um: o programa é tardio, faltou timing do governo; ponto dois: apesar de ter começado com uma velocidade boa, não há garantia de que esse volume vai crescer no mesmo nível da necessidade das empresas”, diz Viana.
Com a falta de timing, empresas que eram saudáveis e no início da pandemia tinham apenas pequenos problemas de liquidez, agora já estão insolventes, segundo Viana.
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O gerente de políticas públicas do Sebrae, Silas Santiago, concorda que o programa chegou tarde: “Ele demorou muito a entrar em linha depois da aprovação. Segundo a Senadora Kátia Abreu [PP-TO], a primeira operação demorou 62 dias para ser aprovada depois da aprovação pelo Congresso Nacional.”
Santiago também avalia que os recursos do Pronampe devem ser insuficientes para suprir a demanda por crédito, mas acredita que o governo deve anunciar novos aportes, assim que os R$ 18,7 bilhões reservados ao programa forem totalmente concedidos.
Crédito negado agora, custo alto depois
De acordo com o estudo “Impacto da pandemia nos Pequenos Negócios”, feito pelo Sebrae e pela FGV com 7.703 pequenos empresários, até o começo de junho, 39% das MPE procuraram empréstimos em banco, mas 84% delas não conseguiram ou aguardavam resposta do banco.
Na emblemática reunião ministerial do dia 22 de abril, chamou atenção a fala do ministro da Economia Paulo Guedes sobre as pequenas empresas: “Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos para salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas.”
Murilo Viana discorda da visão do ministro e lembra que as pequenas empresas são responsáveis por 30% do PIB do País e mais da metade dos empregos formais, conforme mostra outro estudo do Sebrae e da FGV. Portanto, segundo ele, a trava no crédito às pequenas pode ser uma economia tola, já que se elas morrerem, o custo com o desemprego pode ser ainda maior depois.
“A falta de crédito afeta a capacidade de recuperação da economia. O governo fala de medidas para o emprego voltar, mas ele precisa ter empresas para empregar essas pessoas”, argumenta Viana.
Diante das dificuldades e incertezas sobre o futuro dos programas de crédito, uma coisa é certa: depender do governo pode ser arriscado demais. Ainda que as cartilhas de negócios para o enfrentamento da crise sejam duras, esperar uma solução de fora pode ser fatal.
Santiago, do Sebrae, dá algumas dicas: “Preservar o caixa, prorrogando o pagamento de obrigações e gerenciando bem sua mão de obra, por meio dos mecanismos de redução de jornada ou suspensão dos contratos de trabalho. Paralelamente, reestudar suas operações, fazendo treinamentos disponibilizados pelo Sebrae, digitalizando seus negócios e procurando por novas oportunidades de mercado”.