O que aconteceu com a fábrica de chips nacional que teve Eike como sócio e está com dívida de R$ 600 milhões

Idealizada em 2005 pelo ex-presidente da Volkswagen do Brasil e o empresário Eike Batista, empresa passou por mudanças societárias

Estadão Conteúdo

Chip (Pok Rie/Pexels)
Chip (Pok Rie/Pexels)

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O fracasso da primeira fábrica da América do Sul a operar em várias etapas da produção de chips está relacionado a diversos fatores que resultaram em pedido de recuperação judicial e dívidas trabalhistas e tributárias de R$ 600 milhões.

Ela foi idealizada em 2005 pelo ex-presidente da Volkswagen do Brasil Wolfgang Sauer – que era um dos acionistas, mas faleceu em 2013. Teve como principal sócio, ao lado do BNDES, o empresário Eike Batista, que vendeu sua parte à Corporación America em 2014, após os escândalos que levaram seu grupo à falência.

Com a mudança de acionista, o nome da empresa foi alterado de Six para Unitec, o mesmo que a fábrica do grupo argentino tem em seu país, onde produz chip para cartão de celular, documento de identidade, passaporte e outras aplicações.

A situação da empresa piorou em 2019, quando a IBM, então dona de 18,8% das ações e provedora da tecnologia, deixou o projeto. A matriz americana vendeu suas operações globais da área de semicondutores e o comprador não se interessou pela fábrica local.

Marco Aurélio Barreto, sócio da Tauá Partner e responsável pelo processo de recuperação da Unitec, afirma que o projeto também passou por dificuldades em razão de alterações do câmbio, que elevaram os custos dos investimentos em reais, pois a maior parte dos equipamentos era importada.

“O que a Unitec mais precisa é de um operador que entenda do tema, que faça design e produção de semicondutores, e tenha clientes e fornecedores”, diz Barreto. O Brasil abriga oito empresas que realizam partes do processo de produção de chips, mas nenhuma que faça a maior parte das etapas.

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Em nota enviada ao Estadão, a Corporación America informa também que, em 2015, os bancos públicos suspenderam as linhas de crédito previstas. “Esta circunstância levou à necessidade de os acionistas aumentarem seus compromissos de capitalização”, diz.

“A Corporación América manifestou interesse em fazer as contribuições correspondentes com os demais sócios mas, infelizmente, eles não quiseram continuar fazendo contribuições de capital”, acrescenta a nota, “e a planta permanece em estado pré-operacional”.

A companhia argentina diz ter feito aportes extraordinários para garantir a manutenção e a proteção dos ativos da empresa, além de conceder linhas de crédito para a Unitec. Segundo informações, alguns maquinários foram vendidos.

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FUNCIONÁRIOS

Segundo o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e região, Geraldo Valgas, a Unitec chegou a ter 150 funcionários, que prepararam a fábrica e fizeram testes de produção. Em 2020, eram apenas 30. A entidade representa dez deles em ação trabalhista que está no Tribunal Superior do Trabalho (TST). O grupo pede cerca de R$ 7 milhões em indenização.

Quem também tem ação contra a Unitec é o BNDES. Além de acionista, o banco emprestou R$ 173 milhões à empresa. A instituição diz que já foi determinada a expedição de carta precatória para penhora de um imóvel dado em hipoteca.

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Segundo o BNDES, “com o aquecimento do mercado global de semicondutores, a companhia e seus acionistas têm buscado investidores estratégicos que se alinhem ao seu plano de negócios, com vistas a tornar a empresa operacional”. O BDMG vai na mesma linha e diz apoiar o processo de busca por um plano de reestruturação que envolva a atração de novos investidores.

A Prefeitura de Ribeirão das Neves não foi envolvida na busca de novos investidores, mas afirma ter interesse em acompanhar o tema. O governo de Minas também quer atrair aportes para o setor, considerado fundamental para a economia. “Apresentações com potenciais investidores estrangeiros já foram realizadas”, diz em nota, sem informar se algum manifestou interesse.

Investidores estrangeiros

Anunciada em 2012 e com previsão de início de operações em três anos, mas inativa até agora, a fábrica de semicondutores da Unitec em Minas Gerais, um investimento de R$ 1,2 bilhão, virou uma espécie de “isca” para atrair grupos internacionais para produzir o componente no Brasil. Hoje, ele é importado da Ásia, e sua escassez desde o início da pandemia tem provocado paradas em várias fábricas no mundo, principalmente nas de veículos.

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Os dois principais acionistas da Unitec são, atualmente, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a empresa argentina Corporación America, com 33% de participação cada. Os minoritários são o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e as empresas Matec e Intecs. O uso de suas instalações e infraestrutura em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte, poderia antecipar em dois anos o início da produção local de chips. Uma fábrica nova pode levar no mínimo quatro anos para ficar pronta.

Foi esse “benefício” – de já ter estrutura para acelerar o processo – que um grupo de dirigentes do setor automotivo e representantes do governo federal apresentou a dois fabricantes de semicondutores em viagem ao Japão nas duas últimas semanas. Um deles é a Renesas, uma das grandes produtoras de chips no mundo, com sede em Tóquio.

O governo brasileiro também informou que, em breve, editará uma medida provisória estabelecendo desoneração tributária, alternativas de financiamento e infraestrutura a interessados em investir na produção local.

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MERCADO

Outro ponto destacado pelo grupo é o tamanho do mercado brasileiro. Só a indústria automotiva deve demandar quase 4 bilhões de chips por ano, tendo como base uma produção anual de 2,3 milhões de veículos, segundo cálculos da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Cada carro novo tem aproximadamente 1,5 mil microchips.

“Dirigentes das duas empresas japonesas (uma pediu para não ter o nome divulgado) ouviram as propostas, pediram mais informações e vão agendar novos encontros, aqui no Brasil, para discutir o tema”, diz o presidente da entidade, Márcio de Lima Leite, que liderou o grupo em visita ao Japão.

Ele lembra que, em vários países, especialmente na Ásia, há 29 fábricas de semicondutores em construção, projetos iniciados antes da crise de escassez provocada pela pandemia. “Hoje, para comprar equipamentos para a produção, há fila de espera de dois a três anos.”

A produção local passou a ser imprescindível para a indústria brasileira, avalia Leite. A demanda por chips, já bem elevada, vai crescer substancialmente com o uso do 5G, da internet das coisas e com a chegada de carros conectados, elétricos e autônomos.

PRODUÇÃO DE VEÍCULOS

A falta de semicondutores ainda aflige a indústria automobilística. O abastecimento melhorou em relação a 2021, mas está longe de se normalizar. A previsão é de que a escassez se mantenha em 2023, mas com menor impacto em relação a este ano. Desde janeiro, o Brasil deixou de produzir cerca de 170 mil veículos por falta de chips e outros componentes. Em 2021 inteiro, foram 378 mil.

Dados da consultoria AutoForecast Solution (AFS) indicam que, no mundo todo, há uma perda de produção de 4,2 milhões de veículos neste ano, somando cerca de 15 milhões de unidades desde o início da pandemia.

Para o presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, a reindustrialização do Brasil passa pela produção de itens hoje só importados, como semicondutores. “Lá fora há 29 fábricas em construção e, se o Brasil não entrar nessa onda, vamos ficar muito atrasados.” Segundo ele, nos dois últimos anos ficou clara a dependência do Brasil e de países da Ásia, mas governos como o dos EUA e europeus estão investindo na localização. “Não temos escolha.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.