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NOVA YORK – O mundo do cinema mal teve tempo de celebrar as boas notícias sobre as vacinas contra o coronavírus quando a Warner Bros., um dos maiores estúdios do mundo, fez um anúncio bombástico: todos os seus 17 filmes previstos para o ano que vem serão lançados simultaneamente nas telonas e no serviço de streaming HBO Max.
A esperança era que a imunização pudesse representar a salvação dos cinemas no Ocidente (na China, o mercado que mais cresce no mundo, as salas já reabriram há meses). Mas o anúncio da Warner Bros. foi um balde de água fria.
Mas a decisão surpreendente de um dos maiores players de Hollywood também deu início a um outro tipo de especulação: será que esse é o início do fim dos cinemas? A sala escura e a tela grande terão o mesmo destino do disco de vinil e do CD?
O consumo de música em mídias físicas ainda existe. Audiófilos puristas exigem discos impressos com os mais rígidos controles de qualidade, e muita gente ainda curte suas coleções de CDs acumulados ao longo dos anos.
Mas a imensa maioria dos consumidores prefere a conveniência de um catálogo extenso e variado, disponível com alguns toques. Talvez o mesmo possa estar começando a acontecer com a experiência de ir ao cinema.
“Escrevi um artigo dizendo que o cinema é o novo disco de vinil, e não é sensacionalismo”, diz o repórter especializado em entretenimento Rodrigo Salem, que mora em Los Angeles. “Assim como o audiófilo gosta do som de qualidade, o cinema tem a sala escura, o som de boa qualidade, a imersão total.” As salas de cinema, para Salem, serão o refúgio para quem ama a experiência completa.
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Além disso, afirma ele, uma geração inteira está acostumada a consumir audiovisual em telas pequenas – e, desde março, isso vale para essencialmente todos nós.
“Se você passa um ano inteiro alimentando essa criança com doce – o streaming – é difícil convencê-la a voltar pro cinema – uma salada saudável”, diz Salem.
Concorrentes de peso
A Netflix, símbolo maior da mudança de hábitos no consumo de filmes e séries, acrescentou 28 milhões novos assinantes entre o início do ano e o mês de setembro, atingindo a marca de 195 milhões de clientes.
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Outras plataformas de distribuição digital também cresceram de forma expressiva por causa da pandemia. Mas, com raras exceções, nunca se encontram lançamentos nesses serviços por assinatura.
As grandes produções de Hollywood operam segundo um sistema rígido de “janelas” de lançamento. Primeiro vêm os cinemas, onde os estúdios tentam recuperar os investimentos feitos na produção e no marketing do filme.
Depois, vêm o pay-per-view, o aluguel online e, finalmente, os serviços de assinatura e a TV. Apesar de a duração de cada janela ter encolhido um pouco – e das exceções quando os estúdios têm suas próprias plataformas de streaming, como a Disney -, essa foi sempre a lógica da indústria.
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A decisão da Warner representa uma ruptura em uma cadeia que existe há décadas e resistiu a mudanças tecnológicas como a introdução das fitas VHS e depois os DVDs.
Provisório ou definitivo?
A Warner diz que a mudança é apenas um ajuste de percurso diante da perspectiva de que, por maior que seja o desejo de voltar aos cinemas, as pessoas talvez demorem a aceitar estar em espaços fechados.
“Sabíamos que provavelmente teríamos de tentar algo diferente”, disse John Stankey, CEO da AT&T (dona da Warner e da HBO Max), em uma conferência de investidores na terça-feira. “A psique e a disposição da população para voltar [a lugares como cinemas] – isso vai ser uma recuperação meio prolongada.”
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A lista de 17 filmes que a Warner vai lançar ao mesmo tempo nas salas de cinema e online incluem blockbusters como a refilmagem de “Duna” e “Matrix 4”.
Eles ficarão disponíveis no serviço HBO Max durante um mês e depois entram no ciclo normal de distribuição. A estratégia será adotada apenas nos Estados Unidos, pois a plataforma HBO Max ainda não foi lançada internacionalmente.
Apesar de todas essas ressalvas, há quem tema que esse seja o prenúncio de um inevitável declínio do cinema. No novo jogo de forças de Hollywood, as assinaturas podem ser mais importantes que a bilheteria.
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Refletindo uma suspeita do setor, Adam Aron, presidente da AMC, maior rede americana de cinemas, afirmou que a Warner está tentando dar um empurrão em seu serviço de streaming, que enfrenta concorrentes de peso.
O HBO Max tem cerca de 8,5 milhões de assinantes, contra quase 200 milhões da Netflix. O Disney+, lançado há pouco mais de um ano, já conta com 86 milhões de assinantes – e na quinta-feira (11) a Disney anunciou uma série de novos conteúdos exclusivos para a plataforma.
A Disney é dona do catálogo mais valioso de propriedades intelectuais do mundo do entretenimento, incluindo os universos Star Wars e Marvel. Por isso, talvez nem mesmo o lançamento antecipado de filmes na internet seja capaz de fazer frente a uma potência desse tamanho.
“Claramente, a WarnerMedia pretende sacrificar uma parte considerável dos lucros do estúdio de cinema para subsidiar a startup HBO Max. Faremos o máximo para garantir que a Warner não faça isso à nossa custa”, afirmou Aron ao jornal The New York Times.
Outros concorrentes – pelo dinheiro dos assinantes e pelo talento dos criadores e atores – incluem Amazon Prime Video, Apple TV+ e o recém-lançado Peacock TV (da rede NBC). No próximo ano, começa a operar o discovery+ (que reúne o conteúdo de canais pagos como Discovery e Animal Planet).
Nova realidade
Apesar de nenhum outro estúdio ter tomado uma medida tão radical quanto a Warner, tudo indica que, mesmo que as janelas de distribuição continuem existindo, elas serão comprimidas.
Em julho, a própria rede AMC aceitou uma redução na exclusividade a que teria direito sobre os filmes da Universal.
Pelos termos da parceria, em vez de esperar entre dois meses e meio e três meses para disponibilizar os filmes em plataformas sob demanda, o estúdio poderia fazê-lo depois de 17 dias.
A concessão foi imposta pela realidade: mesmo com o relaxamento das restrições, o público simplesmente não voltou aos cinemas. Nem mesmo o lançamento de “Tenet”, um dos blockbusters mais esperados do ano, foi capaz de encher as salas.
Mundialmente, o filme gerou receitas de cerca de US$ 360 milhões, mas nos Estados Unidos e no Canadá o total foi de cerca de US$ 56 milhões – muito aquém do esperado.
Segundo a revista Variety, isso representa um prejuízo de até US$ 100 milhões, quando contabilizados os custos de produção e marketing.
Nolan, que tem um relacionamento de longa data com a Warner –responsável por sua trilogia “Cavaleiro das Trevas” e pelos sucessos mundiais “Dunkirk” e “A Origem” -, foi um dos nomes de peso a criticar a decisão do estúdio.
“Alguns dos principais cineastas e estrelas de cinema foram dormir achando que trabalhavam para o melhor estúdio de cinema e, ao acordar, descobriram que estão trabalhando para o pior serviço de streaming”, afirmou o diretor num comunicado enviado ao The Hollywood Reporter.
Mas as críticas mais contundentes foram feitas por Denis Villeneuve, diretor de “Duna”, um dos blockbusters de 2021 que está lista de lançamentos da Warner.
Em um artigo publicado na Variety, ele afirma: “Com essa decisão, a AT&T sequestrou um dos estúdios mais respeitados e importantes da história do cinema. Não há absolutamente nenhum amor pelo cinema nem pelo público. Trata-se da sobrevivência de um colosso das telecomunicações.”
O diretor afirma também que o streaming sozinho não sustenta a indústria cinematográfica como a conhecemos antes da pandemia. Mas talvez essa seja a conclusão: Hollywood já estava mudando, e a pandemia só acelerou uma transformação inevitável.
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