Mais que brincadeira de criança: vendas de jogos de tabuleiro disparam no Brasil, mas mercado tem grandes desafios

Beneficiado pelo aumento de demanda durante a pandemia, empresas do setor, agora, sofrem com inflação de insumos e gastos no frete

Rodrigo Tolotti

Pessoas jogando Dixit (fonte: Galápagos Jogos)
Pessoas jogando Dixit (fonte: Galápagos Jogos)

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Jogos de tabuleiro podem até lembrar brincadeira de criança, mas o mercado desse tipo de entretenimento é ‘coisa de gente grande’. E mais: nos últimos anos, o setor expandiu seu público-alvo para todas as idades e se tornou um negócio bastante lucrativo.

Com as vendas impulsionadas por conta dos lockdowns durante a pandemia, o setor também procurou entregar novidades. Se até alguns anos as opções se limitavam a “Banco Imobiliário”, “War” ou “Detetive”, hoje a variedade de lançamentos chega a casa de milhares por ano. Dados do site Board Game Geek (BGG), maior site especializado em jogos de tabuleiro do mundo, mostram que em 2019 foram lançados 4.677 jogos globalmente. No ano seguinte – e desde então – a marca de 5.000 lançamentos tem sido superada anualmente.

Apesar da força global, este mercado ainda é incipiente no Brasil, mesmo que acompanhe a tendência de alta nos últimos três anos. Em 2022 ocorreram, até o momento, 685 lançamentos de jogos no país, segundo o Ludopedia, que compila informações do mercado brasileiro.

“Este é um mercado maior do que era antes da pandemia e posso dizer sem sombra de dúvida que nós vivemos o melhor momento. É o momento em que mais se vendem jogos ao redor do mundo, e no Brasil também”, afirma Yuri Fang, presidente da Galápagos Jogos.

Mercado bilionário

Fundada em 2009, a Galápagos é hoje a maior companhia do setor no Brasil, com um faturamento próximo de R$ 75 milhões em 2021 e projeção de alcançar R$ 90 milhões nesse ano, segundo Fang. Hoje, a companhia faz parte do grupo francês Asmodee, o maior conglomerado de jogos de tabuleiro do mundo que, por sua vez, foi vendido este ano por 3,1 bilhões de euros para o Embracer Group, uma holding sueca de jogos eletrônicos e mídia.

Outra das maiores editoras do Brasil, a Devir, não abre números absolutos, mas segundo seu gerente comercial, Henrique Amigo, a empresa passou por um crescimento na faixa de 20% a 25% de 2020 para 2021. Para este ano, a expectativa é que o faturamento siga crescendo, ainda que em ritmo menor, entre 8% e 10%.

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“[O ano de] 2021 foi nosso melhor ano dos últimos cinco. Nós estávamos começando a sair da pandemia, e o mercado inteiro estava apostando nisso”, afirma Amigo. Com novas variantes dos vírus, contudo, governos foram obrigados a retornar para medidas de quarentena e fechamento de comércio, o que, por sua vez, acabou favorecendo o setor de entretenimento. “Por isso dizemos que ano passado foi até meio fora da curva”, resume Amigo. Para este ano, a empresa entende que chegou ao teto. “Em 2022 já vemos que atingiu uma máxima, para começar a voltar em direção à média de crescimento, ou seja, está voltando à normalidade”.

Não existe no Brasil um dado específico para o setor de jogos de tabuleiro. Por aqui, segundo a Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), o segmento teve um faturamento de R$ 7,8 bilhões ano passado. Este dado, porém, inclui todo tipo de brinquedo. Desse montante, os jogos de tabuleiro seriam em torno de 10% do setor (R$ 780 milhões) em uma categorização que inclui também quebra-cabeças.

Lá fora, o mercado é bem maior. Segundo o Statista, que compila e faz análises de mercado, apenas na Alemanha, a receita do setor foi de 718 milhões de euros em 2020 (R$ 3,9 bilhões no câmbio de hoje) e, desde então, evoluiu cerca de 20%. Não à toa, este é o país que representa o maior mercado de jogos do mundo.

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Segundo Fang, a liderança da Europa no setor se dá por uma questão cultural, que envolve também a questão dos invernos mais rigorosos na região. “É um ambiente muito propício para você ter um jogo de tabuleiro, para jogar com a família. O jogo de tabuleiro é esse instrumento que efetivamente coloca as pessoas em uma atividade que está todo mundo em pé de igualdade e elas conseguem se divertir ao mesmo tempo, é uma interação física muito interessante”, afirma.

Desafios para o setor crescer no Brasil

Mais do que a questão cultural de se ter jogos de tabuleiro em casa, as empresas brasileiras têm um grande desafio para conseguir fazer os números do país aumentarem. Impactos econômicos, como câmbio e inflação, podem pesar bastante para evitar o aumento do número de pessoas que praticam o hobby.

“Durante a pandemia, quando o mundo sofreu com um gargalo logístico gigante, sentimos na pele o aumento dos preços dos custos, seja do papel, seja do frete. Em um contêiner, até 2019, eu pagava US$ 400. Este ano, já tivemos que desembolsar US$ 10 mil para o mesmo tipo de contêiner, na mesma rota”, explica Fang. “Isso tudo acaba sendo diluído no custo do produto”.

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Já Amigo ressalta que 90% dos jogos lançados no Brasil pela Devir são produzidos no exterior, e mesmo aqueles que são feitos no país também acabam dependendo de insumos atrelados à logística e preços globais, como o papel. “Quando o mundo sente o solavanco, a gente também vai sentir. Sentimos nos últimos anos o câmbio, a explosão do custo logístico, e já temos naturalmente os efeitos do custo Brasil”.

Segundo ele, o custo de logística foi o que mais afetou a companhia, já que ocorreu um aumento de preço no exterior, com os mesmo jogos vendidos na Europa e Estados Unidos tendo valores mais elevados, o que acaba refletido na hora de negociar a aquisição dos direitos dos produtos.

A Galápagos afirma que reduziu suas margens recentemente para não precisar aumentar muito os preços de seus jogos, além de tentar nacionalizar a produção, o que teria impactos menores das pressões globais. “Esse é um dos nosso desafios, como conseguimos cada vez mais produzir localmente para que possamos reduzir o custo do produto e repassarmos isso na conta para o preço ser mais acessível”, explica.

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Do lado positivo, o sucesso de eventos como a CCXP, que ocorre em São Paulo em dezembro, ajuda a dar mais visibilidade para o mercado, além do aumento do número de lançamentos. Os executivos de ambas as editoras ressaltam que hoje há uma variedade muito maior de jogos, com preços que variam desde menos de R$ 50 até mais de R$ 1.000, permitindo o acesso à diferentes tipos de público.

Sobre os preços, ainda existe também o fator de rotatividade desse mercado, em que muitos jogadores revendem e compram jogos usados. A Ludopedia, que possui um marketplace, tem 77% do seu faturamento vindo de artigos usados, segundo o criador do site, Ricardo Gama.

“O mercado tem um giro muito alto de usados, principalmente entre colecionadores. Quando você tem um lançamento, sempre tem alguém querendo vender um jogo que está parado na estante para comprar outro”, explica ele, que ressalta que houve um aumento de 30% no número de pedidos mensais no ano passado.

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E mesmo com os desafios, os executivos do setor estão bastante otimistas tanto pela visão do crescimento que há do mercado no exterior, quanto pela quantidade de pessoas que ainda não compram jogos no Brasil. “Eu brinco que a gente não fez o nosso trabalho direito porque não conquistamos todo mundo ainda, mas é um trabalho que leva tempo, é muito difícil mudar a cultura de um país, o comportamento, hábitos, mas eu acredito”, diz Fang.

Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.