Justiça aceita pedido de recuperação judicial da Americanas (AMER3)

Juiz afirma que alegações de fraude devem ser apuradas, mas que não se pode inviabilizar a operação da empresa

Rikardy Tooge

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A Justiça do Rio de Janeiro aceitou no fim da tarde desta quinta-feira (19) o pedido de recuperação judicial da Americanas (AMER3). A varejista alega ter dívidas de R$ 43 bilhões com mais de 16 mil credores – a lista deverá ser entregue pela companhia em até 48 horas.

“Trata-se de uma das maiores e mais relevantes recuperações judiciais ajuizadas até o momento no país, não só por conta do seu passivo, mas por toda a repercussão de mercado”, escreveu o juiz Paulo Assed, que aprovou o pedido.

O escândalo contábil de R$ 20 bilhões reportado há uma semana se transformou na quarta maior recuperação judicial do Brasil, atrás da Odebrecht – atual Novonor – (R$ 80 bilhões), Oi (OIBR3) (R$ 65 bilhões) e Samarco (R$ 55 bilhões), de acordo com levantamento dos escritórios Lara Martins Advogados e Mingrone e Brandariz.

O magistrado alega que, a despeito das acusações de fraude contábil por parte dos credores, “não se pode confundir eventuais responsabilidades e atos praticados por gestores e/ou controladores com a necessária proteção da atividade econômica empresarial”.

Próximos passos

Assed diz que a decisão visa proteger uma empresa relevante na economia, que atende mais de 50 milhões de pessoas. A partir de agora, os escritórios Preserva-Ação Administração Judicial, do advogado Bruno Rezende, e o Escritório Zveiter serão os administradores judiciais da Americanas.

Com a recuperação judicial em curso, a Americanas terá um período de 180 dias dentro de um chamado “prazo de blindagem”, em que todas suas obrigações de dívida ficam suspensas – este intervalo pode ser prorrogado por mais 180 dias.

Antes disso, em até 60 dias, a empresa precisará apresentar a primeira versão de um plano de reestruturação, com as principais medidas a serem tomadas para o balanceamento de sua estrutura de capital. Por fim, a companhia tem até 150 dias para convocar uma assembleia de credores para aprovar o plano de reestruturação.

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Isso significa que os valores que foram congelados por bancos, como os R$ 470 milhões pelo Bradesco (BBDC4), terão que ser devolvidos ao caixa da Americanas.

No caso do bloqueio de R$ 1,2 bilhão, promovido pelo BTG Pactual (BPAC11), a retenção permanece, uma vez que a decisão é de uma instância superior à de Assed, lembra o advogado Marcello Vieira de Mello, do escritório GVM. Agora caberá à varejista recorrer na segunda instância para destravar o dinheiro.

Caixa estava inviabilizado

A Americanas aponta que, desde o anúncio do rombo, a empresa vem perdendo a capacidade operacional diante do rebaixamento de notas de crédito e bloqueio de recursos da empresa sob custódia de bancos.

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“O que fez com que os bancos se negassem a adiantar recebíveis de cartão de crédito, operação rotineira e historicamente feita pelo grupo Americanas para capital de giro, drenando mais de R$ 3 bilhões do caixa da Companhia”, argumenta.

A empresa alega na petição ter apenas R$ 250 milhões em caixa, dos quase R$ 8 bilhões anunciados na quinta-feira passada. A quantia não é suficiente para manter a operação, lembra a Americanas. Já sobre o problema contábil, a varejista diz que “ainda é cedo para precisar o que aconteceu e quem são os efetivos responsáveis por esse infortúnio”.

Bilionários vão ajudar na operação

Em fato relevante após a divulgação do pedido de RJ, a Americanas afirma que há compromisso de seus acionistas de referência, os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, em manter a liquidez da companhia “em patamares que permitam o bom funcionamento da operação de todas as lojas, do seu canal digital, Americanas.com, da AME e suas coligadas”.

O trio fundador do 3G Capital também havia se comprometido a ajudar em uma emissão extra de ações (follow-on) com o aporte de R$ 6 bilhões. No entanto, nas contas da XP, a necessidade de capital da varejista pode ficar entre R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões.

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‘Promissora’ até semana passada, diz petição

A petição da Americanas aponta que não existia desconfiança do mercado sobre a qualidade de gestão da varejista até ela mesmo divulgar o rombo contábil, que culminou na saída do então CEO Sergio Rial e do CFO Andre Covre apenas nove dias depois de assumirem os cargos.

“A operação sempre foi saudável, tendo se mantido dessa forma até uma semana atrás, quando a Companhia ainda era vista como uma sociedade sustentável e muito promissora. Porém, por razões inesperadas e que abalaram toda a estrutura do grupo, as Requerentes [Americanas] viram o seu caixa e expectativas de faturamento ruírem em questão de minutos”.

A empresa segue afirmando que espera apoio do judiciário e dos credores para evitar um problema maior. “A Americanas é, sem receio de se estar cometendo um exagero, uma gigante nos mercados brasileiro e mundial, que precisa do apoio e da compreensão do Poder Judiciário e dos credores para superar essa crise”, conclui.

Negociação será complexa

A discussão neste momento, apontam especialistas, é qual caminho os credores vão “perder menos”. A avaliação é de não existe uma equação em que os bancos não tenham que dar desconto às dívidas da Americanas. Um calote completo da varejista poderia tirar R$ 7 bilhões dos bancos, segundo apuração do Estadão.

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“Se vai para uma RJ, aí o haircut [desconto] pode ser alto, já tiveram casos de corte de 80% do valor original em uma recuperação judicial. Às vezes, é melhor buscar uma saída negociada do que ir para a RJ”, avalia Max Mustrangi, da gestora Excellance, especializada em reestruturação de empresas.

“Por isso é importante os acionistas aportarem recursos, pois isso mitiga o prejuízo dos bancos”, acrescentou Mustrangi, em entrevista concedida ao InfoMoney na última terça-feira (17).

Para ele, uma recuperação sindicalizada com os bancos seria a melhor alternativa. Neste caso, é possível discutirem um meio-termo que não prejudique o balanço dos bancos e nem “mate” a empresa.

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Além do mais, dentro de uma recuperação judicial, os bancos terão de esperar os funcionários receberem seus direitos, ficando para o fim da fila junto com o governo, a depender da formatação das dívidas.

“Não é negócio para ninguém a Americanas quebrar. Se arrastaria muito emprego, empresas pequenas e médias, além de travar o sistema financeiro. Os números de exposição de alguns bancos à Americanas é quase um lucro líquido trimestral da instituição, não é pouca coisa. Isso coloca em risco toda a economia”, conclui Mustrangi.

Venda de ativos

Como saída para o pagamento dos mais de R$ 40 bilhões em dívidas, a venda de ativos da Americanas se torna iminente.

A participação da varejista em controladas, como a Natural da Terra, a Uni.co (dona da Imaginarium e Puket) e a Vem – uma joint venture com a Vibra (VBBR3) para lojas de conveniência – está estimada no último balanço da empresa em R$ 3,3 bilhões.

Neste quesito, Sérgio de Carvalho, da Match Capital, aponta que deverá haver um deságio importante na Natural da Terra. Comprada pela Americanas em 2021 por R$ 2,1 bilhões, hoje estaria valendo cerca de R$ 1,3 bilhão, seguindo um múltiplo otimista de cinco vezes o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, em inglês).

O que mais pode ser aproveitado?

Em uma hipótese de dissolução do negócio, a empresa teria disponível aos credores cerca R$ 26 bilhões em valores contábeis, sem considerar possíveis descontos e inadimplências. Os dados levantados se referem ao último balanço publicado pela Americanas, referente ao terceiro trimestre de 2022 (até setembro), que passará por ajustes e muitos números deverão ser revistos.

Partindo desta premissa, no curto prazo há R$ 21 bilhões, uma vez que a empresa possui R$ 8,6 bilhões em caixa e investimentos financeiros. Além disso, há uma expectativa de receber R$ 5,4 bilhões em pagamentos parcelados – em que há risco de inadimplência de uma parte relevante –, R$ 5,8 bilhões em estoques de produtos e R$ 1,6 bilhão em impostos a recuperar no curto prazo.

Já considerando recebimentos de longo prazo, há mais R$ 5,3 bilhões, sendo R$ 4,1 bilhões em créditos tributários e R$ 1,2 bilhão em títulos, investimentos e créditos a receber.

Entre ativos imobilizados e intangíveis, que exigem mais tempo para se materializar em dinheiro e com risco de forte deságio em função da necessidade de caixa, são R$ 13,5 bilhões. Sendo R$ 9,1 bilhões em ativos intangíveis, como marcas e patentes, por exemplo, e R$ 4,4 bilhões em imobilizados, como imóveis administrativos, galpões e equipamentos.

“São valores subjetivos e depende muito do contexto em que são negociados. Quando se fala em varejo, a marca por si só é valiosa, é o que passa credibilidade ao consumidor, em que ele decide se vai em uma loja ou outra”, explica Carvalho, da Match Capital.

Rikardy Tooge

Repórter de Negócios do InfoMoney, já passou por g1, Valor Econômico e Exame. Jornalista com pós-graduação em Ciência Política (FESPSP) e extensão em Economia (FAAP). Para sugestões e dicas: rikardy.tooge@infomoney.com.br