Ilha de Portugal aposta em vila de “nômades digitais” para se tornar paraíso do trabalho remoto

Digital Nomad Village, na Ilha da Madeira, é espaço criado para profissionais que trabalham de forma remota. Existe até um visto específico para isso

Lizzie Nassar

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O carioca João Vicente Costa Velho, 34 anos, decidiu sair de um escritório de design gráfico e tecnologia no centro do Rio de Janeiro para viver como “nômade digital”, um profissional que aproveita a tecnologia para trabalhar de maneira remota e sem depender de uma base fixa para trabalhar. Dono de um passaporte português, ele decidiu ir para a Ilha da Madeira, no litoral de Portugal, durante a pandemia.

“Eu me sinto muito mais motivado e criativo quando posso conciliar a jornada de trabalho com outras atividades e viagens. Cheguei na Ilha da Madeira para ficar três semanas e acabei ficando oito. A experiência superou a minha expectativa”, diz.

Eleita “Melhor Destino Turístico Insular” do mundo pelo World Travel Awards, a Ilha da Madeira é sede da primeira vila de nômades digitais da Europa, a Digital Nomad Village. A iniciativa é liderada pela Startup Madeira e conta com o apoio do governo regional, e oferece um espaço com estações de trabalho (mesas, cadeiras e internet) gratuitas.

A ideia surgiu de um projeto de conclusão de curso na faculdade. “Quando apresentei a ideia ao governo da Madeira, eles decidiram investir e virou realidade. Agora, vamos multiplicar o formato em outros locais da ilha. O trabalho remoto vai ser o novo normal em muitas empresas. As pessoas podem agora escolher onde querem estar”, afirma Gonçalo Hall, consultor do Digital Nomad Village.

O projeto começou em setembro de 2020 durante um evento online para 800 pessoas. Dois meses depois, em novembro, já existia um site e parceiros para alojamento local. E 30 dias depois, o site já estava no ar, com 300 inscritos para ficarem na ilha de fevereiro a junho. A estreia foi em fevereiro, com 200 casas preparadas para receber os nômades.

“Os madeirenses querem viver em comunidade e estão acostumados com turistas. É ‘cool’ viver na madeira. É uma via de mão dupla”, diz o Secretário Regional da Economia, Rui Barreto.

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Com suporte público inicial de 30 mil euros, o governo regional tem a expectativa de gerar uma receita de 20 milhões de euros por ano na Ilha da Madeira. O arquipélago, que fica a 973 km de Lisboa, tem 262 mil habitantes e uma economia essencialmente voltada para o turismo.

“O investimento serviu para reformar um auditório desativado. Nossa intenção é diversificar a base econômica com produtos de marcas sustentáveis, design e outros meios, não só viver do turismo”, diz Barreto. O secretário regional da economia afirma que dos 5 mil inscritos até agora, 400 são brasileiros. A maioria é dos Estados Unidos.

O brasileiro João Vicente conheceu a Digital Nomad Village por meio de um grupo de WhatsApp de nômades digitais, que troca informações sobre lugares que estão estruturados para receber os profissionais viajantes.

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De acordo com o diretor da startup responsável pelo projeto da vila digital, Carlos Lopes, os nômades que chegam à Ilha da Madeira têm um perfil diferente dos turistas.

Com idade entre 20 a 58 anos, os profissionais são de diversas áreas: desde fundadores de startups até CEOs de empresas, passando por advogados, designers, agentes de viagens, professores, profissionais ligados ao esporte, jornalistas, tradutores e economistas, entre outros.

Mas se engana quem pensa que um nômade digital viaja todas as semanas ou está em um país diferente em cada mês. Segundo pesquisas feitas pela Welance em 2016, 44% dos nômades disseram que ficam de um a três meses no mesmo lugar. Por outro lado, 9% responderam que visitam mais de dez países ou cidades diferentes no período de um ano.

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“Eles querem fazer contatos com outros empresários, querem unir o trabalho ao lazer e viver em comunidade. Por isso, incluímos várias programações, como yoga, mergulho, crossfit, passeios de barco, montanhismo, encontros de negócios”, explica Carlos Lopes, presidente da Startup Madeira.

O projeto apresenta desafios, como a adaptação dos empreendedores locais para compreender esse mercado e desenvolver estrutura para o novo público. Muitos já estão investindo. É o caso de Luis Pestana, natural da Ilha da Madeira. Ele e mais dois amigos criaram a HubRemotely, uma plataforma para reunir vários parceiros, desde atividades esportivas, cultura e lazer, e facilitar a conexão dos nômades com a região de Santa Cruz, outra localidade da Madeira.

“Santa Cruz é uma região mais próxima do aeroporto, tem hotéis grandes. Então, decidimos investir e está dando certo”, explica Pestana.

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Como ir trabalhar na Ilha da Madeira?

Para garantir uma vaga na vila, é preciso preencher um formulário de inscrição no site e aguardar a reposta dos organizadores. “Já temos inscrições de 95 países, incluindo o Brasil. São pessoas de todas as idades, dos 18 aos 83 anos. São quase 3 mil inscrições na faixa etária dos 30 aos 40, e centenas na faixa dos 60 ao 70. Não importa a idade”, diz Lopes.

É importante ter passaporte europeu ou um visto especial para nômades digitais. Os brasileiros sem visto de nômade digital ainda não têm entrada permitida na União Europeia.

Para obter um visto de nômade digital, os candidatos devem comprovar que são, de fato, trabalhadores remotos e que podem se sustentar financeiramente durante todo o período da permanência no exterior. Isso pode ser feito por meio da apresentação de extratos e recibos bancários.

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“Atendendo as atuais restrições aéreas entre o Brasil e União Europeia, não é possível neste momento para nômades digitais do Brasil viajar para Portugal, apenas por razões essenciais. Entretanto podem se registar, pois já ficam na nossa base de dados. Assim que for possível viajar, podem vir para a Madeira e trabalhar remotamente, até 90 dias, apenas com um visto de turista. Quanto a vistos mais específicos, muitos já estão em contato com advogados locais para poderem obter mais informações e dar entrada na candidatura para um Visto que os permite ficar em Portugal por mais de 90 dias, como é o caso do Visto D7”, explica Micaela Vieira, gestora de projetos da Startup Madeira.

O custo com moradia de um apartamento de dois quartos custa, em média, 1.000 euros (cerca de R$ 6.500, na cotação atual).

Como funciona o visto de nômade digital?

Cada país que emite vistos para nômades digitais tem suas próprias políticas e regulamentações em vigor. Alguns permitem que os cidadãos elegíveis se candidatem online e outros exigem que as pessoas apresentem a candidatura pessoalmente em uma embaixada ou consulado.

A recomendação é que os trabalhadores remotos entrem em contato com as autoridades do país que desejam visitar para verificar os requisitos do visto para nômades digitais e o processo de candidatura.

O candidato ao visto de nômade digital precisará de um passaporte válido e elegível e comprovação de ganhos estáveis remotamente. Muitos países com vistos para nômades digitais também exigem o pagamento de uma taxa para candidatura. Os viajantes sempre devem checar se será necessária documentação adicional, como seguro com assistência médica e certificado de vacina.