Google no banco dos réus? O cerco se fecha sobre as gigantes de tecnologia

Procuradores de 50 estados americanos anunciaram nesta semana uma investigação antitruste contra a empresa. Facebook, Amazon e Apple também estão na mira

Equipe InfoMoney

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NOVA YORK – O cerco está se fechando sobre as gigantes da tecnologia. Facebook, Google, Amazon e Apple estão na mira das autoridades americanas por causa do poder excessivo – ou quase monopólio, segundo os críticos — que exercem na economia digital.

Procuradores de 50 estados, o Departamento de Justiça, o Congresso e a Federal Trade Commission, órgão que protege e concorrência, estão investigando em várias frentes distintas as quatro companhias de tecnologia mais famosas e poderosas do mundo.

Os inquéritos – 16 só nos Estados Unidos, além de diversos outros em países europeus — podem levar a processos judiciais e, no fim das contas, resultar em penalidades pesadas, que incluem uma possível sentença determinando a quebra das companhias em negócios separados.

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Embora uma decisão tão radical considerada improvável, muitos observadores acreditam que as quatro grandes não operarão nas mesmas condições que as trouxeram até aqui. Em outras palavras, não terão mais a liberdade para fazer o que bem entenderem.

“Estamos aqui porque existe uma ameaça à existência do nosso mercado virtual”, disse na segunda-feira Jeffrey Landry, procurador-geral da Louisiana. Falando aos jornalistas na frente da Suprema Corte, Landry e representantes de um grupo de 50 procuradores de 50 estados (incluindo o distrito federal de Washington e o território de Porto Rico) anunciaram uma investigação antitruste contra o Google. A empresa “domina todos os aspectos da publicidade na internet e das buscas na internet”, afirmou Ken Paxton, procurador-geral do Texas e líder do grupo.

A afirmação não parece exagerada. No mercado americano, espera-se que o Google fature mais de 48 bilhões de dólares este ano só com publicidade online, além de controlar mais de três quartos de todos os anúncios relacionados a buscas, segundo a empresa de pesquisas eMarketer. “Eles dominam o lado do comprador, o lado do vendedor, o lado dos leilões e o lado dos vídeos, com o YouTube”, disse Paxton.

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Jardim murado

O Google nasceu com um objetivo simples: direcionar os usuários para outras páginas da internet, com base nas palavras digitadas no campo de busca. Com o tempo, porém, as páginas de resposta passaram a incluir cada vez mais respostas imediatas (sem que o usuário clique e saia do Google) ou então sugestões de sites e serviços da própria empresa, como mapas, voos, imagens e compras.

Em junho de 2019, pela primeira vez nos 21 anos de vida da companhia, mais da metade das pesquisas feitas no Google resultaram em zero cliques para outros sites, segundo uma análise recente publicada por Rand Fishkin, fundador da SparkToro, empresa especializada em marketing digital. “É um marco na evolução do Google de mecanismo de buscas para jardim murado”, escreveu Fishkin.

Jardim murado é um termo usado no Vale do Silício para definir empresas que oferecem tudo dentro de seus “muros”. No caso do Google, isso significaria dar mais destaque para os seus próprios produtos nas páginas de resultado das buscas. Como a empresa tem domínio absoluto das pesquisas na internet, a prática poderia ser considerada abusiva no que diz respeito à concorrência.

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Uma suspeita semelhante tem sido levantada contra a Apple e sua loja de aplicativos, a App Store. Análises recentes publicadas pelo New York Times e pelo Wall Street Journal indicam que os aplicativos da empresa costumam figurar no topo da lista de resultados quando o usuário faz buscas.

Numa busca por palavras genéricas, como “mapas”, o app da própria empresa aparece em primeiro lugar em mais de 60% das pesquisa. Nos casos em que os aplicativos geram receita por meio de assinaturas ou vendas de conteúdo, como livros e música, os aplicativos Books e Music ficaram no topo em 95% dos casos, segundo o WSJ.

Aparecer em primeiro lugar não é trivial. A App Store gerou quase US$ 50 bilhões em vendas no ano passado (entre compra de aplicativos e conteúdos vendidos dentro dos apps, o que gera uma comissão para a Apple).

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A ferramenta de buscas da loja de apps é a principal maneira de encontrar novos programas para os celulares e, para as empresas que vivem de criar apps, uma posição de destaque é literalmente questão de vida ou morte.

Segundo a análise do New York Times, os aplicativos da própria Apple apareceram em primeiro lugar em 700 termos usados em buscas. Para figurar acima deles, só pagando por um anúncio.

Em 2018, mais de 100 bilhões de apps foram baixados, segundo a empresa de pesquisa Sensor Tower, especializada na economia dos apps. A Play Store, do Google, foi responsável por dois terços desse total. Mas em receitas a proporção é muito diferente. A Apple faturou US$ 46,6 bilhões, contra US$ 24,4 bilhões do Google.

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Embora tenha uma fatia de mercado menor que o sistema Android, do Google, o sistema iOS, da Apple, é muito maior e mais lucrativo para os desenvolvedores – no ano passado a companhia atingiu a marca de US$ 100 bilhões repassados aos criadores de aplicativos.

Sobre a Amazon, a crítica é semelhante. A companhia tem uma linha crescente de marcas próprias (e sabe quais são as mais vendidas e de melhores margens) e existem suspeitas de que esteja priorizando seus produtos em detrimento dos concorrentes nas buscas.

Poder demais?

O caso contra o Facebook é de outra natureza. Além das controvérsias sobre privacidade e abuso das ferramentas da empresa na política – que renderam uma multa de US$ 5 bilhões –, existe a sensação de que o Facebook simplesmente tenha poder exagerado no mundo das redes sociais.

Segundo o número mais recente divulgado pela companhia, 1,59 bilhão de pessoas usam o Facebook diariamente. Incluindo WhatsApp, Instagram e Messenger, o número chega a 2,1 bilhões de pessoas todos os dias, ou 2,7 bilhões de pessoas por mês.

Os críticos dizem que o Facebook compra empresas de forma “defensiva”, ou seja, com o objetivo de neutralizar concorrentes em potencial – especialmente no caso do Instagram (adquirido por US$ 1 bilhão em 2012) e do WhatsApp (que custou US$ 19 bilhões, em 2014). Ao longo de seus 15 anos, o Facebook adquiriu mais de 70 empresas.

Uma das soluções possíveis seria a obrigação de a companhia fazer um spinoff desses dois negócios, para que eles atuem de maneira independente e não possam mais cruzar e compartilhar informações dos usuários. Mas processos antitruste são longos, caros e extremamente complicados.

Em 1998, num dos casos mais célebres envolvendo uma empresa de tecnologia, o governo americano deu início a um processo contra a Microsoft, alegando que a companhia exercia monopólio no mercado de PCs. O argumento principal da acusação era o fato de o navegador Internet Explorer vinha automaticamente instalado em todos os computadores com o sistema operacional Windows – o que prejudicaria startups que desenvolviam programas concorrentes.

Cerca de dois anos depois, a Justiça determinou que a Microsoft deveria ser dividida em duas empresas: uma responsável pelo sistema Windows e outra para todos os outros programas. Mas a decisão foi revertida em instância superior e em 2001, três anos depois do começo do processo, a companhia chegou a um acordo com o Departamento de Justiça.

Alguns consideram a decisão uma vitória, pois não existe monopólio no mercado de navegadores de internet, e as plataformas móveis (iOS e Android) contam com uma enorme diversidade de aplicativos independentes. Também como resultado do acordo, a Microsoft passou a agir com mais cautela em suas ambições monopolistas, e “essencialmente criou as condições para o surgimento de uma nova geração de empresas”, como escrevem Tim Wu, professor da Universidade Columbia especializado em legislação antitruste, e Richard Blumenthal, senador e na época um dos procuradores estaduais que investigaram a Microsoft.

Mas, na opinião de ambos, startups da época que se beneficiaram do caso – entre elas Facebook, Amazon e Google — agora são elas próprias poderosos gigantes. As vítimas viraram algozes – e agora pode ser sua vez se sentar-se no banco dos réus.

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