Gafisa (GFSA3): Aumento de capital é necessário para fortalecer caixa da empresa, diz CEO 

Em meio ao primeiro grande rali da Bolsa em 2023, executivo aponta necessidade de capital para que empresa prossiga seu turnaround

Rikardy Tooge

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Quando chegou à Gafisa (GFSA3) em setembro do ano passado, Henrique Blecher recebeu a missão de dar tração ao turnaround da construtora, que vive anos incertos, com trocas de controle e os desafios impostos ao setor de construção, da pandemia de Covid-19 até o aperto monetário imposto pelo Banco Central. O que ele não imaginava é que no meio do caminho haveria uma disputa entre acionistas, que faz a empresa protagonizar o primeiro rali da bolsa em 2023.

“Eu fui pego de surpresa com essa movimentação. Em setembro, eu recebi a tarefa de mudar o perfil da empresa, ou seja, vender ativos que não sejam core ou que tenham um carrego alto. Além disso, a estratégia é focar na alta renda, só que, para isso, precisamos de um caixa sólido”, diz Blecher ao InfoMoney.

Essa avaliação do management de que é necessário mais caixa para seguir a transformação da empresa foi o estopim para uma briga entre a Esh Capital, de Vladimir Timerman, gestora que possui uma posição relevante de 15,1% na Gafisa, e o acionista de referência, o empresário Nelson Tanure, controlador da Prio (PRIO3) e da Alliar ( AALR3) – nesta última, Timerman e Tanure também travam uma disputa acionária.

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Entenda a disputa entre Esh e Gafisa

A primeira desavença decorre da emissão de R$ 245 milhões de debêntures conversíveis em ações pela Gafisa em dezembro de 2021, no que a Esh questiona a necessidade da operação e qual seria a destinação do recurso. Este caso segue sendo discutido em segredo de Justiça.

Já a briga mais recente é pública e começou no último dia 25 novembro, quando o conselho de administração da Gafisa aprovou o aumento de capital de R$ 150 milhões. No dia 30 do mesmo mês, a Esh pediu a convocação de uma assembleia geral extraordinária (AGE) de acionistas para questionar os rumos da empresa e cancelar o aumento de capital.

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“O que me causa estranheza é que esse acionista nunca me procurou para saber dos motivos do aumento de capital. Nenhum acionista vai conseguir saber todas as motivações do management pelos comunicados”, aponta o executivo.

Sobre este ponto, a Esh alega que a Gafisa não vem informando seus acionistas de maneira consistente. “O CEO da Gafisa fala de governança corporativa e de cumprir as leis, mas desde abril não divulga o formulário 44 (antigo 358), ocultando do mercado as movimentações de conselheiros e diretoria”, diz a Esh, em nota.

Como efeito da disputa, que levou ao desmonte de posições vendidas (short squeeze) e o interesse de outros traders, os papéis da Gafisa acumulam alta de 376,7% desde o dia 27 de dezembro até esta quinta-feira (5), de R$ 6,44 para R$ 30,70. Somente no pregão de quinta, a alta foi de 47%. O volume negociado também disparou e o valor de mercado da companhia foi a R$ 1,94 bilhão.

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Disputa acirrada

Em uma briga que envolve a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Justiça de São Paulo, a Gafisa conseguiu levar a AGE para o dia 9 de janeiro, que ocorre depois da data planejada para a efetivação do aumento de capital, até então prevista para esta sexta-feira (6). A CVM chegou a recomendar que a homologação fosse feita mediante decisão da AGE dia 9. Questionado, Blecher resume que a companhia avaliou que havia respaldo jurídico para dar prosseguimento ao aumento de capital antes do encontro.

Na prática, a base acionária iria para a votação já com a nova distribuição de papéis decorrentes da operação. No entanto, na quinta-feira (5), a Esh, que não subscreveu o aumento e o considera “ilegal”, conseguiu uma liminar que suspende a iniciativa – a Gafisa tentará recorrer ainda nesta sexta.

Em suma, na visão da Esh, o aumento de capital denota um conflito de interesses, sem explicar ao certo quais seriam eles – embora, entre os agentes de mercado, exista a avaliação de que a gestora se incomoda com a influência de Tanure dentro da empresa, visto pela asset como o real controlador do grupo.

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Um analista com conhecimento no papel diz que, a despeito das necessidades de caixa, as duas operações alvo da disputa acabam, sim, por afetar os minoritários, uma vez que, quem não acompanhar o aumento de capital, acaba com sua participação e poder de voto diluídos.

“Não sei se o fundo [Esh] realmente tem apenas um interesse no setor ou se quer ‘passar um recado’ ao acionista de referência”, disse a fonte.

Blecher reforça que tem tentado explicar a todos os acionistas que o procuram a necessidade da operação. “Nós precisamos de um caixa fortalecido para enfrentar as condições de mercado neste ano”.

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O CEO aponta ainda que emissão de dívidas atreladas ao CDI chegou a níveis “proibitivos” para todo o setor de construção. “No mercado imobiliário, quem fica muito tempo sem lançar [empreendimentos], fica prejudicado”.

O que dizem Esh e Gafisa

Em relação à necessidade de caixa, a Esh questiona a necessidade da compra da incorporada Bait, concluída em setembro e da qual Blecher era sócio, por R$ 89 milhões, segundo a Esh. Mas o fato relevante divulgado pela Gafisa diz que o valor total da transação foi de R$ 90 milhões, sendo apenas uma parte em dinheiro e o restante em ativos imobiliários e outras condições vinculantes.

“Essa operação nunca foi apresentada de maneira transparente aos acionistas. Depois de concretizada, o valor do papel da Gafisa despencou. Se a Gafisa precisa de caixa, como alega o CEO da companhia, não deveria ter comprado a Bait”, reforça a gestora.

Após a resposta da Esh, a Gafisa retornou ao InfoMoney para refutar as acusações da gestora. O CEO Henrique Blecher afirma que a compra da Bait foi uma oportunidade para Gafisa e movimento estratégico para acelerar entrada na alta renda. “Espanta desconhecimento e desinformação desse acionista por ter sido transação amplamente divulgada na mídia, com valores e formas de pagamento sendo apresentados ao mercado”.

Por fim, o executivo reforça que a Esh nunca o procurou para entender nem esta e nenhuma outra operação feita pela gestão da companhia.

Mudança de rumo

Enquanto a disputa segue nos tribunais, CVM e assembleia, a Gafisa tenta sair de uma crise que vive desde meados da década de 2010, quando sofreu um takeover hostil do fundo GWI, do polêmico investidor sul-coreano Mu Hak You, que assumiu o controle da construtora em 2018 e chegou a montar posição de 50,17% meses depois. A gestão do fundo na companhia é avaliada como “desastrosa”.

Relatos da época apontam que, no início de 2019, Mu Hak operou alavancado – ele é conhecido como “rei do termo”, por causa do gosto por essa operação – com 33,6% dos papéis da Gafisa como garantia. A estratégia não deu certo e a posição do investidor coreano acabou indo à leilão na Bolsa, no que, no desenrolar da lambança, tornou Nelson Tanure o acionista de referência da empresa.

Essa complexidade da Gafisa a fez chegar atrasada na reestruturação que as construtoras passaram nos últimos anos, avalia um analista. Sob este cenário, Henrique Blecher tenta prosseguir com os planos de desalavancar a companhia, que encerrou o terceiro trimestre de 2022 com dívida líquida de R$ 1,4 bilhão.

Nesta direção, a empresa anunciou no apagar das luzes do ano passado a venda de sua participação no hotel Fasano Itaim, em São Paulo, por R$ 330 milhões, sendo R$ 246,6 milhões em dívidas – o que garante um spread positivo à Gafisa, uma vez que a empresa comprou a fatia de 80% do empreendimento por R$ 310 milhões em 2020. O comprador foi o fundo Albali, que atualmente possui patrimônio líquido de R$ 368,8 milhões, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

O Albali é gerido pela Trustee DTVM, uma asset apontada pela Esh Capital como ligada ao Banco Master, que, por sua vez, ainda de acordo com a gestora, teria relação com a MAM Asset, veículo de investimentos de Tanure. Para além do negócio envolvendo o hotel, a Gafisa informou na noite desta quinta-feira que a MAM Asset assumiu uma posição de 11,4% do capital social da companhia.

Já sobre a negociação do Fasano, do ponto de vista fundamentalista, a venda deverá oferecer fôlego à alavancagem da Gafisa em um cenário de aperto para as empresas de construção.

Henrique Blecher, CEO da Gafisa (Divulgação)
Henrique Blecher, CEO da Gafisa: necessidade de caixa reforçado para encarar 2023 (Divulgação)

Em outras frente, Blecher quer levar a Gafisa a disputar o segmento de alta renda, em um nicho que a JHSF (JHSF3) é um dos grandes players. “Eu não fico olhando para os vizinhos, cheguei à empresa com esse mandato e vou executá-lo”, afirma.

No entanto, para dar prosseguimento à estratégia, o executivo reforça, mais uma vez, a necessidade de caixa. “Embora o setor de alta renda seja mais resiliente em momentos econômicos difíceis, também demanda mais capital. Os terrenos são mais caros, há mais custo e estrutura para esses empreendimentos”, acrescenta Blecher.

O executivo avalia como importante a estrutura de capital montada pelo conselho de administração – que considera a emissão de debênture e o aumento de caixa – para que a companhia atinja a estratégia estabelecida. “O management assumiu a empresa com obras paradas, hoje estamos com todas rodando e com 20 delas perto da entrega. Nós entendemos que este planejamento irá entregar valor ao acionista”, conclui o CEO.

Rikardy Tooge

Repórter de Negócios do InfoMoney, já passou por g1, Valor Econômico e Exame. Jornalista com pós-graduação em Ciência Política (FESPSP) e extensão em Economia (FAAP). Para sugestões e dicas: rikardy.tooge@infomoney.com.br