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Quando chegou à Gafisa (GFSA3) em setembro do ano passado, Henrique Blecher recebeu a missão de dar tração ao turnaround da construtora, que vive anos incertos, com trocas de controle e os desafios impostos ao setor de construção, da pandemia de Covid-19 até o aperto monetário imposto pelo Banco Central. O que ele não imaginava é que no meio do caminho haveria uma disputa entre acionistas, que faz a empresa protagonizar o primeiro rali da bolsa em 2023.
“Eu fui pego de surpresa com essa movimentação. Em setembro, eu recebi a tarefa de mudar o perfil da empresa, ou seja, vender ativos que não sejam core ou que tenham um carrego alto. Além disso, a estratégia é focar na alta renda, só que, para isso, precisamos de um caixa sólido”, diz Blecher ao InfoMoney.
Essa avaliação do management de que é necessário mais caixa para seguir a transformação da empresa foi o estopim para uma briga entre a Esh Capital, de Vladimir Timerman, gestora que possui uma posição relevante de 15,1% na Gafisa, e o acionista de referência, o empresário Nelson Tanure, controlador da Prio (PRIO3) e da Alliar ( AALR3) – nesta última, Timerman e Tanure também travam uma disputa acionária.
• Entenda a disputa entre Esh e Gafisa
A primeira desavença decorre da emissão de R$ 245 milhões de debêntures conversíveis em ações pela Gafisa em dezembro de 2021, no que a Esh questiona a necessidade da operação e qual seria a destinação do recurso. Este caso segue sendo discutido em segredo de Justiça.
Já a briga mais recente é pública e começou no último dia 25 novembro, quando o conselho de administração da Gafisa aprovou o aumento de capital de R$ 150 milhões. No dia 30 do mesmo mês, a Esh pediu a convocação de uma assembleia geral extraordinária (AGE) de acionistas para questionar os rumos da empresa e cancelar o aumento de capital.
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“O que me causa estranheza é que esse acionista nunca me procurou para saber dos motivos do aumento de capital. Nenhum acionista vai conseguir saber todas as motivações do management pelos comunicados”, aponta o executivo.
Sobre este ponto, a Esh alega que a Gafisa não vem informando seus acionistas de maneira consistente. “O CEO da Gafisa fala de governança corporativa e de cumprir as leis, mas desde abril não divulga o formulário 44 (antigo 358), ocultando do mercado as movimentações de conselheiros e diretoria”, diz a Esh, em nota.
Como efeito da disputa, que levou ao desmonte de posições vendidas (short squeeze) e o interesse de outros traders, os papéis da Gafisa acumulam alta de 376,7% desde o dia 27 de dezembro até esta quinta-feira (5), de R$ 6,44 para R$ 30,70. Somente no pregão de quinta, a alta foi de 47%. O volume negociado também disparou e o valor de mercado da companhia foi a R$ 1,94 bilhão.
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Disputa acirrada
Em uma briga que envolve a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Justiça de São Paulo, a Gafisa conseguiu levar a AGE para o dia 9 de janeiro, que ocorre depois da data planejada para a efetivação do aumento de capital, até então prevista para esta sexta-feira (6). A CVM chegou a recomendar que a homologação fosse feita mediante decisão da AGE dia 9. Questionado, Blecher resume que a companhia avaliou que havia respaldo jurídico para dar prosseguimento ao aumento de capital antes do encontro.
Na prática, a base acionária iria para a votação já com a nova distribuição de papéis decorrentes da operação. No entanto, na quinta-feira (5), a Esh, que não subscreveu o aumento e o considera “ilegal”, conseguiu uma liminar que suspende a iniciativa – a Gafisa tentará recorrer ainda nesta sexta.
Em suma, na visão da Esh, o aumento de capital denota um conflito de interesses, sem explicar ao certo quais seriam eles – embora, entre os agentes de mercado, exista a avaliação de que a gestora se incomoda com a influência de Tanure dentro da empresa, visto pela asset como o real controlador do grupo.
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Um analista com conhecimento no papel diz que, a despeito das necessidades de caixa, as duas operações alvo da disputa acabam, sim, por afetar os minoritários, uma vez que, quem não acompanhar o aumento de capital, acaba com sua participação e poder de voto diluídos.
“Não sei se o fundo [Esh] realmente tem apenas um interesse no setor ou se quer ‘passar um recado’ ao acionista de referência”, disse a fonte.
Blecher reforça que tem tentado explicar a todos os acionistas que o procuram a necessidade da operação. “Nós precisamos de um caixa fortalecido para enfrentar as condições de mercado neste ano”.
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O CEO aponta ainda que emissão de dívidas atreladas ao CDI chegou a níveis “proibitivos” para todo o setor de construção. “No mercado imobiliário, quem fica muito tempo sem lançar [empreendimentos], fica prejudicado”.
O que dizem Esh e Gafisa
Em relação à necessidade de caixa, a Esh questiona a necessidade da compra da incorporada Bait, concluída em setembro e da qual Blecher era sócio, por R$ 89 milhões, segundo a Esh. Mas o fato relevante divulgado pela Gafisa diz que o valor total da transação foi de R$ 90 milhões, sendo apenas uma parte em dinheiro e o restante em ativos imobiliários e outras condições vinculantes.
“Essa operação nunca foi apresentada de maneira transparente aos acionistas. Depois de concretizada, o valor do papel da Gafisa despencou. Se a Gafisa precisa de caixa, como alega o CEO da companhia, não deveria ter comprado a Bait”, reforça a gestora.
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Após a resposta da Esh, a Gafisa retornou ao InfoMoney para refutar as acusações da gestora. O CEO Henrique Blecher afirma que a compra da Bait foi uma oportunidade para Gafisa e movimento estratégico para acelerar entrada na alta renda. “Espanta desconhecimento e desinformação desse acionista por ter sido transação amplamente divulgada na mídia, com valores e formas de pagamento sendo apresentados ao mercado”.
Por fim, o executivo reforça que a Esh nunca o procurou para entender nem esta e nenhuma outra operação feita pela gestão da companhia.
Mudança de rumo
Enquanto a disputa segue nos tribunais, CVM e assembleia, a Gafisa tenta sair de uma crise que vive desde meados da década de 2010, quando sofreu um takeover hostil do fundo GWI, do polêmico investidor sul-coreano Mu Hak You, que assumiu o controle da construtora em 2018 e chegou a montar posição de 50,17% meses depois. A gestão do fundo na companhia é avaliada como “desastrosa”.
Relatos da época apontam que, no início de 2019, Mu Hak operou alavancado – ele é conhecido como “rei do termo”, por causa do gosto por essa operação – com 33,6% dos papéis da Gafisa como garantia. A estratégia não deu certo e a posição do investidor coreano acabou indo à leilão na Bolsa, no que, no desenrolar da lambança, tornou Nelson Tanure o acionista de referência da empresa.
Essa complexidade da Gafisa a fez chegar atrasada na reestruturação que as construtoras passaram nos últimos anos, avalia um analista. Sob este cenário, Henrique Blecher tenta prosseguir com os planos de desalavancar a companhia, que encerrou o terceiro trimestre de 2022 com dívida líquida de R$ 1,4 bilhão.
Nesta direção, a empresa anunciou no apagar das luzes do ano passado a venda de sua participação no hotel Fasano Itaim, em São Paulo, por R$ 330 milhões, sendo R$ 246,6 milhões em dívidas – o que garante um spread positivo à Gafisa, uma vez que a empresa comprou a fatia de 80% do empreendimento por R$ 310 milhões em 2020. O comprador foi o fundo Albali, que atualmente possui patrimônio líquido de R$ 368,8 milhões, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
O Albali é gerido pela Trustee DTVM, uma asset apontada pela Esh Capital como ligada ao Banco Master, que, por sua vez, ainda de acordo com a gestora, teria relação com a MAM Asset, veículo de investimentos de Tanure. Para além do negócio envolvendo o hotel, a Gafisa informou na noite desta quinta-feira que a MAM Asset assumiu uma posição de 11,4% do capital social da companhia.
Já sobre a negociação do Fasano, do ponto de vista fundamentalista, a venda deverá oferecer fôlego à alavancagem da Gafisa em um cenário de aperto para as empresas de construção.
Em outras frente, Blecher quer levar a Gafisa a disputar o segmento de alta renda, em um nicho que a JHSF (JHSF3) é um dos grandes players. “Eu não fico olhando para os vizinhos, cheguei à empresa com esse mandato e vou executá-lo”, afirma.
No entanto, para dar prosseguimento à estratégia, o executivo reforça, mais uma vez, a necessidade de caixa. “Embora o setor de alta renda seja mais resiliente em momentos econômicos difíceis, também demanda mais capital. Os terrenos são mais caros, há mais custo e estrutura para esses empreendimentos”, acrescenta Blecher.
O executivo avalia como importante a estrutura de capital montada pelo conselho de administração – que considera a emissão de debênture e o aumento de caixa – para que a companhia atinja a estratégia estabelecida. “O management assumiu a empresa com obras paradas, hoje estamos com todas rodando e com 20 delas perto da entrega. Nós entendemos que este planejamento irá entregar valor ao acionista”, conclui o CEO.
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