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A perspectiva de que está próximo o início do ciclo de queda de juro no Brasil levou analistas de várias casas a revisar o preço-alvo dos papéis da B3 (B3SA3), a bolsa brasileira, nas últimas duas semanas. Juro mais baixo estimula a negociação de ações e é disso que se alimenta o faturamento da Bolsa, certo? Historicamente os resultados da B3 têm, sim, correlação inversa à movimentação das taxas de juro. Mas essa correlação pode não ser tão direta em um futuro próximo.
Mesmo com uma seca de IPOs (oferta pública inicial de ações) que já dura 21 meses e com uma taxa básica anual de 13,75%, a receita da B3 já caiu proporcionalmente menos nesse último ciclo de juro alto em relação a ciclos anteriores. Em boa parte, o que se perdeu em negociação de ações foi compensado com derivativos de taxa de juro, operações de mercado de balcão e um segmento que vem ganhando cada vez mais atenção do CEO Gilson Finkelsztain: dados e serviços de tecnologia.
“Estamos investindo em linhas de receita menos cíclicas. Queremos ter mais receitas recorrentes de serviços”, diz o carioca Finkelsztain, que está há seis anos à frente da B3 e já vive há 28 anos em São Paulo. O objetivo da B3 é que as atividades que Finkelsztain chama de “business de crescimento” – essencialmente dados e serviços de tecnologia – tenham uma participação no faturamento de 15% a 20% no médio prazo. Hoje, essa fatia é de 5%, ou cerca de R$ 500 milhões de faturamento anual. As operações de mercado de capitais, que são o “core” da Bolsa, devem ficar com outros 80% do faturamento.
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A estratégia de diversificação das receitas começou a ser colocada em prática em meio ao “boom” de IPOs de 2021 – foram 46 naquele ano. Um dos primeiros investimentos em novos negócios foi a criação da Dimensa, uma “joint venture” de tecnologia bancária entre B3 e Totvs. Poucos meses depois veio a compra da empresa de análise de dados Neoway, por R$ 1,8 bilhão. E no fim do ano passado veio a aquisição, por R$ 620 milhões, da empresa de tecnologia e soluções de inteligência artificial Neurotech.
As aquisições de Neoway e Neurotech, segundo Finkelsztain, foram feitas em um momento de mercado muito aquecido e estão agora em processo de digestão. “Estamos incorporando as duas empresas, trazendo para a mesa todas as sinergias de receita e despesa, promovendo incentivos comerciais de vendas cruzadas e reduzindo áreas corporativas”, afirma.
Somadas, as duas empresas devem faturar cerca de R$ 300 milhões este ano e estão no “breakeven” (custos e receitas em equilíbrio). A taxa de crescimento anual tem sido de 20% e a expectativa é de que esse braço de negócios venha a ter uma margem de 30% a 40%, que ainda não foi capturada.
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A estratégia de seguir avançando na área de dados permanece, mas foi ajustada. Daqui pra frente, o crescimento deve vir menos de aquisições e mais de movimentos orgânicos. Em serviços de tecnologia, aquisições também não são prioridade. A estratégia é juntar esforços com empresas do setor por meio de parcerias. “Não vejo a gente adquirindo grandes empresas. Esse é um mundo muito pulverizado [de empresas de tecnologia]”, diz Finkelsztain.
O desafio de crescer em serviços de dados e de tecnologia está nas mãos de uma mulher: a economista Ana Carla Abrão assumiu a vice-presidência de Novos Negócios há dois meses e tem trabalhado em projetos que unem a grande base de dados proprietários de que a B3 dispõe e o know-how tecnológico da casa em produtos para o mercado financeiro. Finkelsztain ressalta que há hoje grande demanda por produtos de risco e compliance, prevenção a fraudes, “onboarding” (cadastro) de clientes. “Tudo isso tem muito valor e está na nossa agenda.”
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Concorrência e novas plataformas
A entrada em novos serviços e produtos de tecnologia é uma oportunidade, mas também um movimento de defesa da B3 em relação à concorrência.
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Mesmo antes da fusão da BM&F Bovespa com a Cetip, em 2017, a instituição já enfrentava reclamações sobre o fato de ser a única bolsa no país. Em março deste ano, acusações sobre monopólio levaram o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a abrir um inquérito administrativo para investigar possíveis práticas anticoncorrenciais.
A apuração do Cade foi motivada por uma denúncia da CSD BR de que a B3 estaria utilizando seu monopólio nos mercados de negociação, clearing e sistemas de liquidação e de depósitos de ativos para “favorecer artificialmente sua posição dominante em mercados relacionados”. Na ocasião, a B3 refutou as acusações e informou que elas tratam “de questões exclusivamente técnicas associadas a mercados sujeitos à intensa e complexa regulação”.
Em pouco mais de uma década, várias empresas tentaram concorrer com a Bolsa em diversas frentes. Além da CSD BR, registradora que tem entre seus acionistas a Chicago Board Options Exchange (CBOE), as bolsas americanas Bats Global Markets e Direct Edge chegaram a anunciar planos de operar no Brasil e depois recuaram.
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A Americas Trading Group (ATG) tentou montar uma clearing de ações e chegou a fazer um acordo com a B3 em 2019 para ter acesso à central depositária da instituição, mas não conseguiu se desenvolver de fato como bolsa. Apesar disso, passou a fazer o trading eletrônico de papéis listados em outras bolsas, roteando ordens em vários mercados, e atraiu a atenção do Mubadala Capital, gestor de ativos do fundo soberano de Abu Dhabi, que em fevereiro deste ano comprou o controle da ATG.
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Para Finkelsztain, a possibilidade de um novo competidor chegar ao país não preocupa, porque a B3 já lida com a concorrência global. “A oportunidade de competição em negócios de bolsa vem muito da falta de capacidade do incumbente de estar up to date [atualizado]. Como tenho confiança grande de que tanto na tecnologia quanto no desenvolvimento de produtos estamos muito avançados, não vejo muito espaço para perder ‘market share’ para uma nova bolsa de ações”, diz Finkelsztain.
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A maior competição que a B3 vem sofrendo não é ruidosa. Além de fintechs que receberam o aval da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para plataformas e serviços, bancos e corretoras têm montado seus próprios sistemas de negociação em mercado de balcão para alguns ativos e também de negociações de ações em bloco (“block trade”).
Para não ficar para trás, a B3 vai lançar até o fim de julho sua plataforma de “block trade”, em que a venda de um bloco de ações não é feita via leilão no pregão – o negócio é fechado entre as duas partes, mas ainda registrado nos livros centrais da B3. Também no segundo semestre será lançada uma nova plataforma de negociação eletrônica de produtos de renda fixa no mercado secundário, com livro privado automatizado de pós-negociação (o registro das operações em até 30 minutos é uma exigência da CVM que terá de ser cumprida por todos os participantes do mercado até o fim deste ano).
A maior preocupação da B3 em relação à concorrência, hoje, é a da internalização de ordens de renda variável, em que dois investidores com contas na mesma corretora poderiam fechar uma operação de compra e venda sem ter que passar por uma Bolsa. Nos “dark pools” (sistemas de ordens internalizadas), a negociação é registrada em livros privados e não no livro central da B3. Nos Estados Unidos, os “dark pools” já respondem por 40% do volume negociado no mercado de ações. No Brasil, esse tipo de negociação é proibida, mas sua liberação está em estudo pela CVM.
“Essa competição regulatória é o que mais me preocupa”, diz Finkelsztain, ressaltando que nos Estados Unidos a liquidez é muito grande – e isso permite que as bolsas sigam sendo formadoras de preço, com transparência. No Brasil, o volume de negócios é bem menor. “Drenar parte dessa liquidez já reduzida para livros privados pode até piorar o mercado”, diz o CEO da B3. Ele defende que sejam estabelecidos limites de negociação de ações em sistemas de ordens internalizadas.
A B3 já lida com a concorrência global. Mas os competidores mais temidos, hoje, estão dentro de casa.
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