Expectativas frustradas afetam custo de capital de empresas, que deverá seguir alto

Incerteza fiscal somada à insegurança de investidores e bancos após caso Americanas demandarão prêmio de risco alto para as operações

Rikardy Tooge

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Após viver o ciclo 2020-2021, marcado pelo dinheiro “barato” por conta da baixa taxa de juros, o setor privado deverá enfrentar mais um exercício com o custo de capital (WACC, em inglês) elevado em 2023, a exemplo do que já ocorreu no ano passado.

Se em 2020 e 2021 a tônica foi de crescimento no faturamento, alongamento de dívidas, aquisições e investimentos a longo prazo, o cenário visto em 2022 foi de retração e busca por eficiência. Para este ano, a novela vista nos 12 meses anteriores deve seguir com uma pressão ainda maior, uma vez que as companhias já “queimaram a gordura” financeira obtida nos anos de bonança.

“O custo de capital já estava alto desde o ano passado, mas agora surgiram mais sinais de alerta. Não vejo a pressão no custo de captação cair tão cedo”, resume Ceres Lisboa, sócia-diretora da Moody’s para análise de crédito de instituições financeiras.

Entre as “red flags” apontadas pela executiva, duas são as principais: a incerteza sobre a política fiscal do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e uma seletividade maior que bancos e investidores terão para aportar recursos após o Caso Americanas (AMER3).

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Esses dois pontos somados a problemas de menor magnitude deverão se traduzir na manutenção de spreads elevados sobre o financiamento das empresas. Isso, inclusive, explica em partes a cruzada do governo federal contra a alta taxa de juros promovida pelo Banco Central, em um movimento de aperto monetário iniciado no primeiro trimestre de 2021.

“Um custo de dívida próximo a 20% [ao ano] machuca demais. É difícil para qualquer empresa – até mesmo as que possuem retornos maiores – absorver um custo desses”, avalia Vinicius Carmona, sócio e diretor de relação com os investidores do BR Partners (BRBI11).

Entre o início de outubro de 2022 até a primeira metade de fevereiro, os juros futuros para 2024 subiram de 12,74% ao ano para algo em torno de 13,3%. Pior: a tendência que era de queda na curva de juros “fechou” para uma sinalização de nível prolongado de estabilidade. “E o mercado de emissão de dívidas precifica o custo do dinheiro na curva longa de juros”, lembra Lisboa.

Ceres Lisboa, diretora da Moody's no Brasil (Divulgação)
Ceres Lisboa, diretora da Moody’s: custo de capital seguirá alto em 2023 (Divulgação)

Isso significa que se as empresas esperavam um arrefecimento no custo de captação, de uma taxa a 20% ao ano para 15%, por exemplo, isso não deverá ocorrer tão cedo quanto o que era estimado até meados do segundo semestre do ano passado.

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Vale lembrar que o WACC é uma das métricas consideradas pela análise fundamentalista, a mais usada pelos investidores profissionais, para definir o valor-justo das ações negociadas na Bolsa.

Investimento travado

O CEO de uma companhia listada na B3 ouvido pelo InfoMoney constata que o atual custo de capital inibe investimentos a longo prazo, que são aqueles que trazem “musculatura” e crescimento para as empresas.

Essa avaliação também é compartilhada por Lula e seus aliados, que vêm endurecendo as críticas ao Banco Central pela atual taxa básica de juros, em 13,75% ao ano, o que faz o juro real (aquele em que se subtraí o índice de inflação) para algo próximo de 8%. Na visão do governo federal, a atual taxa é proibitiva para destravar investimentos.

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Taxa Selic Hoje ajustada a 13,75% ao ano - 01/02/2022

Porém, na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), realizada no começo deste mês, a autoridade monetária sinalizou que a Selic poderá permanecer neste nível ao longo do ano.

“A incerteza política aumenta as preocupações sobre o cenário de crédito em 2023. As preocupações do mercado com o compromisso do governo com o controle fiscal podem aumentar o prêmio de risco”, lembrou a Moody’s, em relatório.

“O empresário trava grandes aportes neste cenário de incerteza. Eles vão ‘empurrando com a barriga’ o que podem. Obviamente, que o que for urgente ele vai fazer, mas o apetite é bem menor”, ressalta Vinicius Carmona, do BR Partners.

Para o CEO ouvido pelo InfoMoney, o cenário também forçaria as empresas a buscarem crédito “da mão para a boca”, ou seja, financiamentos menores apenas para sustentar a operação por mais um ano, afetando a geração de novas receitas.

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“Passa pelo nosso radar uma deterioração dos balanços, mas em um nível marginal porque vemos as empresas que cobrimos em condições financeiras sólidas”, diz Marcos Schmidt, sócio-diretor da Moody’s para análise de empresas.

A agência de risco prevê uma alavancagem média para obrigações de curto prazo de 2,3 vezes a dívida líquida pelo lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, em inglês).

Em uma janela maior, que considera dívidas de longo prazo, o múltiplo deve avançar de 3,2 vezes em 2022 para 3,5 vezes neste ano – retomando o patamar visto em 2021. “A alavancagem deve subir, mas ainda dentro de uma métrica saudável”, acrescenta Schmidt.

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Marcos Schmidt, diretor da Moody's (Divulgação)
Marcos Schmidt, diretor da Moody’s: alavancagem média terá aumento ‘marginal’ (Divulgação)

“O histórico de volatilidade no Brasil faz as empresas terem caixa mais robusto”, ponderou a diretora sênior da Fitch Ratings, Fernanda Rezende, durante palestra a agentes de mercado realizada no início do mês.

Na outra ponta, empresas que possuem maior poder de repasse até conseguiram ampliar os investimentos, como foi o caso da JSL (JSLG3). Com R$ 6 bilhões em novos contratos captados em 2022, a empresa de logística controlada pela Simpar (SIMH3) aumentou em mais de 80% seu capex.

“Como fechamos os contratos em um momento de juros altos, nós nos conseguimos nos proteger. Pior seria se fosse o contrário”, avalia Ramon Alcaraz, CEO da empresa. “Além disso, o prazo longo dos nossos acordos [cerca de 50 meses] acaba por ser uma proteção natural aos juros”, acrescenta.

Efeito Americanas

Quanto ao “efeito dominó” provocado pelo escândalo contábil da Americanas, que resultou em uma recuperação judicial de R$ 42 bilhões, não há dúvidas de que ele irá afetar o custo de crédito. Há, porém, divergências sobre a duração do pedido de um prêmio de risco maior por parte dos agentes de mercado.

“Todo mundo vai pagar a conta da Americanas. A provisão [de perdas] dos bancos foi relevante no trimestre e eles vão precisar rentabilizar isso, seja em um prêmio de risco maior, como também em maior seletividade”, avalia Paulo Weickert sócio fundador e cogestor da Apex Capital.

Os maiores bancos do país – Banco do Brasil (BBAS3), Itaú (ITUB4), Santander (SANB11) e Bradesco (BBDC4) tiveram que provisionar cerca de R$ 10 bilhões em perdas com a varejista no quarto trimestre de 2022 para “limpar” o balanço para 2023.

Paulo Weickert, sócio da Apex Capital (Divulgação)
Paulo Weickert, sócio da Apex Capital: mercado vai pagar ‘conta’ da Americanas (Divulgação)

Entre os “bancões”, destaque negativo para o Bradesco, que projetou perda de R$ 4,8 bilhões com a Americanas, jogando sua provisão para devedores duvidosos (PDD) para mais de R$ 14 bilhões. Isso deixou uma grande desconfiança sobre a operação de crédito dos bancos, que deverá ficar mais seletiva a partir de agora.

Além das instituições financeiras, também é esperada uma retração de debenturistas diante do problema, que deverão torná-los mais avessos à exposição no setor de varejo.

“O caso Americanas afetou a confiança dos investidores com o setor, e a disponibilidade de crédito deverá ser monitorada no curto prazo. O evento pode ter trazido algum desconforto ao mercado, elevar esse custo de captação, mas não vejo ele se sustenta a longo prazo”, complementou Rezende, da Fitch.

Rikardy Tooge

Repórter de Negócios do InfoMoney, já passou por g1, Valor Econômico e Exame. Jornalista com pós-graduação em Ciência Política (FESPSP) e extensão em Economia (FAAP). Para sugestões e dicas: rikardy.tooge@infomoney.com.br