Empresas de saneamento demonstram apetite, mas cobram regulatório ‘firme’ para seguir com investimentos 

Setor precisa investir mais de R$ 800 bilhões para garantir metas de universalização no tratamento de água e esgoto no Brasil até 2033

Rikardy Tooge

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O temor de um impasse regulatório no setor de saneamento tem desencorajado novos investimentos para a expansão da atividade neste início de 2023, na avaliação de algumas das principais empresas da atividade. A despeito de um custo de capital maior em relação a anos anteriores, o risco de alterações no Marco do Saneamento colocou as companhias em compasso de espera.

Estimativas do mercado apontam que são necessários mais de R$ 800 bilhões em investimentos em saneamento na próxima década para que que 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e à coleta de esgoto, de acordo com as metas impostas no Marco do Saneamento, sancionado em 2020.

Da sanção do marco até agora, as empresas privadas estimam R$ 100 bilhões em investimentos contratados e um aumento de market share de 9% para 17% no setor de saneamento. Nos contratos de concessão já celebrados, o setor privado é obrigado a atingir as metas de universalização nas regiões em que atua e deverá manter os investimentos já prometidos. A questão envolve a participação em novas licitações.

E o risco de mudanças no marco da atividade é o que mais tem preocupado as empresas. “A ideia central é ter uma regulação forte e presente. O investimento só é possível assim. É fundamental ter um regramento que tenha perenidade”, afirmou Adriano Stringhini, diretor de relações governamentais da Iguá, durante debate no evento P3C, realizado em São Paulo.

Para Rogério Tavares, vice-presidente de relações institucionais da Aegea, que comprou recentemente a gaúcha Corsan e parte da operação da Cedae, no Rio de Janeiro, a insegurança jurídica deverá refletir na entrega das metas do marco.

“Na própria lei se fala que é possível adiar a meta para 2040 em casos mais complexas. Vejo um prazo apertado e bem possível que vá se estender até 2040. Não é nada absurdo, uma vez que é melhor demorar mais alguns anos do que nunca ter uma previsão”, argumentou.

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“O importante é construir uma modelagem que agregue todos: setor privado e empresas estaduais. Tem potencial para trazer dinheiro de fora e todas as companhias vão precisar de captação, tanto interna como externa. E tem disponibilidade de recursos para isso”, acrescentou Tavares.

Desde o início do governo de transição, em novembro do ano passado, algumas propostas de mudança no Marco do Saneamento começaram a pipocar. A que mais preocupa o setor privado, em especial, se refere a um possível retorno dos “contratos de programa”.

“O debate do saneamento ganhou nova tônica com o marco, que criou um ambiente mais propício a iniciativa privada. Quando a gente pensa em alavancar o saneamento, é necessário um ambiente regulatório que garanta que o investimento feito será remunerado da forma acordada”, defendeu o presidente da Sabesp (SBSP3), André Salcedo.

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O risco para o Marco do Saneamento

Para entender o “contrato de programa”, é preciso lembrar que são os municípios os responsáveis constitucionais pelo saneamento. Seguindo essa premissa, muitos deles não têm condições financeiras de realizar o serviço por conta própria ou de estruturar uma concessão que seja atrativa ao setor privado.

Diante do impasse, a prefeitura fechava um “contrato de programa” com uma empresa estadual sem licitação, por exemplo, para assumir a atividade. Porém, na avaliação de especialistas, esse método criou uma assimetria de competitividade para as empresas privadas e tornou a concessão dos serviços de saneamento alvo de interferência política.

“O importante [para ampliar investimentos] é manter a qualidade dos contratos. O novo Marco do Saneamento é um sucesso inegável, o setor privado ampliou seu marketshare e mais de R$ 100 bilhões de investimentos foram contratados”, diz Ramon Sanches Silva, vice-presidente de novos negócios da BRK Ambiental. “Precisamos de uma regra clara e que não mude, ainda mais em um setor que busca a universalização”.

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Neste sentido, o secretário especial do Programa de Parceria de Investimentos (PPI) do governo federal, Marcus Cavalcanti, afirmou ao InfoMoney que não haverá mudanças na estrutura do Marco do Saneamento. No entanto, será editado um decreto, previsto para ainda este mês, com alterações na legislação.

Duas mudanças são certas e já foram aceitas por municípios, empresas estaduais e privadas. O primeiro consenso é o fim do limite de 25% para a estruturação de Parcerias Público Privadas (PPPs) de companhias estaduais. Outro será a permissão para que os municípios possam acessar financiamentos para eles próprios investirem no saneamento.

A volta dos “contratos de programa” segue sem acordo e dificilmente encontrará consenso, sinalizando que caberá ao governo federal tomar a decisão. “Voltar com o contrato de programa é ‘rasgar’ o Marco do Saneamento”, critica um outro alto executivo ouvido pelo InfoMoney.

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O prefeito da capital de Rondônia, Hildon de Lima Chaves (PSDB), contou um exemplo negativo que sua gestão enfrentou com o “contrato de programa”. Porto Velho é atendida pela empresa estadual de saneamento, a Caerd, que não tem condições de investir na ampliação do serviço porque 97% da receita já está comprometida com custo de pessoal.

Diante do problema, Chaves pretende lançar ainda neste semestre um edital para conceder os serviços de saneamento da cidade à iniciativa privada.

Saneamento pode viver “boom” de tele e eletro

Os executivos utilizaram dois grandes paralelos para reforçarem o potencial que existe para o saneamento: a expansão do setor de telecomunicações, nos anos 1990 e 2000, e o elétrico, em meados da última década. “O setor tem apetite de investir”, reforçou Ramon Chaves, da BRK.

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“O saneamento hoje é o setor elétrico dos anos 2000, do ponto de governança, nível de participação privada. Acredito que vamos experimentar nos próximos anos um crescimento parecido com o que vimos no elétrico. Oportunidades não faltam”, afirmou André Salcedo, da Sabesp.

“O prazo do marco é curto, mas tem muito dinheiro que pode vir. Os investimentos até agora vieram apenas de agentes internos. Quando o estrangeiro sentir um ambiente regulatório firme, mais dinheiro virá e a universalização vai acelerar”, projeta Adriano Stringhini, diretor de relações governamentais da Iguá.

Stringhini lista ainda que é possível obter recursos por outros instrumentos de captação, especialmente aos ligados à tese ESG. “Muitas das nossas instalações se enquadrariam na CPR Verde com base nas áreas que preservamos. Isso é só um exemplo que é possível criar novos ativos que ainda não foram valorados pelo mercado”, completou o executivo.

Rikardy Tooge

Repórter de Negócios do InfoMoney, já passou por g1, Valor Econômico e Exame. Jornalista com pós-graduação em Ciência Política (FESPSP) e extensão em Economia (FAAP). Para sugestões e dicas: rikardy.tooge@infomoney.com.br