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SÃO PAULO – Nas últimas semanas, dez montadoras anunciaram o fechamento temporário de suas fábricas: Chevrolet, Volkswagen, Nissan, Toyota, Renault e Honda, e além das fabricantes de caminhões Mercedes-Benz, Volkswagen Caminhões e Ônibus, Scania e Volvo.
O principal argumento das montadoras é que a suspensão temporária na produção acontece diante da piora da pandemia no Brasil e o novo período de restrições mais rígidas: na última sexta-feira (26), o Brasil registrou recorde de novas mortes pela Covid-19, foram 3.650 óbitos. No sábado (27) foram registradas 3.438 mortes, maior número já visto para este dia da semana e o segundo maior da pandemia em qualquer data. Os dados reforçam que o Brasil vive o momento mais grave da pandemia.
O InfoMoney conversou com especialistas sobre o setor automotivo, que explicaram que, de fato, a pandemia é uma razão para a suspensão temporária, mas há outros motivos para as montadoras optarem pela paralisação das fábricas: falta de peças, queda na demanda por automóveis, e o impacto da crise no bolso do consumidor (que não quer se endividar). Veja abaixo como o setor atravessa a crise — e o que podemos esperar daqui para frente.
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Efeitos da pandemia
A paralisação na linha de produção das fábricas, de forma geral, vai durar em torno de 15 a 20 dias, em função das maiores restrições impostas pelos governos estaduais ao redor do país. Segundo parte das fabricantes que anunciaram a suspensão da produção, o objetivo é contribuir para a diminuição da circulação de pessoas, como Volkswagen e Toyota, por exemplo.
Antonio Jorge Martins, diretor e coordenador acadêmico executivo da FGV, explica que entre os principais problemas que estão convergindo para todas as empresas, a pandemia é primeiro deles.
“O isolamento social, a restrição de circulação e as outras medidas para impedir o avanço da pandemia afetam a linha de produção. Embora a maioria das fabricantes sigam todos os protocolos, a situação é crítica. Por isso, a crise sanitária é parte dos motivos da suspensão da produção”, diz.
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Ele explicou que também há uma preocupação com a saúde dos funcionários. “Na prática, não tem como colocar os trabalhadores da fábrica em home office, e com a pandemia há o risco de ter contaminações internas, o que mais um fator de preocupação em um cenário já conturbado”, afirma Martins.
Milad Kalume Neto, diretor de novos negócios, da consultoria automotiva Jato Dynamics, acrescenta que no fim do ano passado, o setor ameaçou uma recuperação mais sólida, mas com o avanço da pandemia e mais restrições de circulação houve uma desaceleração.
“Agora passamos por um momento em que até os concessionários estão fechados em boa parte do país devido às restrições mais rígidas. Isso se soma ao recolhimento das pessoas novamente, não tem incentivo para a venda, com menos pessoas andando nas ruas, e em consequência também não tem impulso para a produção devido ao segundo problema: falta de peças”, afirma. Em São Paulo, por exemplo, há um toque de recolher entre 20h e 5h e apenas serviços emergenciais podem funcionar.
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Falta de peças
Outro problema significativo em meio à pandemia é a falta de peças, que está atingindo fabricantes não apenas do Brasil, mas do mundo todo — especialmente dos chamados semicondutores.
Essas peças são usadas em diversos segmentos, mas em carros ou mesmo caminhões são responsáveis por integrar sistemas, estão presentes em placas de vídeo etc. Ou seja, o funcionamento tecnológico do veículo — a tela touch presente em vários carros usa semicondutores, por exemplo. Entre os exemplos dessas peças estão microprocessadores, chips, nano circuitos, LEDs, entre outros produtos.
“Grande parte dos setores industriais estão caminhando para a digitalização, o que exige um volume adicional de semicondutores. Ou seja, não apenas o setor automotivo demanda esse tipo de peça, mas também setores de eletroeletrônicos, videogames, entre outros. Com a pandemia, no início do ano passado, as fabricantes de carro ficaram fechadas no Brasil entre abril e junho, e para evitar prejuízos financeiros cortaram as encomendas de semicondutores antecipando a queda nas vendas”, explica Martins.
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De fato, a queda na produção aconteceu e chegou a reduzir 99% em abril, menor nível de produção desde 1957, segundo a Anfavea.
Porém, quando as montadoras cancelaram a demanda de semicondutores em função da pandemia, as empresas que fabricam esse tipo de material redirecionaram os volumes para outras indústrias, como a de videogames e de smartphones, que também utilizam esse material e tiveram mais demanda em meio ao isolamento social.
“Depois, no segundo semestre o setor automotivo apresentou uma recuperação inesperada dada as condições, e retomou a demanda por semicondutores. Porém, as fábricas desses produtos não deram conta de atender todos os pedidos de uma vez. E as faltas começaram a faltar”, afirma Martins.
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Segundo Neto, o problema da falta de peças, especialmente semicondutores é que o Brasil não é um mercado prioritário. “Fabricantes no mundo todo também estão aguardando a chegada dessas peças. E o Brasil vai ficar para trás nessa corrida. Embora seja um centro automotivo importante, empresas da Europa, por exemplo, vão receber essas peças antes”, avalia o diretor da Jato Dynamics.
“Honda, Toyota, GM e Ford estão com as fábricas paradas nos EUA pela falta de semicondutores. Alemanha também enfrenta problemas”, completa Martins.
A pergunta que fica é: por que as empresas de semicondutores não dão conta de entregar toda a demanda? Martins explica que para atuar nesse segmento de produção de semicondutores é preciso investimentos altos e conhecimento técnico especializado.
“É um ramo caro e que exige muito conhecimento. São poucas empresas que fornecem esses produtos no mundo. As mais conhecidas são a Intel a e AMD, que não estão dando conta de tanta demanda e agora estão focando em outros segmentos que não o automobilístico”, reitera Martins.
A GM anunciou no fim de fevereiro que daria férias coletivas em março para todos os trabalhadores da área de produção da fábrica de Gravataí (RS) e, na sequência, adotaria o sistema de lay-off (suspensão temporária de contratos) por um período que poderia chegar a cinco meses justamente pela falta de peças.
Raphael Galante, economista que atua no setor automotivo há 14 anos e consultor na Oikonomia, lembra que a falta de peças na linha de produção de veículos em geral é muito grave porque interrompe a sequência de produção.
“Sem uma peça, é como se você tivesse uma ordem lógica da construção do carro e tivesse que mudar isso de forma improvisada. Só que essa mudança exige, por exemplo, um robô focado apenas em finalizar o sistema que falta. É custoso quebrar a linha de produção. Por isso, suspendê-la vira uma alternativa”, explica.
Galante acrescenta que a cadeia automotiva depende de muitos agentes para rodar sem problemas e sua velocidade depende também dos fornecedores de diversas peças.
Esses fornecedores, porém, precisam de peças específicas para a produção, que vêm de outras indústrias como a de siderurgia, com aço, e ou a pneumática, com pneus, por exemplo. Só que parte dessas indústrias que alimentam os fornecedores não têm uma velocidade de retomada tão forte quando as montadoras, ocasionando um descasamento entre os agentes envolvidos. “O processo é longo e os agentes são interdependentes entre si”, diz.
Demanda baixa
Segundo dados da Fenabrave, entidade que representa as associações de veículos, no acumulado do ano até fevereiro foram emplacadas 320.793 unidades no país. Na comparação com o ano passado, o número representa uma queda de cerca de 15%, confirmando o esfriamento do mercado, com o enrijecimento das quarentenas.
“Com o agravamento da pandemia, fechamento do comércio, a demanda por veículos esfriou. Em São Paulo, por exemplo, serão quase vinte dias com praticamente tudo fechado. Isso diminui muito o ritmo de vendas e demanda”, afirma Galante.
Ele alerta, ainda, que com o conjunto de problemas que as fabricantes vêm enfrentando, é de se esperar que mais montadoras paralisem suas produções.
Receio de contrair mais dívidas
Martins acrescenta que essa queda na demanda tem a ver com a alteração do comportamento das pessoas com a chegada da crise.
“Muitas pessoas ficaram desempregadas, e a decisão de comprar um bem de valor alto fica em segundo plano. Não é prioridade. Há um receio de assumir um endividamento de um, dois, três anos e não ter a garantia da estabilidade. Entre 60% e 65% das compras de veículos são feitas através de financiamentos no país”, explica Martins, da FGV.
O InfoMoney fez uma reportagem que mostra que a busca dos consumidores por empréstimos caiu 1% na comparação com 2019, sendo a primeira vez em seis anos que o resultado é negativo. E um dos principais motivos do resultado foi a queda nos financiamentos de veículos.
Na última terça-feira (23), foi divulgado o índice de confiança do consumidor da FGV, que mostrou uma queda de 9,8 pontos em março, para 68,2 pontos. O resultado é o menor desde maio de 2020 (62,1).
Decisão acertada?
Martins entende que as montadoras tomaram uma decisão necessária e que deve se mostrar acertada. “A paralisação temporária na produção é a consequência de uma série de decisões tomadas nos últimos meses. Sem peça não tem como produzir e soma-se isso à redução na demanda: tem uma lógica por trás a fim de evitar mais prejuízos dada a situação”, avalia.
Neto, da Jato Dynamics, acrescenta que na história da linha de fábrica das montadoras pausas são saudáveis para manter uma organização e qualidade na produção.
“Acho que as montadoras estão encarando essa suspensão dessa maneira. Todo mundo preferiria que fosse algo programado, todo mundo preferiria estar funcionando, mas não no momento não é possível. Se a produção não para e com a queda da demanda, a empresa só gera estoque que não vai conseguir se livrar. Então, a solução é paralisar e organizar a casa para quando for possível retomar, fazer isso da maneira mais eficiente possível”, diz.
Expectativas para 2021
Dado o contexto da atual paralisação, é importante entender o impacto desse período para o ano das montadoras. “Uma retomada sólida vai depender, principalmente, do quadro sanitário nacional, e claro, da chegada das peças. Mas se tivermos uma evolução positiva com queda no número de casos e mortes nas próximas semanas, a tendência que que essas fábricas voltem a funcionar”, diz.
Segundo as estimativas da Jato Dynamics, o crescimento do setor automotivo para este ano era de cerca de 20%, para 2,4 milhões de emplacamentos para o fim do ano. “Com essa paralisação, no entanto, já sabemos que não será possível atingir esse patamar. Vamos depender também da velocidade de vacinação, quanto mais rápido o cronograma andar, mais rápido a economia como um todo tende se recuperar”, avalia.
Já Martins tem uma visão mais positiva para o setor e acha que essa paralisação não vai se estender o suficiente para impactar o crescimento do setor neste ano.
“Em abril do ano passado, a produção total do país foi de cerca de 60 mil. Em dezembro, depois de o mercado ter ficado parado três meses durante o ano, a os emplacamentos chegaram a 230 mil. Ninguém previu esse aumento em 2020, tivemos um segundo semestre forte diante das circunstâncias. Como este ano acredito que não teremos três meses de suspensão, entendo que o setor tem tudo para continuar crescer cerca de 15%”, diz Martins.
Galante entende que uma normalização da produção será vista somente no segundo semestre. “A chegada das peças não será tão ágil. As marcas vão sofrer para atravessar mais um momento delicado, mas entendo que já estão mais preparadas e quando a demanda por peça for atendida será mais fácil retomar a produção”, diz.
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