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SÃO PAULO — Quando iniciou a sua carreira profissional, na década de 1990, a CEO do Standard Bank Brazil, Natalia Dias, tinha poucas certezas. Uma delas era sua capacidade de estar à frente dos negócios.
Com passagem em diversos bancos internacionais, há dois anos a executiva comanda as operações do banco sul-africano no país, com o objetivo de aumentar o volume de negócios entre as empresas brasileiras e as do continente africano – onde o Standard possui presença em 20 países.
A missão de criar pontes e intensificar a cooperação entre as multinacionais dos dois continentes é complexa, afirma Natalia, ainda mais em um momento de crise econômica interna e tensões geopolíticas globais. Mas o desafio da área foi o que a motivou, desde cedo, a crescer na carreira.
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“É isso que me atrai no mercado financeiro, o desafio intelectual e a adrenalina que se tem de fazer negócios, perseguir determinados objetivos e vencer os obstáculos”, pontua a executiva.
Logo após sair da faculdade, Natália desejava seguir a carreira no setor de marketing e chegou até a fazer uma lista com empresas que gostaria de trabalhar no segmento, mas acabou sendo selecionada para atuar no Chase Manhattan Bank (atual JPMorgan Chase) – o que a levou aos 23 anos para o maior distrito financeiro do mundo, Wall Street.
O crescimento na carreira ocorria ao mesmo passo em que Natalia se qualificava, entregava bons resultados, mas também via várias de suas colegas abandonarem as carreiras ou migrarem para áreas mais flexíveis por conta da maternidade e da responsabilidade de cuidar da família.
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Em um dos seus maiores desafios – se tornar CEO -, mesmo estando apta para exercer o cargo de maior autoridade na hierarquia operacional de uma empresa, Natalia teve que lidar com alguns paradigmas: um deles foi superar a própria percepção de que não conseguiria dar conta de exercer o cargo; o outro foi participar de todo o processo seletivo para assumir o cargo mesmo sendo a escolha natural e sucessiva na organização em que já trabalhava. Ela era a única mulher entre os candidatos.
A presença de mulheres ainda é pouco expressiva em cargos de liderança. Um levantamento feito pelo Insper em parceria com a consultoria Talenses, divulgado no ano passado, mostra que 13% das empresas brasileiras têm CEOs mulheres. Nos demais cargos de destaque (VP, diretorias e conselhos), as mulheres não ultrapassam nem 30% da composição total.
Poucas mulheres conseguem sobreviver dentro desse ambiente e se sentir preparadas o suficiente para aplicarem e demandarem determinadas posições e ultrapassar essas barreiras.
No mês dedicado à luta das mulheres, confira a entrevista com Natalia Dias sobre carreira, economia, cooperação internacional entre Brasil e África e o papel da mulher nestes cenários.
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IM: Mesmo sendo a maioria da população, as mulheres ainda encontram dificuldades em assumir papéis de liderança nas empresas. Por que isso ainda acontece?
ND: É difícil falar sobre algum fator específico. Eu vejo que as mulheres no nível de entrada acabam se destacando, tanto ou mais que os homens, mas as dificuldades surgem de maneira diferenciada nos níveis mais elevados.
A principal questão para a liderança feminina é a maternidade. Em algum momento, ela vai ser preterida dessa escolha porque pretende ter filho ou não, e, mesmo que ela tenha, vai ser difícil voltar, porque culturalmente a mulher se responsabiliza pelo trabalho e todo cuidado com a família e também a maioria das empresas não dão às condições mínimas necessárias de suporte para isso.
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As mulheres precisam estar muito mais qualificadas para se candidatarem e atuarem em determinadas posições, pois tomadores de decisões, na sua grande maioria homens, ainda valorizam a questão da liderança diretiva, focada em personalidades fortes e em estilos que são muito mais atrelados aos homens. Poucas mulheres conseguem sobreviver dentro desse ambiente e se sentir preparadas o suficiente para aplicarem e demandarem determinadas posições e ultrapassar essas barreiras.
IM: Como você enxerga essa questão no ambiente corporativo atualmente e, como CEO, o que tem feito para tentar diminuir a disparidade existente entre homens e mulheres nos cargos de liderança?
ND: Essa situação está mudando, principalmente nas multinacionais, que estão dando melhores condições, oferecendo auxílio creche e aprovando a licença paternidade, assumindo de uma certa maneira, que o cuidado vem dos dois.
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As organizações também caminham para uma nova forma de gestão, em que a figura do líder passa a não se destacar de forma isolada, dando destaque ao engajamento das pessoas e criando um propósito para a empresa que fale com os funcionários e faça com que eles trabalhem porque acreditam e se identificam com ela.
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Essa condição pode ser um fator que impulsione essa mudança, porque estamos passando por um momento sem precedentes na historia, com mudanças tecnológicas e de geração, que está vindo com novos anseios – diferente da minha – , em que carreia vinha em primeiro lugar e você só tomava decisões baseadas nesse crescimento e desenvolvimento pessoal.
O que temos tentado fazer é inspirar e liderar pelo exemplo mostrando para as pessoas que é possível, desde que exista determinadas condições, além de assumir essa nova visão levando em consideração as próprias demandas da nova geração e investindo em diversidade (de gênero, raça, idade, nacionalidades) na hora da contratação, porque quanto mais diversa for a base melhor será o pipeline.
IM: Durante sua carreira, como foi a preparação e quais dificuldades encontradas até chegar ao posto de CEO?
ND: Chegar aonde cheguei é um pouco de investimento pessoal e dedicação própria. Me preparei, tive uma formação adequada e aproveitei as oportunidades dentro das organizações em que atuei.
Ser estimulada desde cedo, pelos meus pais, a ser independente e seguir a profissão que eu quisesse foi um diferencial muito grande. Acredito que muitas mulheres passaram por essas barreiras culturais que dizem que mulher não pode gostar de matemática ou só pode ser professora. Isso não existiu na minha casa e foi muito importante no início da minha carreira.
A maior dificuldade é que, num determinado período da sua vida, você tem que se dedicar integralmente ao trabalho – e não é qualquer pessoa que aceitar estar numa situação dessa. O que faz diferença também é você ter uma inteligência emocional para conseguir lidar com as demandas e competições do mercado.
Acho que foi uma combinação desses fatores e, de algum momento, eu performar bem, dando bons resultados e me conectar com as pessoas certas, que me ajudaram no objetivo que estava perseguindo.
No caso específico de como chegar na posição de CEO, eu já era diretora comercial da organização e segunda no escritório quando o cargo ficou vago, mas isso não foi uma escolha óbvia. O banco resolveu abrir um processo seletivo com pessoas de fora e eu participei de todas as etapas que os candidatos externos foram submetidos e era a única mulher.
No final, eram dois homens comigo e eu acabei sendo escolhida. Ter inteligência emocional me ajudou no momento, ao mesmo tempo que me faz questionar toda essa questão do gênero. Por que se fosse um homem que estivesse no meu lugar, será que ele teria sido colocado na vaga imediatamente ou passaria por todo o processo que eu passei?
IM: Falando em negócios, como estão atualmente as relações comerciais entre Brasil e os países do continente africano? E por que investir na África?
ND: As relações Brasil com África já foram mais próximas, atingindo um pico de um fluxo de comércio exterior de US$ 25 bilhões, que caiu nos últimos anos muito por conta da queda do preço de petróleo, mas também pela própria crise no país.
Isso está mudando aos poucos, acho que as empresas brasileiras aprenderam de uma maneira muito dura que estar 100% concentrada em Brasil não é bom e têm buscado uma diversificação e aprimorado a estratégia internacional. Temos visto empresas (tanto do setor industrial e consumo), principalmente o mercado de proteína, olhando para África como um grande mercado potencial de consumo de entrada.
A África é a nova fronteira de crescimento pro mundo, um mercado que poucas pessoas conhecem, principalmente aqui no Brasil. Para além de toda riqueza de recursos naturais e investimentos em infraestrutura para acessar esses recursos, tem uma dinâmica populacional e de consumo que poucas pessoas entendem.
O continente cresce numa média de 5.5% ao ano, mas tem casos de economias que crescem 10% anualmente, ainda se tem uma taxa de urbanização muito grande de pessoas saindo das áreas rurais e criando grandes centros de consumo, o que está despertando a atenção de muitas empresas do setor de consumo.
A operação da Coca-Cola no continente é uma das maiores da empresa, por exemplo. A própria Ambev comprou a SABMiller – maior cervejaria da África do Sul, de olho no desenvolvimento do mercado de consumo africano e tem inúmeros outros exemplos. É um continente que oferece sem dúvidas ótimas oportunidades.
IM: Diante desse cenário, qual é o papel do Standard para intensificar essas relações?
ND: Nosso papel aqui é desmistificar um pouco desse continente e fazer com que as empresas brasileiras negociem diretamente com os compradores finais na África.
A gente tem engajamento direto com várias empresas, fazemos eventos no Brasil para criar essa consciência e disseminando informações sobre o continente, produzindo material de pesquisa, nós temos uma equipe de research que é a mais premiada do continente e dividimos essas informações com grandes empresas aqui com análises técnicas e profundas.
Estamos notando uma maior presença brasileira no setor industrial, com empresas como a WEG – presente em 5 países africanos e a Marcopolo. Mas ultimamente o destaque é para o segmento de consumo, com a Ambev, e o de proteína com empresas se estabelecendo no continente com escritórios comerciais para aumentar o nível de vendas
Do lado africano, o fluxo de investimento no Brasil tem sido normalmente capitaneado pelas empresas sul-africanas, que de fato são as empresas que tanto se expandem pra dentro e fora do continente. Temos alguns players do setor de mídia e farmacêutico fazendo algumas incursões no Brasil e temos tido uma demanda muito grande, por incrível que pareça, no setor de consumo, varejo de supermercado africanos estão de olho no grande mercado consumidor brasileiro.
O que aproxima o Brasil e o continente, de alguma maneira, é que se na África tem algumas geografias desafiadoras aqui também não é um mercado pra principiantes e isso na verdade facilita, porque quem faz negócios no Brasil faz na África e vice-versa.
IM: A taxa de juros na mínima histórica pode facilitar o aumento dessas transações?
ND: Por o custo de captação estar mais barato, isso deveria fomentar os investimentos no Brasil. Mas se olharmos os dados e olhar o PIB e a sua composição da demanda, o que mais tem puxado para baixo é o setor de investimentos. Temos um nível de investimentos abaixo da expectativa.
Existem várias razões para isso. Por um lado ainda tem a capacidade ociosa da indústria, que não consegue ver uma reação forte o suficiente do lado do consumo para justificar mais uma rodada de investimentos na área, apesar da retomada pequena da confiança do consumidor.
A própria agenda de reformas do governo é ambiciosa e traz uma expectativa muito grande, mas também ela atrapalha porque a gente tem tido uma dificuldade, do ponto de vista político, de articular essas novas reformas. Essa contexto faz com que um grande investidor espere para tomar uma decisão, por exemplo, depois da reforma tributária ser aprovada, porque isso gerará impacto nos seus negócios.
Só teremos um crescimento mais sustentável quando a gente tomar medidas que ataquem a produtividade, melhorando a forma de pagar imposto, diminuindo o tempo e a burocracia para se abrir empresas. Então todas essas questões micro que o governo até está tentando endereçar vai ser muito importante para que a gente possa retomar os investimentos no Brasil.
IM: Quais têm sido os seus maiores aprendizados como CEO?
ND: São dois. Quando se passa para um papel de CEO, sua função é muito mais fazer motivar as pessoas entregarem a tua visão, um pouco diferente de quando você lidera um negócio e está na execução. Então, a primeira é ter uma visão estratégica de onde o negócio pode chegar e aquilo que você tem que entregar e a outra é entender como as pessoas funcionam e qual o melhor que cada um pode entregar para fazer com a que a instituição atinja seus objetivos.
E ser mulher nisso ajuda bastante. Ser diretivo e assertivo também são componentes de uma boa liderança, agora sem dúvidas, a capacidade de empatia que uma mulher pode ter e a capacidade que a gente tem de executar várias tarefas e vários componentes ao mesmo tempo te dá uma flexibilidade maior e ajuda muito na entrega e na execução de qualquer plano de negócio.
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