Drive to Survive: as lições de marketing da série que ajudou a Fórmula 1 a bater recordes de audiência

A série é responsável pela crescente popularidade da Fórmula 1. O Do Zero ao Topo separou as principais lições de marketing por trás de sua construção

Letícia Toledo

Drive to Survive, série da Netflix sobre a fórmula 1 (Divulgação)
Drive to Survive, série da Netflix sobre a fórmula 1 (Divulgação)

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Quando o conglomerado americano Liberty Media comprou a Fórmula 1 por US$ 4,4 bilhões em 2016, os novos donos sabiam que precisariam de novidades para capturar uma maior audiência e crescer seu faturamento. Em meio a novos carros, novas câmeras, um novo CEO e uma nova identidade de marca, eles encomendaram uma série que se tornaria um sucesso colossal: “Drive to Survive”.

Na sexta-feira (11), a plataforma Netflix estreou a quarta temporada da série documental que retrata os bastidores da Fórmula 1 e se tornou um trunfo na revitalização da marca F1. Uma pesquisa da consultoria Nielsen Sports revelou que, em 2020, a base de fãs do esporte cresceu em 73 milhões de pessoas em países como Brasil, China e Estados Unidos. Cerca de 77% desse crescimento veio da faixa etária que costumava passar batido pela transmissão das corridas: 16 a 35 anos.

O Grande Prêmio de Austin (EUA) de outubro do ano passado trouxe o maior público da história da categoria: 400.000 espectadores. Isso em um país que sempre vibrou com as corridas da Nascar e menosprezou a F1. De acordo com a consultoria Nielsen, todos esses números estão diretamente ligados com a série “Drive to Survive” (Dirigir para Viver, na tradução em português), lançada em março de 2018.

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O Do Zero ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, separou as principais lições de marketing que podem ser aprendidas com a idealização e produção da série. Confira a seguir.

1 – Vá até onde seu futuro público está

Aumentar a presença da F1 nas redes sociais — com a produção de vídeos bem elaborados e a entrada em novas plataformas como o TikTok — foi uma das estratégias desenhadas desde o início da gestão Liberty Media para atrair o público mais jovem. Ter uma série sobre o esporte em uma plataforma de streaming, também estava nos planos desde o primeiro dia.

Um ponto que vale destacar nessa estratégia, tanto para as redes sociais quanto para a série, é que o foco a F1 não foi fazer anúncios e sim produzir conteúdo de alta qualidade, com alto valor de entretenimento e revelando o que a Fórmula 1 tem de melhor fora das pistas.

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Paul Martin, produtor executivo da série, disse em entrevistas que Sean Bratches, ex-diretor da Fórmula 1 e um dos responsáveis pela aquisição feita pela Liberty Media, foi “o padrinho do Drive to Survive”.

“Sean nos procurou e disse algo como: ‘olha, eu estou falando com as plataformas de streaming e quero fazer um acordo. Se eu fizer, vocês estariam interessados em produzir [o documentário]? Foi uma daquelas conversas que você nunca tem certeza se vai ouvir algum retorno. Mas dois ou três meses depois disso, recebemos uma ligação de Sean dizendo: ‘Vamos fazer, não temos certeza do quê, mas adoraríamos que vocês produzissem'”, contou Martin em entrevista.

“Nossa ideia era fazer um documentário sobre os bastidores com apenas uma equipe de Fórmula 1 ao longo da temporada. Sean realmente gostou da ideia, mas sentiu que queria fazer algo maior, focado no maior número possível de equipes, que mostrasse a Fórmula 1 sob uma luz completamente diferente e a apresentasse a um fã completamente diferente”, completou.

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2 – Conte história de pessoas

Carros com engenharia complexa, um regulamento cheio de nuances e mudanças, pistas de corrida que requerem estratégias completamente diferentes. Ao invés de se concentrar nas tecnicalidades e sobrecarregar os novos fãs, a série foca no que o espectador médio realmente quer ver: ação e drama. A ação, obviamente, está nas pistas. Já o drama fica por conta dos personagens que atuam dentro e fora delas.

“Se você realmente gosta de Fórmula 1, você sabe quem são os pilotos. Mas além dos ‘fãs hardcore’, ninguém sabia quem eles eram, por que eram tão poderosos e por que estavam tentando fazer o que estavam fazendo”, contou Martin sobre a decisão de focar o documentário nas histórias dos pilotos.

Ao mostrar o piloto Romain Grosjean lutando desesperadamente para manter seu lugar em uma equipe, a rivalidade dentro da Ferrari entre Sebastian Vettel e Charles Leclerc e Lewis Hamilton se abrindo sobre suas experiências de racismo, o documentário constrói narrativas que fazem o público se conectar com o esporte muito além do asfalto e do volante, por meio de emoções.

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“É o mesmo com qualquer esporte. Assim que você se afasta da versão de relações públicas do esporte moderno e entra na realidade dele, as pessoas investem nos personagens”, disse James Gay-Rees, outro produtor executivo de “Drive to Survive” ao site “Business Insider”.

3 – Seja aspiracional

Carros velozes, cenários paradisíacos e tudo de melhor que o dinheiro pode comprar. Ao mostrar a paixão dos pilotos pelas pistas e acompanhá-los além delas, os produtores do documentário transmitem o glamour envolto na Fórmula 1 e, com isso, ajudam a criar um dos pilares centrais para a construção de uma marca de sucesso: o desejo do consumidor de fazer parte daquele universo.

“Tendo passado algum tempo em algumas corridas antes de começarmos o show, sentimos que havia toda uma parte do esporte que estava acontecendo nos bastidores – no paddock e nas hospitalidades e na pré-temporada e nas lacunas entre as corridas”, diz Martin. “As pessoas realmente não sabiam [sobre isso], ou se sabiam, não entendiam de verdade”, completa.

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4 – Contrate as pessoas certas e dê liberdade criativa

A escolha de Sean Bratches, o ex-diretor da Fórmula 1 responsável pela ideia inicial, pela produtora de Paul Martin para fazer a série não foi por acaso. O sócio de Martin é James Gay-Rees, produtor do documentário Senna (que narra a vida de Airton Senna) e co-produziu um filme sobre o jogador de futebol Cristiano Ronaldo.

Bratches obviamente deu a ideia geral da série, mas deixou os produtores livres para criarem suas histórias — tragédias pessoas, traições nos negócios, alta rivalidade. Tudo isso está retratado no documentário de maneira crua e até, segundo alguns personagens desse cenário (como o piloto Max Verstappen) de maneira exagerada.

Os próprios produtores reconheceram em entrevistas que, enquanto estavam captando as imagens, não sabiam muito bem quais seriam as histórias principais. O planejamento definido antes da produção foi mudando conforme as gravações iam acontecendo, o foco estava sempre em captar as melhores histórias do momento, e não em se ater a um script planejado.

“Trata-se apenas de encontrar o equilíbrio entre ter planejamento suficiente para que você esteja confiante de que pode executar o show todos os anos. Mas ao mesmo tempo ser ágil o suficiente para poder mudar a trajetória e seguir um caminho diferente”, descreve Martin.

5 – A história contada não precisa ser a mais óbvia

Os produtores de Drive to Survive enfrentaram, logo na primeira temporada, um impasse que poderia minar o sucesso da série. As duas principais equipes daquela temporada, Mercedes-Benz e Ferrari, não aceitaram participar do documentário. Poderia ser um problema, mas não foi.

Uma grande questão que reduzia a audiência da Fórmula 1 àquela altura era justamente o domínio de uma única equipe e piloto (Mercedes e Lewis Hamilton) durante anos a fio, enquanto Ferrari e outras equipes disputavam a segunda posição. Isso tornava as corridas entediantes ou previsíveis demais.

A recusa das equipes principais em participar da série abriu espaço para que se explorasse os dramas de pilotos e escuderias menores — mostrando ao espectador que o entretenimento do esporte vai muito além do primeiro e segundo lugar do pódio.

A série retrata, por exemplo, a tensão e agonia da Red Bull — naquele momento ofuscada e tentando retornar à disputa pelo título —, a derrocada da outrora grande campeã McLaren e a luta do piloto Daniel Riccardo para provar seu valor tendo como companheiro de equipe o prodígio Max Verstappen. São frustrações, incertezas e tensões mais próximas do público em geral — ainda que em uma escala menor — e propícias para a criação de empatia.

A quarta temporada da série, que estreou nesta semana, teve que lidar com a recusa justamente do campeão da temporada de 2021 em participar das gravações. Max Verstappen citou preocupações sobre a criação de narrativas de rivalidade exageradas em torno dos pilotos para declinar o convite. Como saída, a série focou em um outro personagem da equipe RedBull que o público vem acompanhando desde a primeira temporada: o chefe da equipe Christian Horner. O foco acaba sendo a rivalidade entre ele e Toto Wolff, o chefe da Mercedes.

A quarta temporada de “F1: Dirigir para Viver” tem 10 episódios e praticamente dá início ao novo ano da Fórmula 1. O primeiro Grande Prêmio de 2022 acontece no dia 20 de março no Bahrein. Até lá, o controle remoto de muitos espectadores estará ocupado com os episódios da série na Netflix.

Letícia Toledo

Repórter especial do InfoMoney, cobre grandes empresas de capital aberto e fechado. É apresentadora e roteirista do podcast Do Zero ao Topo.