Depois da euforia, como vai ficar o investimento nas startups brasileiras para 2022?

Volume investido ainda deve crescer neste ano, mas salto será menor. Juros e correções de múltiplos jogam contra captações e valuations agressivos

Mariana Fonseca

(Shutterstock)
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SÃO PAULO – O ano de 2021 foi de quebra de recordes para as startups, inclusive brasileiras. O país registrou mais de R$ 50 bilhões em investimentos para negócios escaláveis, inovadores e tecnológicos, além de um número nunca antes visto de criação anual de unicórnios. Foram 10 novas startups com avaliação igual ou superior a US$ 1 bilhão em 2021.

Investidores e empreendedores aproveitaram um momento global de baixas taxas de juros e de interesse em empresas de tecnologia. Gestoras de venture capital captaram grandes quantias, e os empreendedores escolhidos por elas receberam rodada atrás de rodada de investimento. Houve startups internacionais e nacionais que foram criadas, captaram mais de um investimento e se tornaram unicórnio apenas ao longo dos 12 meses de 2021.

Para investidores e empreendedores brasileiros ouvidos pelo Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, as condições serão menos favoráveis em 2022. O investimento em negócios escaláveis, inovadores e tecnológicos deve crescer neste ano – mas não na proporção vista em 2021. O número de unicórnios também deve ser menor. Alguns empreendedores já estão preparando o caixa para um cenário de captações mais difíceis. E alertam: quando esse momento chegar, empresas supervalorizadas e sem fundamentos não vão sobreviver.

2021: entenda a euforia com startups

Startups bateram recorde de captação em 2021. As startups brasileiras receberam o triplo de recursos, na comparação com o volume de investimentos em 2020. O ano foi bom também na média mundial: a base de dados Crunchbase apontou que US$ 332 bilhões foram investidos mundialmente em negócios escaláveis, inovadores e tecnológicos ao longo de 2020. O número subiu para US$ 646,8 bilhões em 2021. Ou seja, o volume mundial de aportes quase dobrou ano sobre ano.

Para os investidores ouvidos pelo Do Zero Ao Topo, o ecossistema brasileiro de startups cresceu primeiro como uma forma de preencher uma lacuna em relação a outras nações criadoras de startups.

“O Brasil tem ainda muitos problemas para serem resolvidos, e havia uma grande escassez de capital destinado ao país”, diz Alex Szapiro, diretor dos investimentos do SoftBank no Brasil. O conglomerado japonês de telecomunicações é o maior exemplo de grandes captações para aportar nos negócios de tecnologia da América Latina. O SoftBank Latin America Fund foi lançado em 2019, para aportar US$ 5 bilhões nas startups da região. Em setembro de 2021, surgiu um novo compromisso de US$ 3 bilhões na forma do SoftBank Latin America Fund II.

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Gestoras fizeram grandes captações tanto em 2020 quanto em 2021, e seus fundos foram investidos em startups. O salto dado especificamente no último ano foi resultado de um cenário macroeconômico favorável e um interesse crescente no setor de tecnologia.

Baixas taxas de juros direcionaram investidores para a renda variável. “Nos últimos dois anos, vimos mais procura de investidores e gestores. Eles queriam entender como funciona o venture capital no Brasil, como forma de diversificar a carteira e compensar a taxa básica de juros quando ela estava em queda”, diz Laura Constantini, sócia da Astella. A gestora de venture capital terminou a captação do seu quarto fundo em junho de 2021.

“Esse cenário de juros baixos fez com que o múltiplo [quanto o valor da empresa representa de sua receita] das empresas de software como um serviço estivessem bem elevados”, concorda Alessio Alionço, fundador da Pipefy. O sistema de gestão de processos captou um investimento de US$ 75 milhões em outubro de 2021. O valor ficou no teto do que a Pipefy esperava captar.

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Depois, a pandemia do novo coronavírus evidenciou o potencial das soluções criadas por startups. “Em tempos de isolamento, houve uma grande adoção da tecnologia e seu potencial foi demonstrado”, afirma Renato Valente, sócio da gestora de venture capital Iporanga. A Iporanga captou um segundo fundo de US$ 50 milhões no último trimestre de 2019, antes da empolgação com tecnologia derivada da pandemia.

Um dos casos em que a necessidade de digitalização falou alto foi o da Justos. Mesmo antes de começar a operar, a startup de seguros de automóveis captou R$ 212 milhões com investidores. “O investimento foi bem acima do pretendido. O timing no setor de insurtech [tecnologia para seguros] favoreceu essa captação. Estamos mais ou menos no mesmo momento em que o banking estava em 2014″, diz Dhaval Chadha, cofundador da Justos.

Já a Kovi percebeu a maior liquidez entre as gestoras de venture capital. “O processo de captação está cada vez mais acelerado, com mais capitalização e competitividade entre os investidores. Na minha experiência, a diligência se manteve rígida, mas teve mais acesso a capital em 2021”, diz Bruno Poljokan, sócio da Kovi. A startup de carros por assinatura captou um investimento de R$ 500 milhões em agosto de 2021. “Tínhamos um limite mínimo e máximo de captação, e ficamos perto do limite máximo.”

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A Shopper foi outra startup que aproveitou o momento. A plataforma de entrega online de itens de supermercado captou R$ 290 milhões em duas rodadas feitas ao longo de 2021. O cofundador Fábio Rodas conta que houve demanda acima da esperada por parte dos investidores nas duas rodadas. “Tivemos que recusar mais de R$ 150 milhões de investidores que queriam participar da rodada, mas eram menos estratégicos. Captamos a segunda rodada do ano seis meses antes do planejado, mesmo tendo muito dinheiro em caixa.”

Mais do que taxas de juros e adoção de tecnologia, Rodas destaca que houve uma mudança de mentalidade entre gestoras mais tradicionais. “Fundos de private equity anteciparam o momento de entrada, investindo em empresas em estágios anteriores ao que normalmente faziam. Não querem mais perder o bonde”. Valente, da Iporanga, concorda com o raciocínio. “Os investidores mais tradicionais estão querendo participar dos aportes em empresas digitais agora.”

2022: alertas para fundos e startups

O cenário para este ano ano está mais desafiador ao venture capital (VC) e private equity (PE), a começar pelo ambiente macroeconômico. As taxas de juros subiram ou prometem subir em alguns países, como nos Estados Unidos e no próprio Brasil. Quem coloca dinheiro em VC e PE tende a ser mais exigente com seus retornos, com a renda fixa remunerando mais.

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“O SoftBank opera com capital próprio na América Latina, então essa questão não nos impacta da mesma maneira que pode ocorrer com outros players. Mas existe historicamente a percepção de que juros altos chamam a atenção dos investidores, por conta da relação entre risco e retorno”, alerta Szapiro. “Quem ainda vai decidir investir ou não em venture capital terá uma escolha mais difícil neste ano”, completa Daniel Ibri, sócio da gestora de venture capital Mindset Ventures.

Mesmo assim, os gestores que captam com terceiros entendem que seus investidores não são voláteis como as pessoas físicas que estão na Bolsa de Valores. Quanto mais uma firma de investimentos é reconhecida no mercado, mais tem uma base cativa de investidores.

“O cenário macroeconômico sempre é ruim no Brasil. Eu comecei no venture capital faz dez anos, quando o CDI estava entre 14% e 15%, e as pessoas continuavam investindo porque nossa proposta é um retorno bem maior em longo prazo. As taxas de juros e as flutuações da economia e da política não deveriam balançar quem procura uma carteira diversificada, investe os tíquetes naturalmente maiores do venture capital e sabe que a aplicação é por definição ilíquida”, diz Ibri.

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“O venture capital tem um ciclo de cerca de dez anos entre o comprometimento do dinheiro e seu retorno, então muita coisa pode acontecer com juros e políticas nesse tempo. Também investimos nas empresas inovadoras, trazendo uma proteção de valor em relação ao que se investe atualmente no mercado acionária. Então dizemos que o venture capital deve ser pensado como um investimento anticíclico”, completa Laura, da Astella.

Além da macroeconomia, os investidores também estão refletindo sobre até onde vai a avaliação de mercado das empresas de tecnologia em comparação com suas receitas. Já existe uma correção de múltiplos nos mercados públicos: o mercado acionário americano mostrou na primeira semana deste ano uma desvalorização dos papéis das empresas de tecnologia, ante o aumento da taxa de juros no país. No mercado acionário brasileiro, alguns gestores reconheceram que pagaram caro demais em operações no ano passado, incluindo IPOs das techs.

“A correção dos múltiplos já começou por causa da curva de juros. É só olhar para a performance das empresas tech que fizeram IPO na B3 nos últimos meses: algumas companhias estão valendo praticamente o seu caixa, uma avaliação muito descontada se você olhar seus fundamentos”, diz Alessio, da Pipefy.

Mesmo assim, tanto startups americanas quanto startups brasileiras seguem recebendo rodadas crescentes nos mercados de venture capital e do private equity. Segundo Ibri, as correções de múltiplos acontecem de trás para a frente: começam nos mercados públicos, vão para as startups privadas em estágio avançado (late stage) e só depois chegam até as startups privadas em estágio inicial (early stage).

“Muito dinheiro captado por fundos aumenta concorrência entre eles e a avaliação das startups. Os múltiplos realmente estão altos no mundo inteiro e deve acontecer uma correção, mas duvido que isso aconteça neste primeiro semestre. No late stage, alguns gestores de private equity fora da curva fazem cheques grandes a valuations altos nas startups de estágio avançado e causam um descolamento em relação ao comportamento da Bolsa. Para as startups em que investimos, a correção deve demorar ainda mais para chegar”. A gestora de venture capital capta recursos no Brasil para investir em startups em estágio inicial nos EUA e em Israel.

“Alguns SPACs e IPOs já sofreram correções e acredito que veremos uma correção mais forte. Mas esse momento ainda deve demorar, e em tecnologia deve vir apenas depois de 2023”, acrescenta Valente, da Iporanga. “Mas por isso é importante investir em bons empreendedores e uma boa unit economics [receita e despesa por unidade de produto ou serviço]. O negócio precisa conseguir navegar mesmo quando o capital secar”.

“Os valuations públicos devem sempre balizar os valuations vistos no mercado privado, porque são uma porta de saída aos investidores. Estamos começando a ver uma correção e isso não é necessariamente ruim: a gente volta para um cenário mais racional de expectativas, com o valor das empresas sendo comparado com as expectativas de crescimento e de geração de valor”, concorda Laura, da Astella.

Então, o investimento em startups vai recuar em 2022?

Para os investidores ouvidos pelo Do Zero Ao Topo, as startups brasileiras devem receber, no total, mais dinheiro do que em 2021. Mas alguns ressaltaram que o crescimento percentual não deve ser tão forte e que teremos menos unicórnios, ou startups avaliadas em ao menos US$ 1 bilhão.

Para Ibri, 2021 foi bom tanto para gestoras quanto para empreendedores – a própria Mindset Ventures terminou de captar um terceiro fundo de US$ 52 milhões em março de 2021, e 80% do capital já foi investido. Já 2022 será difícil do lado dos fundos. Mesmo assim, a Mindset Ventures espera captar seu quarto fundo ainda em 2022, com um valor acima dos US$ 52 milhões do seu terceiro fundo.

Os empreendedores ainda devem se beneficiar bastante neste ano, com o dinheiro captado pelas gestoras na empolgação de 2020 e 2021. A exceção para o bom momento dos empreendedores deverá ser o período das eleições presidenciais. “Vejo um ano com primeiro semestre forte, mas que vai perdendo força ao longo do segundo semestre”, projeta Ibri.

Os empreendedores estão exercitando a cautela neste ano, apesar de acreditarem que existe dinheiro no mercado e que correções de múltiplos não devem acontecer nos próximos meses.

“Os fundos captam recursos com um direcionamento, então eles vão alocar esse capital. Empresas sólidas, com foco definido e estratégia de longo prazo continuarão com espaço para captar com qualidade”, reflete Poljokan, da Kovi. “Nós não separamos uma parte da nossa rodada para proteção, mas vamos alocando o dinheiro aos poucos e em médio prazo. Assim podemos acelerar ou desacelerar, se entendermos que está mais difícil de captar.”

Já Justos, Shopper e Pipefy colocaram a proteção de caixa como um dos objetivos de suas captações. “Quando conseguimos nosso investimento, já existia uma discussão que havia excesso de liquidez no mercado e que essa janela de oportunidade seria corrigida mais cedo ou mais tarde. Por esse motivo, decidimos reforçar o caixa para aguentar um período mais longo com um cenário econômico e de captação mais incerto”, diz Alessio.

Rodas destaca uma seletividade maior das gestoras em 2022. “Empresas mais frágeis podem ter dificuldade de captar e valuations mirabolantes de alguns negócios sem fundamentos começam a voltar para a realidade. Os fundos podem ficar mais criteriosos e em algum momento isso com certeza vai acontecer, mesmo que não seja em 2022″. Alessio acrescenta que os empreendedores que querem conseguir dinheiro de fundos neste ano devem ser conservadores. “Faria o mais rápido o possível, e seria muito enxuto ao aplicar os novos investimentos”.

A Shopper analisará as condições de mercado e pode deixar sua próxima captação apenas para 2023. Já a Pipefy só pensará em novos investimentos quando sua última rodada completar um ano, em outubro de 2022. Kovi e Justos não colocaram um prazo específico para pensar em próximos aportes.

Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.