CVM forma maioria para absolver irmãos Batista por suposta manipulação de mercado

Joesley e Wesley Batista foram acusados de ganhos financeiros indevidos por conta do vazamento de delação premiada, no chamado "Joesley Day"

Rikardy Tooge

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A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) adiou nesta segunda-feira (29) a conclusão do julgamento de três processos contra os irmãos Joesley e Wesley Batista, da família controladora da JBS (JBSS3), por suposta manipulação de mercado em função do vazamento do acordo de delação premiada feita pelos executivos, no âmbito da Operação Lava Jato.

A dupla já obteve maioria para a absolvição das acusações. Apesar do placar favorável aos executivo e uma possível multa de R$ 500 mil à holding da família (J&F), a diretora Flávia Perlingeiro pediu vistas nos três processos e deverá apresentar seu voto em até 60 dias.

No primeiro processo, os irmãos Batista e a holding J&F eram acusados de insider trading com papéis da JBS. O motivo recorre a 17 de maio de 2017, quando o colunista Lauro Jardim divulgou que Joesley teria delatado o então presidente Michel Temer (MDB).

O dia seguinte ficou conhecido na Bolsa como “Joesley Day”, marcado pela maior queda do Ibovespa desde a crise de 2008 e a maior alta do dólar em 14 anos. Em razão das acusações, os empresários ficaram presos por seis meses entre 2017 e 2018.

A promotoria apontou que Joesley e Wesley sabiam que sua delação poderia influenciar nas cotações do frigorífico na Bolsa e teriam autorizado a venda dos papéis pela J&F antes da baixa. Por outro lado, a JBS estava em curso com um programa de recompra de ações, o que a permitiria comprar os papéis mais em conta, ainda de acordo com a acusação.

Nesta linha, a promotoria apontou um suposto ganho indevido de R$ 72,9 milhões por parte dos controladores pela venda de mais de 36 milhões de ações da JBS em posse da holding dos Batista.

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No entanto, o relator Otto Lobo, os diretores Alexandre Rangel, João Accioly e o presidente da CVM, João Pedro do Nascimento, acolheram os argumentos da defesa de que não seria possível prever os efeitos de um eventual vazamento da informação da delação.

A maioria dos diretores aceitou a explicação de que havia necessidade financeira da J&F para cumprir o pagamento de dívidas a curto prazo e que a negociação dos papéis era essencial para obter liquidez.

Ainda de acordo com a defesa, o conselho da JBS já havia aprovado o programa de recompra de ações semanas antes do primeiro contato dos irmãos Batista com a Procuradoria-Geral da República (PGR) para iniciar as tratativas para a delação.

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Três diretores votaram por uma multa de R$ 500 mil à J&F por descumprir o prazo legal para a negociação dos papéis, enquanto João Accioly votou pela absolvição da holding.

Em nota, a J&F Investimentos afirmou que “o julgamento da CVM desfaz a injustiça cometida contra o grupo e os empresários, ratificando a lisura e a legitimidade com as quais a J&F, seus executivos e empresas controladas sempre operaram no mercado financeiro”.

Operações com juros

No segundo processo do dia, em que Joesley Batista, no papel de presidente da J&F e Emerson Loureiro, então chefe da mesa de operações do Banco Original, instituição financeira da família, foram acusados de supostos ganhos no mercado de juros futuros em razão da volatilidade causada pela delação. Nos cálculos da acusação, o ganho teria sido de R$ 52 milhões.

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Mas Lobo, Rangel, Accioly e Nascimento entenderam que também não seria possível prever qual o efeito que eventual vazamento da delação teria sobre o mercado financeiro, uma vez que já existiam especulações de que os irmãos Batista assinariam um acordo de colaboração com a PGR antes da notícia publicada por Lauro Jardim.

Nascimento destacou que, embora existisse uma assimetria de informação por parte de Joesley, Loureiro não teria feito nenhuma transação atípica em relação à média do que a mesa do Original operava e em relação aos seus concorrentes.

Otto Lobo pontuou que o banco também não teria utilizado todo o limite de recursos diários para as operações, dando outro indicativo de que a instituição não teria trabalhado com informação privilegiada.

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Operação com dólar

Por fim, o último processo tratou sobre os efeitos do vazamento da delação premiada no mercado de câmbio, em especial às operações de proteção cambial, o chamado hedge, de JBS, Seara e Eldorado, empresas da J&F.

Neste caso, Wesley Batista foi o executivo acusado de ter passado ordem a um executivo da Eldorado para montar a proteção cambial antes da divulgação da notícia. Segundo cálculos da área técnica da CVM, o suposto desequilibro teria gerado um ganho potencial de mais de R$ 520 milhões.

O presidente da CVM, João Pedro do Nascimento, se declarou impedido e não votou neste processo. Já o relator Otto Lobo e os diretores Alexandre Rangel e João Accioly aceitaram os argumentos da defesa de que as posições de câmbio não foram zeradas no polêmico pregão respeitando o vencimento dos contratos, o que desmontaria a tese de ganho financeiro com a informação.

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Outro ponto é que as transações não teriam sido atípicas e nem fugido das políticas de hedge financeiro do grupo, em vigor desde 2009.

Seguindo a linha dos outros processos, a conclusão dos diretores da CVM foi de que o efeito do vazamento da delação era imprevisível e que Joesley e Wesley não teriam como saber quando a delação seria homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e nem de que forma a notícia chegaria à imprensa.

Relembre como foi o “Joesley Day”, no podcast “Os Pregões que Fizeram História”

Rikardy Tooge

Repórter de Negócios do InfoMoney, já passou por g1, Valor Econômico e Exame. Jornalista com pós-graduação em Ciência Política (FESPSP) e extensão em Economia (FAAP). Para sugestões e dicas: rikardy.tooge@infomoney.com.br