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SÃO PAULO – Mais do que oito em cada dez brasileiros consideravam suas contas de luz caras ou muito caras em agosto de 2020. Um ano depois, essa mesma pesquisa provavelmente mostraria uma insatisfação ainda maior.
Isso porque um alívio no bolso do consumidor durante a pandemia do novo coronavírus foi suspenso, com a volta do sistema de bandeiras tarifárias em dezembro do mesmo ano. Desde então, a energia elétrica tem tido aumentos sucessivos: entre setembro de 2021 e abril de 2022, estaremos com a recém-criada bandeira de escassez hídrica, que adiciona quase 7% de aumento a uma conta de luz que já tinha sido elevada em maio, junho e julho deste ano (entenda mais aqui).
Tentar reduzir o consumo é a principal atitude para a conta de luz vir menos salgada nos próximos meses. Mas algumas startups propõem soluções mais permanentes de economia energética para pessoas físicas e pessoas jurídicas: geração compartilhada, financiamento de painéis solares e até mesmo a entrada no mercado livre de energia. Um ponto em comum é a escolha por fontes de energia renováveis.
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Segundo a empresa de inovação Distrito, as 157 startups brasileiras voltadas ao setor de energia receberam US$ 85 milhões em investimentos desde 2015. Desse valor, US$ 66,4 milhões foram captados apenas em 2021 (78% do total). Quase seis em cada dez dessas startups foram criadas nos últimos cinco anos.
O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, conversou com algumas dessas energytechs: Clarke, Lemon, Metha Energia e Solfácil. As startups do setor de energia explicaram seus modelos de negócio e falaram sobre a maior demanda derivada da pandemia e dos aumentos na conta de luz dos brasileiros.
Geração compartilhada de energia elétrica
O crescimento dessas startups a partir de 2015 não é por acaso. A Resolução Normativa nº 687/2015, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), permitiu que consumidores abatessem o valor das contas de luz de concessionárias e distribuidoras ao instalar suas próprias fontes de energia renovável, ou participar de cooperativas de micro ou minigeração. Hoje, existem mais de 450 mil residências que fazem uso da geração compartilhada.
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Porém, criar a própria usina em casa ou entrar para cooperativas não é um processo intuitivo. Essa foi a percepção dos sócios da Metha Energia, fundada em 2017. “A gente se via gastando muito dinheiro com energia em casa, mesmo adotando medidas para reduzir o consumo. Começamos a pesquisar soluções e encontramos poucas para pessoas físicas. Era complexo conseguir sozinho o acesso à geração compartilhada, e mesmo assim o país entrou recentemente para os 15 países que mais produzem energia de maneira descentralizada. Existe um potencial enorme”, diz o cofundador Victor Soares.
O foco da startup está em consumidores que não tem dinheiro ou espaço físico para instalar painéis solares em suas residências, mas buscam redução de custo e uma energia mais renovável e sustentável. “Uma das regras para a geração distribuída é que ela seja renovável”, explica Soares.
Por meio de uma plataforma digital, a Metha Energia conecta pessoas físicas a geradores de energia limpa de pequeno e médio porte, como painéis fotovoltaicos, hidrelétricas de pequeno porte e térmicas que usam biogás e biomassa. A startup é responsável pela burocracia de unir os consumidores em uma comunidade para poder arrendar a usina, até o limite de sua capacidade.
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“Analisamos o enquadramento do consumidor, porque quem faz uso de tarifas sociais não pode acessar a geração compartilhada, por exemplo. Depois, fazemos o encontro entre esses investidores e usinas. Por fim, gerimos mensalmente a utilização do serviço e entregamos um boleto com informações claras do consumo de energia”, diz o cofundador.
A startup se monetiza por uma comissão cobrada dos geradores de energia a cada crédito de energia transacionado. Esses créditos podem ter seu valor abatido nos kWh consumidos — alguns itens não podem ser descontados, como taxas para iluminação pública e impostos associados. A Metha Energia estima uma economia de até 15% na conta de luz.
Em 2020, o negócio triplicou de tamanho. “Ficamos com medo de inadimplência. Mas foi o oposto: os clientes ficaram mais em casa e se preocuparam mais em pagar as contas básicas, mesmo que o consumo de energia tivesse aumentado”, diz Soares. Hoje, o negócio atende 63 mil clientes e 21 usinas, apenas no estado de Minas Gerais. A Metha Energia espera chegar a mais um estado no Sudeste, ao Centro-Oeste e ao Nordeste neste segundo semestre.
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A expectativa é expandir outras três vezes neste ano sobre dezembro de 2020, chegando a 120 mil a 150 mil clientes e 30 a 35 usinas. Neste ano, os aumentos de energia se somaram ao prolongamento da pandemia. “Temos visto mais tráfego e mais cadastros orgânicos, assim como boca a boca dos nossos clientes atuais. Estamos em um trabalho de explicar o que está acontecendo com as bandeiras, porque os consumidores tomam um susto quando chega a conta”, diz Soares.
Já a Lemon busca reduzir a conta de luz para pequenas e médias empresas. Assim como a Metha Energia, a Lemon atua como ponte entre consumidores finais, concessionárias/distribuidoras e usinas remotas de energia renovável, principalmente a solar.
“Promovemos uma geração de energia em menor escala e mais descentralizada. A geração compartilhada surge como alternativa para a matriz energética brasileira deixar de depender da chuva. Hoje, se não chove, complica o fornecimento de energia e temos de compensar com a energia mais cara e poluente das termelétricas”, diz o cofundador Rafael Vignoli.
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A startup atende negócios que tenham a partir de R$ 500 de conta mensal de energia elétrica. O capital social está nas faixas “entre R$ 5 mil e R$ 30 mil” (45% dos clientes da Lemon) e “até R$ 5 mil” (32,7%). Os segmentos mais comuns são comércios de mercadorias e de bebidas.
“São microempresários mesmo, que sentiram bastante o aumento na conta de luz. Estamos focados atualmente em atender esse pequeno negócio, mas eventualmente expandiremos para as pessoas físicas”, diz Vignoli. Para a startup, existe interesse maior tanto por conta da redução de custo, sem precisar investir em placas solares, quanto por conta da proposta de sustentabilidade.
A empresa cliente preenche seu cadastro e a startup apresenta uma proposta em alguns minutos. O contrato pode ser assinado digitalmente. A Lemon confere se a geração das usinas parceiras bate com o que elas informaram às concessionárias/distribuidoras, que repassarão os créditos de energia na conta das PMEs usuárias da Lemon. Essa checagem é feita para garantir aos clientes que eles recebam exatamente a quantidade de energia contratada.
As empresas não precisam trocar relógios ou alertar sua concessionária/distribuidora. A startup se monetiza com uma cobrança mensal sobre o faturamento das usinas parceiras. São 38 usinas atualmente, nos estados de Brasília, Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo. Cada uma delas tem capacidade para atender entre 100 e 120 clientes.
A Lemon tem mais de 1,5 mil clientes, com uma economia até o momento de R$ 760 mil na conta de luz. A startup afirma promover uma economia de uma a duas contas de luz por ano, ou 8,3% a 16,6% dos custos anuais com eletricidade.
A startup espera chegar a 4 mil a 5 mil clientes até o final do ano. Também está expandindo os tipos de geradoras remotos de energia renovável, acolhendo pequenas centrais hidrelétricas e de biogás. Em novembro de 2020, a Lemon captou R$ 17 milhões com investidores como a gigante de bebidas Ambev (ABEV3).
Painéis solares na própria casa ou empresa
A Solfácil está de olho em quem tem o espaço para instalar um painel fotovoltaico – mas precisa de melhores condições de pagamento. O mercado de energia solar tem dado saltos nos últimos anos, mas a oportunidade continua grande. Segundo dados coletados pela Solfácil com a Aneel, 0,6% das unidades consumidoras brasileiras tem tecnologia de energia solar atualmente. Em países como Austrália, a penetração chega a 25%.
A fintech pretende trocar a conta mensal da energia elétrica pela parcela de um investimento em energia solar, concedendo financiamentos de até dez anos para aquisição de painéis fotovoltaicos. Fabio Carrara fundou o negócio em 2018, após ter uma empresa que desenhava projetos e instalava painéis fotovoltaicos em estabelecimentos comerciais e residenciais.
“Estou nesse mercado há seis anos, então acompanhei crises econômicas e políticas no país. Deu para perceber que a energia solar é uma solução anticíclica: as pessoas querem se proteger de gastos desnecessários e fazem esse investimento nos piores momentos. E agora temos uma crise que é, inclusive, energética”, analisa Carrara.
A Solfácil atua em modelo B2B2C: agentes locais de projeto e instalação de painéis oferecem o financiamento da fintech aos consumidores finais. A Solfácil tem mais de 6 mil parceiros em mais de mil municípios. Carrara estima que haja 20 mil empresas do tipo pelo Brasil.
O investimento em um painel fotovoltaico fica entre R$ 20 mil e R$ 30 mil para a pessoa física e entre R$ 75 mil e R$ 100 mil para a pessoa jurídica de pequeno porte. A conta de luz costuma ser de R$ 300 a R$ 400 para as PFs que a Solfácil atende, enquanto as PJs costumam gastar entre R$ 2 mil a R$ 3 mil por mês. “São açougues, padarias, pousadas e escritórios que têm uma conta maior do que a das residências, mas mesmo assim pagam uma tarifa de varejo”, diz Carrara.
A fintech também lançou nesta semana uma oferta para pequenos produtores rurais, que ficam entre a pessoa física e a pessoa jurídica.
Em um prazo de cinco a seis anos, o consumidor costuma pagar o painel pela Solfácil. Sem os juros do financiamento, esse prazo seria de quatro anos (considerando uma mensalidade similar à da fatura tradicional de energia elétrica). A vida útil de um painel é de 25 anos, segundo Carrara.
Os recursos para conceder financiamentos vêm de fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs), com oferta pública mas restrita para investidores qualificados (Instrução CVM 476). A monetização da fintech vem da taxa de administração cobrada para originação do crédito e alocação do capital, além do spread do financiamento dos painéis fotovoltaicos. A Solfácil busca lançar no longo prazo uma oferta pública para pessoas físicas de FIDC (CVM 400).
O negócio cresceu dez vezes em 2020. “Na pandemia, as pessoas ficaram mais dentro de suas residências. Assim como as varejistas de construção tiveram anos recordes, esse mesmo foco na casa teve efeitos na procura por energia solar”, diz Carrara. A Solfácil atende hoje quase 20 mil clientes e já financiou R$ 500 milhões em painéis fotovoltaicos.
A startup espera chegar a 30 mil clientes e R$ 1 bilhão financiados em 2021 – outro crescimento de dez vezes sobre o ano anterior, como visto em 2020. “Crise hídrica e consequente aumento na conta de luz são notícias ruins, mas impulsionaram o setor de energia solar. Estamos ouvindo esse motivo na nossa base de clientes, e deve crescer no resto desse segundo semestre”, diz o cofundador.
Nem tudo é positivo, porém. “O aumento da energia leva a um aumento da inflação em geral, o que se reflete no aumento da taxa básica de juros para combatê-la. O aumento da Selic acaba se refletindo no aumento da taxa de financiamento dos painéis fotovoltaicos. Mas, mesmo com esse aumento, ainda vale a pena migrar para a energia solar”, completa Carrera.
Em junho deste ano, a Solfácil captou R$ 160 milhões com investidores. O valor está sendo usado apenas para o desenvolvimento da startup – o dinheiro dos financiamentos vem dos FIDCs.
Entrada no mercado livre de energia
Por fim, a Clarke busca reduzir a conta de luz para empresas de maior porte. A startup começou a operar em janeiro de 2020, com um serviço de adequação tarifária. A Clarke fornecia transição para a tarifa branca, que promove economia para quem usa energia fora dos horários de pico. A startup aproveitou essa carteira de clientes de adequação tarifária para focar em seu atual carro-chefe: uma plataforma para companhias aderirem ao mercado livre de energia.
Nesse marketplace, as empresas podem escolher suas distribuidoras e comprar energia de acordo com a lei de oferta e demanda. A Clarke cuida da burocracia e se monetiza por meio de uma comissão média de 6% sobre a energia vendida. Esse take rate é cobrado apenas dos distribuidores.
O mercado livre de energia está disponível apenas para empresas com uma conta de luz acima de R$ 10 mil (compra exclusiva de energia renovável) ou acima de R$ 100 mil (energia tradicional e renovável) por mês. A Clarke estima que a economia média das empresas é de 25%.
Em quatro meses de plataforma, a startup conquistou 27 contratos fechados de migração para o mercado livre de energia. Os negócios atendidos vão desde restaurantes e lojas até pequenas indústrias. Alguns exemplos são as unidades físicas de Dr. Consulta, Le Cordon Bleu, Maple Bear e Mobly (MBLY3). Os contratos costumam ir de cinco a dez anos, e a economia gerada com esses 27 acordos será de R$ 5 milhões, segundo a startup.
Pedro Rio, um dos cofundadores da Clarke, diz que os aumentos recentes na conta de luz responderam por parte da demanda. “O empresário vê essas notícias diariamente, e também percebe custos indiretos desse aumento na conta de luz. As vendas digitais foram aceleradas por conta das pesquisas por soluções”.
A Clarke projeta atingir 100 unidades consumidoras até o final deste ano, com uma economia de R$ 20 milhões projetada nos contratos. O negócio atua principalmente no Sudeste e no Nordeste, em cidades como Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e São Paulo.
“Estamos criando nosso produto em cima dessas 100 unidades consumidoras. Trouxemos simplificação de produto e de monetização, sem cobrar da própria empresa. Agora queremos inovar em tecnologia. Vamos focar em vendas mais rápidas, migração mais fluida para a plataforma e relatórios automáticos de consumo de energia e impacto ambiental”, diz Rio. Após esses investimentos, será a fase de escala. Em 2023, o plano é chegar a mais de 1.200 unidades consumidoras.
A escolha pela energia renovável
O Brasil tem uma participação relevante de energia renovável em sua matriz. Segundo dados do Ministério de Minas e Energia, cerca 46% da matriz energética brasileira era renovável em 2019. A média mundial está em 14,2%.
Porém, essa energia renovável é concentrada: a energia gerada por hidrelétricas representou 26,8% da fatia renovável, enquanto a eólica teve participação de apenas 3,5% e a solar uma contribuição ainda menor, de 0,4%.
O país enfrenta sua pior estiagem dos últimos 91 anos, de acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Essa crise hídrica impediu o funcionamento pleno das hidrelétricas e forçou a adoção de termelétricas, que produzem uma energia mais cara e mais poluente. O Brasil também teve de aumentar sua importação de energia de países vizinhos, alternativa mais cara do que a produção nacional.
“Tanto nas termelétricas quanto na importação, o megawatt custa mais de R$ 2 mil. Em comparação, o megawatt no mercado regulado de energia costuma custar R$ 400 em tarifa de energia. As distribuidoras assumem parte desse prejuízo, e outra parte é repassada ao consumidor”, diz Rio, da Clarke. “Isso porque hoje o nosso consumo ainda não está em níveis pré-pandemia. Se estivesse, teríamos risco de um novo apagão.”
André Braz, economista e coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirmou em reportagem anterior do InfoMoney que combustível e energia elétrica serão componentes que ocuparão maior espaço na inflação em 2021.
Apenas em agosto deste ano, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), prévia da inflação oficial do país, avançou 0,89% ante julho – acima da alta de 0,82% esperada por economistas consultados pela Refinitiv e o maior resultado para um mês de agosto desde 2002. Só a energia elétrica teve aumento de 5% no mesmo mês, crescimento 5,6 vezes maior do que a inflação geral. Segundo Braz, a energia elétrica compromete cerca de 4,6% do orçamento familiar. Nas famílias mais pobres, o comprometimento é de 6,5% a 7%.
Como solução para longo prazo, o governo deveria intensificar o trabalho de diversificação de suas fontes energéticas. Vignoli, da Lemon, ressalta que essa diversificação deve ser pautada por fontes sustentáveis.
“O Brasil é bom em energia renovável, como a hidrelétrica, mas não necessariamente sustentável. Basta pensar nos impactos ambientais de Itaipu. Temos ainda que explorar a sustentabilidade. Estamos em um país muito favorável para energias eólica e solar”, afirmou em entrevista anterior ao Do Zero Ao Topo.
Braz e Rio concordam que as fatias de energia eólica e solar ainda estão longe das ideais, ainda que tenham crescido desde a crise energética brasileira de 2001.
“Tivemos bons movimentos de modernização da energia no país nos últimos dez anos, ainda que lentos. Multiplicamos nossa capacidade de energia eólica e solar, e também criamos termelétricas como uma fonte segura de energia, mas cara e poluente. A solução é continuar investindo em energia eólica e solar e ir substituindo a energia térmica por energia de biomassa. É uma fonte renovável mas firme, que permite acionamento automático em caso de secas”, diz Rio.
“Devemos pensar gradualmente em maior investimento em matrizes energéticas, com uma agenda que não seja interrompida dependendo do governo vigente. Podemos explorar a exposição solar enorme da América Latina, e aproveitarmos nosso litoral para a energia eólica. Temos conhecimento e tecnologia suficientes para aproveitar mais tais recursos e, como consequência, baratear os custos da energia. Todo país precisa de eletricidade para continuar crescendo, e as fontes renováveis permitem que esse crescimento seja mais sustentável”, completa Braz.
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